sábado, 29 de dezembro de 2007

Cinco luxos e um lixo

Para quem quer fugir do burburinho das festas de finais de ano, nada melhor do que se refestelar no sofá de casa com um cinema particular. Aí vão as dicas! Não se espante se não encontrar nenhum lançamento super recente, pois a idéia é justamente essa, a de encontrar pérolas esquecidas nas prateleiras das locadoras. (Se é que com essa onda de camelô e Dreamule alguém ainda sabe do que estou falando.) Com dez reais diversão e arte estão garantidas.
Ah, qualquer semelhança com uma coluna da Super Interessante é mera coincidência.

O pecado mora ao lado. A lindíssima Marilyn Monroe está simplesmente perfeita. Trata-se de uma época em que as mulheres enlouqueciam os homens sem mostrar nem a ponta do tornozelo, pois nisso se consiste o grande segredo feminino: insinuar e nunca escancarar. Sua personagem cumpre com êxito estes quesitos, levando literalmente à loucura o vizinho que está sozinho em casa enquanto a esposa está de férias com o filho. Ingênua, inocente, provocante, sensual, displicente, totalmente sedutora, e é claro MA-RA-VI-LHO-SA! E sem falar que é chance de ver em seu contexto original a cena mais repetida e imitada do cinema, aquela do vestido branco e esvoaçante sobre o vento do metrô. Quem é que nunca viu essa cena.



Tempos Modernos. Charlie Chaplin, este é simplesmente obrigatório a todo ser humano pelo menos uma vez na vida, ver um de seus filmes na íntegra. Afinal estamos falando do maior que já existiu no mundo. Nunca ninguém falou tanto usando o silêncio. Suas comédias não foram feitas para o sujeito se jogar no chão de tanto rir, pois mais que qualidades cômicas sua atuação é sempre repleta de uma ironia que inevitavelmente leva à reflexão, para quem quiser fazê-la, é claro. Tempos Modernos não fica atrás. Ao estudar Revolução Industrial, muitos alunos já foram obrigados a assisti-lo sob o argumento da professora que dizia que a obra é raríssima de se encontrar e que pegou emprestada não sei com quem e tem que devolver urgentemente. Mentira leviana, qualquer boa locadora a tem, e em DVD. Ademais Carlitos nem exige tantos adjetivos, é assistir e tirar as próprias conclusões.
Adeus, Lenin. Para quem quer fugir da atual duplinha efeitos especiais e pouco roteiro, essa é a excelente pedida também para quem quer se embrenhar de fatos históricos. A produção alemã usa uma ficção para falar da rivalidade entre as duas antigas Alemanhas. Mas do que isso é a oportunidade de ver até onde pode chegar um ilimitado amor filial de um garoto que reconstrói um país perdido para não abalar a saúde de sua mãe. É ver e entender do que falo. Entretanto não se esqueça que a narrativa corre lenta e melancólica, se estiver com um pouco de sono, é pestana na certa.

Prenda-me se for capaz. Rostinhos bonitos, atores milionários, enfim cinemão americano, porque ninguém é de ferro. Mas este com a peculiaridade de realmente valer a pena. Leonardo Di Caprio depois do furor que causou com as mocinhas fanáticas por Titanic, provou que é também um ator com qualidade para desempenhar papéis mais embasados. Mesmo antes já o tinha feito, como se pode ver no brilhante Aprendiz de sonhador. Desta vez em Prenda-me se for capaz, nas contracenas com o detetive interpretado por Tom Hanks, Di Caprio faz um tremendo pilantra a distribuir cheques sem fundo e se disfarçando de piloto e médico para fugir das mãos da polícia. Destaca-se também a inacreditável cena quando ele se matricula num curso de francês e para fugir do gelo do primeiro dia de aula resolve que a melhor saída é se passar por professor. O filme já teve a infelicidade de ser exibido pelo Super Cine, com a maldita dublagem é claro, por isso valer a pena trazê-lo para casa e ver tudo no original.

Fale com ela. Pedro Almodóvar, este nome sempre divaga na cabeça dos leigos cinematográficos que quando interpelados sobre, sempre saem com o subterfúgio do “já ouvi falar”. É uma irresponsabilidade ficar perpetuando a desculpinha esfarrapada. Para quem ainda não viu nada do renomado diretor, pode sim começar com essa que é uma das suas mais recentes produções. Dois homens que se encontram numa mesma adversidade da vida. O primeiro é um enfermeiro que se apaixona pela paciente em coma que já havia conhecido antes, sem ter com ela qualquer envolvimento. O outro ao contrário deste, padece ao lado da namorada que também está em coma, mas não consegue lhe dizer uma única palavra e todas essas vidas vão se entrelaçando cada vez mais. Uma história de amor, loucura, frieza, solidão, paranóia, infelicidade, medo, inconseqüências. “Cores de Almodóvar” como cantaria Adriana Calcanhoto, falando nisso música brasileira é o que não falta no filme. Para quem for seguir a minha lista, pode começar com esse para abrir com chave de ouro.

Um amor para recordar. Ao longo deste ano moças e rapazes, homens e mulheres me fizeram inúmeras e apaixonadas recomendações sobre o tal filme que ilustra a lista de preferidos em milhares de perfis do orkut. Dias atrás à procura de levar alguma coisa boa para casa encontrei o dito cujo por preço extremamente acessível, na certa os fãs enlouquecidos não o encontraram. Comprei-o, afinal de fato estava curioso para saber do que se tratava, continuo sem saber, não se trata de nada. Para não esculhambá-lo de todo, digo que ele tem lá sim seus pontos positivos, pois privilegia o roteiro e tem o intuito de contar um história, o que nesses tempos de Harry Potter e Homem Aranha é raro. Mas como contam o próprio diretor e atores o objetivo era falar de amor para adolescentes, entre adolescentes, e tudo de uma maneira diferente. Aí que o inimigo aparece, o filme é clichê, piegas ao cubo! O menininho rebelde da escola que se regenera por amor à meninha boazinha, filhinha do pastor da cidade. Em quantos filmes, novelas, livroides, já não se viu coisa parecida? O grande ápice da trama é quando o rapaz lê para a mocinha a passagem bíblica que fala de amor: “O amor tudo espera, tudo crê, tudo suporta...”. Quem é que já não está farto de ouvir essa melosidade toda? O filme não apresenta novidade alguma. É típico do namorado cafajeste que quer impressionar a namoradinha derretida que cobra carinho. “Olha aqui amor, o filme que eu trouxe pra gente...”. Com certeza algum um outro retardado já havia lhes recomendado previamente. Mas não merece ir para a forca quem assisti-lo, basta ver e regurgitar tudo imediatamente para não cair na tentação de cometer blasfêmias como a que está presente na sinopse da contracapa: “Romeu e Julieta do século 21”. Coitado do Shakespeare deve está se contorcendo no caixão nesse momento.
PS Ah, mas para salvar um pouquinho, os protagonistas são excelentes atores, só que depois desse bombardeio todo, nem é bom citar seus nomes tampouco falar de suas qualidades.


t.c.s.













quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Enfim o Grande Gatsby

Sempre dei voltas em torno desse livro, mas abandonava-o às estantes em que o encontrava, é um caso muito estranho de mistura minha, confundi ou me deixei levar pelo público e o privado da vida desse autor. Para mim sua vida pessoal era bem mais interessante que os livros que ele escrevia, quando comprei Suave é a Noite numa edição da Nova Cultural gostei mais do livreto com a vida dele que veio junto. Um dos melhores momentos do Paris é uma festa do Heminghway é onde Fitzgerald aparece bem mal na foto. Então fiquei assim meio que fascinado pela revista de fofoca que se tornou sua vida e nunca tinha lido o seu maior e talvez único grande livro (dizem que os contos são bons também). Li-o agora, e vale cada página. É uma novela, no sentido mais generoso que essa palavra pode ter, bem contada, bem escrita, mas com um senso de modernidade que ultrapassa os anos em que foi enfeixada e chega até nós ainda tilintando qualidade.

Uma coisa que me chama muita atenção também são as orelhas dos livros, aqueles textos curtos que querem antecipar o conteúdo mas que, pelo menos para mim, acabam sendo inúteis, e que mesmo assim são repetidos ad-nauseum por aqueles que nunca vão ler o livro realmente, ou só querem fingir conhecimento a respeito dele. Assim na contracapa desse está escrito: "O mundo febril da "geração perdida" da época posterior à Primeira Guerra Mundial. Uma trama densa, cheia de paixões, conflitos, intrigas, na "era do jazz". A história de Jay Gatsby e sua dramática ânsia de ascensão social. A falta de sentimentos, a violência e o materialismo das metrópoles do leste norte-americano. O desespero de personagens oprimidos pela existência rotineira, buscando a fuga pelo rompimento de velhas convenções sociais e correndo de encontro a um grande vazio"; nessa pequena sinopse olha o tanto de lugares comuns, besteiras repetidas até hoje em dia.

Mas o Grande Gatsby é acima de tudo bem escrito, fotografa um momento único do mundo contemporâneo, que é quando, não só os americanos, mas o mundo todo perdeu a inocência, se viu num labirinto de contradições. O homem era capaz de cometer barbaridades, Deus era algo tão distante quanto inepto, a guerra no sentido mais terrível invadiu os lares, levou jovens, devolveu mutilados, ou dentro de sacos pretos, a Belle Époque havia acabado. É nesse contexto que nasceu esse livro, é os Estados Unidos começando a ser potência, iniciando o ditar moda, o jazz, que é o pano de fundo surge incidentalmente. Os novos ricos são idolatrados, rodeados e difamados. Surgem as vanguardas, pintura, literatura, Paris é o centro do mundo então, e todo esse vazio existencial e loucuras reinantes são decorrentes da descoberta do tanto que o homem era capaz de ser vil e que sonhar com um mundo melhor era uma realidade.

Gatsby é antes de tudo um sonhador (a parábola do sonho americano), acreditou que o amor era possível de ser congelado no tempo, e acionado a qualquer momento. Gatsby parte em busca de realizar seus desejos, preterido por não ter dinheiro, corre atrás de conquistá-lo, para assim ser valorizado pela mulher que ele ama. Essa é a estrutura central do livro, esse pensamento bem caro aos americanos daquela época e que sobrevive hoje, o self-made man. Tudo o mais que é dito sobre o livro são mitos desse que foi considerado o segundo melhor livro em língua inglesa (numa pesquisa da “Modern Library”, perdendo só para Ulisses de Joyce. O Grande Gatsby tem que ser lido simplesmente porque é maravilhoso e genialmente bem escrito, e nos afeta em cheio toda a atmosfera de euforia e vazio, de festa perpétua que ele transmite. Clássicos são assim, surgem e seguem tendo vida própria, independente do que se fala a favor ou contra.


s.o.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Na minha idade, só a velocidade...


A Jovem Guarda acabou, mas viver sobre rodas (duas ou quatro) ainda continua sendo o sonho comum de milhões de jovens. Mesmo que isto não seja mais assunto das músicas atuais, pois elas padecem até da falta de assunto, mas isso não vem ao caso. Caso é que basta andar pelas avenidas das pequenas ou grandes para ver uma garotada ainda cheirando a leite desfilando gloriosa com suas cabeças enfiadas em capacetes ao vento ou com mãos firmes, imponentes sobre volantes. Na maioria das vezes sem a tão sonhada carteira.
Antes de conseguirem o feito sempre acham que quando motorizados serão sócios do mundo. Irão conquistar todas as mulheres, conseguirão os empregos mais rentáveis possíveis. Muitos parecem ver o fato de ter um veículo como último objetivo, o máximo, um status inigualável. Abusando desses sonhos proliferam-se concessionárias. Uma epidemia de consórcios e facilidades que cheiram à guilhotina. No meio deste paraíso infernal, completar dezoito anos e tirar carteira de motorista deixou de ser um direito, para ser uma lei exigida por uma sociedade intrometida Muitos caem, como se estivessem sendo abduzidos pelo canto da sereia.
As mulheres literalmente também entram de carona nessa paranóia. Afinal, são elas toda a inspiração. Porém agora já querem igualmente a frente da pilotagem. Não faltam modelos exclusivamente feito para elas, como a famigerada Bis, ou um Ford Ka, Honda Fiat. Se bem que essa divisão de Luluzinhas e Bolinhas não entra muito em questão, quando o assunto é velocidade. Entretanto o meu resquício de machismo ainda encara com certa estranheza e repúdio lindas mulheres pilotando motocicletas, com exceção da meiga Bis. Já as outras, nas quais em todas é preciso se assentar como num passeio a cavalo, a pose empinada sempre deixa um quê de vulgaridade, uma explícita imagem de conotação sexual. A posição talvez também não seja lá muito confortável para os homens, todavia o que eles querem é serem vulgar. Destarte a truculência do veículo não combina nada, nada, com toda a sublime delicadeza feminina.
Quiçá num espírito de aventura, jovens donzelas sejam boas companheiras de fuga na garupa de uma moto. Talvez esta e seu motoqueiro sejam uma versão atual dos arcaicos cavalos brandos e príncipes dos contos de fada.
t.c.s.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Sítio

Quando falei outro dia que no Brasil nunca tivemos um autor como Twain ou um Stevenson, cometi um erro, na verdade foi um esquecimento, que sem querer me obriga a falar dele individualmente, é o direito de resposta. O Brasil teve sim um grande autor que podia ser lido por adultos e crianças indistintamente, ele era Monteiro Lobato, o estopim do modernismo, ele que abriu caminho para todos os novos, ele que ferinamente destroçou Anita Malfatti e assim foi atacado por todos os lados, ele que era moderno antes de sabermos o que é ser moderno, que falava em petróleo como se fosse um visionário. Ele que juntou estórias na sua grande obra - O Sítio do Pica Pau Amarelo -, que nos deu uma cara mais de brasileiros, e nos fez ficar sentados na cozinha da tia Nastácia ouvindo dona Benta ler seus livros, fazer seus serões. Criou um universo onde boneca falava e mais que isso falava coisas que impressionavam, deu voz para um sabugo de milho, e deu-lhe até título de nobre, o Visconde.

Eu não o comparo com os grandes autores estrangeiros, mesmo para ele a luta é impossível de ser ganha, mas foi ele, não o inglês ou o americano quem falou das nossas coisas, quem nos levou da roça para enfrentar o Minotauro, lutar com Dom Quixote contra moinhos de ventos, caçar onças com Pedrinho, seguir de perto as Reinações de Narizinho. Ele não inscreveu nenhum livro na história da literatura mundial, mas também nenhum brasileiro o fez, nós é que somos abertos para experiências e assim gostamos de gregos e troianos, eles não, são fechados, não entendem nossos sentimentos, o que nos é caro e prazeroso. Esse costureiro de tradições, estudou diversas culturas para mostrar o quanto a nossa é rica, o conto de fadas, as lendas, mitos, as fábulas. Suas estórias eram impregnadas de todas as outras estórias, e mesmo assim ela ficava com a nossa face. Ele que já havia criado o Jeca Tatu, o primeiro herói genuinamente nacional, que hoje vive junto aos nossos grandes heróis literários e mais que isso junto às nossas melhores lembranças, juntando-se a Brás Cubas, Macunaína, Policarpo Quaresma, Macabea, Capitão Rodrigo, Fabiano, Riobaldo...ele merece continuar sendo lido e admirado.

Monteiro Lobato...registrado!


Foto: Monteiro Lobato na redação da Revista do Brasil, início dos anos 20.


s.o.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Mil razões para não ver Beowulf

No sábado fui assistir Beowulf com minha filha; já mando logo um AVISO... é horrível, quem se interessa por informática, com os personagens digitalizados pela mesma técnica do Expresso Polar (que eu também odiei), vale a pena. A história do filme conta-se em dois dedos de prosa: Hrothgar rei da Dinamarca paga uma promessa aos seus homens e constrói um salão de festas, o barulho, a quilômetros de distância incomoda o vizinho Glendel (que, pasmem, têm os tímpanos gigantescos), Glendel é um monstro horrendo, mistura de alguma múmia que sobrou no set de filmagens da trilogia das múmias do Brendan Fraser (lembram-se?), com algum zumbi dos filmes de morto-vivos do Romero, ataca o salão e mata muitos soldados.

O rei fecha o bar e durante muito tempo, que no filme não fica explícito, eles são aterrorizados pelo monstro (o que não é possível, pois sem festa sem barulho = monstro em paz). Beowulf aparece então e diz que vai salvar o reino, e, já de olho na rainha, manda seus homens cantarem bem alto, enquanto ele, nu, dorme um pouco. O barulho dá certo e Glendel aparece e luta violentamente com Beowulf, ainda nu (essa seqüência como quase todo o filme é ridícula), o herói(?) arranca um braço do monstro, que volta para sua toca e morre. A mãe do Glendel (não riam) é a Angelina Jolie, linda, maravilhosa, parecendo uma passista de escola de samba, nua e pintada de prata (ou será de ouro? nem lembro mais), e com um belo rabo (não é a bunda dela e sim um rabo de dragão, mas que nela é só um rabinho fino e colorido, pura fantasia). O rei avisa Beowulf que se não matar a mãe não adianta e lá vai ele, entra na caverna onde ela fica, vê o corpo do Glendel numa pedra e...eis que ela surge pela primeira vez. O filme se passa em 570 d.C., é óbvio que o padrão de mulher bonita e gostosa daquela época deveria ser uma mulher loira, gorda, mas não, surge Angelina, mais linda que sempre, com aquela boca generosa...nunca na vida que uma mulher delicada como aquela poderia ter parido um monstro gigantesco como Glendel, mas segue o filme e ela não só não é morta, como ainda seduz nosso herói, que engravida a dita cuja de novo.

Esqueci de mencionar um copo de ouro em forma de corneta que é o prêmio para Beowulf matar os monstros, ele volta, MENTE, e recebe seu presente (que nada mais é que a maldição), o rei corre e se suicida, se dizendo enfim livre da sua maldição (o rei era o pai do Glendel), nessa altura minha paciência já tinha acabado, mas tínhamos entrado no prédio errado mesmo... Os anos passam, Beolwulf é o novo rei do pedaço, a rainha é sua esposa agora, mas ela, que sabia do casinho extra-conjugal do Hrothgar, sabe que Beowulf também é um mentiroso e passa a odiá-lo. Passado muito tempo o novo filho da mãe do Glendel aparece, é um gigantesco dragão, Angelina deve estar só o pó da goiaba depois de parir tanta besta-fera, e a luta continua, Beowulf, cabelo branco mas forte como um touro, enfrenta e mata o dragão.

O nosso herói politicamente incorreto morre e passa a coroa para o seu melhor amigo e então enquanto o corpo de Beowulf arde na sua pira funerária e o novo rei está ali em frente ao mar olhando aquilo, surge ela novamente, a senhora Brad Pitt, tal qual uma abertura do Fantástico o show da vida e o filme acaba... Esse filme é meu candidato ao framboesa de ouro de pior filme do ano, desse e de muitos outros, ninguém merece, nem a Angelina salva, o que aliás é normal, existem bem poucos filmes dela que valem um ingresso de cinema. E o John Malkovich? esse eu não identifiquei até agora, e o Anthony Hopkins? esquece, deixa para lá.


s.o.

sábado, 1 de dezembro de 2007

No país de Komako

Quando eu vi pela primeira vez o No País das Neves do Yasunari Kawabata, parti de uma crítica que havia lido que colocava o livro no patamar de um clássico da literatura (justo), mas dava uma ênfase inacreditável à seqüência inicial onde Shimamura dentro do trem, olhando através dos reflexos da janela, se apaixona por Yoko, uma linda jovem que cuidava de um doente e nem percebia que era incessantemente observada por alguém. Esse trecho é realmente maravilhoso, quem nunca observou uma pessoa, distraidamente namorando um reflexo, que atire a primeira pedra, eu particularmente adoro reflexos, são sonhos próximos e intocáveis. Mas quando o livro segue não é Yoko quem aparece, na verdade ela é como o Kurtz de Conrad, exageradamente fugidia, Komako, fogo, decisão, uma força infantil e desesperada é o livro, enquanto uma é a imagem distante a outra é presença e ação.

Kawabata narra nada mais que uma fantasia inerente e sempre presente entre homens e mulheres, o jeito como dispomos da nossa vida intimamente. Shimamura é casado em Tóquio, viaja sozinho para uma estação termal (o país das neves) e lá se faz acompanhar por uma gueixa (Komako), essa liberdade é o que buscamos todos, casa-se por convenção, para se constituir uma família, perpetuar o nome, nesse primeiro relacionamento busca-se sempre a estabilidade, isso pode acontecer por uma união perfeita, por aparências bem feitas, por ter alcançado os objetivos. O ser humano tem a necessidade de estar apaixonado para viver bem, não necessariamente por pessoas, mas também situações, objetos, essa é a grande razão do estar andando por aqui uma quantidade inacreditável de pessoas, paixão. Novela das oito, livro do Paulo Coelho, clássicos da literatura, filmes, fazer política, roubar, ficar com diversas pessoas, ser preguiçoso, buliçoso, sistemático, o que dá prazer para as pessoas é algo tão diverso quanto pessoal.

O homem é casado, têm filhos, sua família é o centro do seu mundo, mas ele gosta muito daquela amiga engraçada, e deseja por demais todas as mulheres gostosas que flutuam à sua volta, quer trocar de carro, o computador de último tipo, o futebol a cerveja. A mulher é casada, alcançou seus objetivos de conquista, é mãe, mas tem um prazer indefinível de papear com aquele rapaz da empresa, sente desejo por alguns novos ou quiçá velhos rapazes que a rodeiam, quer muito um vestido maravilhoso, uma viagem para a Europa, um cabelo liso definitivamente, uma pele sempre jovem. Desejos e vaidades e também circunstancialmente um pouco de ódio, que perfeição é coisa de anjo, esses são os ingredientes humanos, invariavelmente já estão misturados ao barro. Uns lidam com isso normalmente outros sublimam simplesmente.

Komako é então objeto de desejo, Yoko é objeto de devoção, o homem deseja e devota, Shimamura fica ali navegando entre universos, ora o sentimos verdadeiramente encantado por Komako, ora sentindo pena dela. Quando se encontra com Yoko a observa e só. Ao mesmo tempo essa estadia, que é fuga ou afastamento da sua realidade, o leva a, de maneira contida, se soltar, desejos, vontades, uma vida diferente. Eu gosto muito de Kawabata, gosto muito de autores que traduzem situações, passam emoções de maneira tão reais. E esse livro é tudo isso, muito mais que a beleza criadora do exato instante que um homem se apaixona por uma mulher, vendo o seu reflexo, e mais que só o seu reflexo a sua atitude perante um doente, Shimamura se apaixona também pela ternura dela diante de um homem alquebrado, essa outra ilusão de homens e mulheres, que quando estivermos próximos de virarmos a página da nossa vida, termos ao nosso lado uma pessoa devotada e fiél à nossa dor, se apaixona também pela juventude que transpira vigor, inteligência, perigo. É um homem que busca estar sempre apaixonado (razão maior de viver), para logo depois sentir saudade de tudo que deixou em casa e para lá voltar (há paixão aqui também). Tudo isso misturado numa imensidão gelada e branca, como achamos que é nossa alma.



s.o.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Twain, Stevenson & cia.


Sempre fiquei intrigado da razão de não termos um autor com a competência de um Mark Twain ou de um Robert Louis Stevenson por aqui. Temos Ana Maria Machado, tivemos aquela seqüência incrível de livros infantis ou para adolescentes que quase todo mundo em algum momento da vida leu, era um tal de droga da obediência para cá e droga não sei do quê para lá e tantos outros que vendiam tanto que impressionavam. Mas nunca tivemos um livro como os do americano ou do inglês, que se até hoje são literatura de primeira qualidade, o mesmo não podemos falar dos nossos. Quando eu li As aventuras de Tom Sawyer eu fiquei hipnotizado, era algo entre belo e onipresente, sempre que posso presenteio parentes ou amigos com esse livro. As aventuras de Huckleberry Finn nos transporta para dentro da guerra civil americana e nós vivenciamos cada momento como se fosse uma aventura nossa. A Ilha do Tesouro é pura diversão e medo, e diversos outros contos dele são mágicos, como esquecer de O Médico e o Monstro? Para os muito interessados pode-se encontrar filmes para esses livros que são boas opções de entretenimento, claro que nunca vai substituir a leitura do livro, mas sim pode dar uma nova dimensão a tudo.

Mas nós não temos um clássico dessa magnitude, nenhum livro escrito para crianças e adolescentes conseguiu transpor a linha entre o bom e o sofrível, eram livros líveis e só. Vendiam muito pois as escolas os adotavam (tal qual as escolas de hoje compram livros com ideologia socialista). O incrível é que o Brasil produz muita literatura infantil e adolescente, nessa área não existe crise, só falta qualidade. Por isso Harry Potter domina as prateleiras, aqui e em todo o lugar, ninguém consegue combater nessa terra tombada pois falta escrever livros que não queiram passar só mensagens, livros que sejam de aventuras e só, quem sabe algo mágico, fantástico e fim. Todos aqui produzem pensando em serem lidos nas escolas, todos querem o melhor lugar nas prateleiras, alguns até conseguem (como a Ruth Rocha que é sempre saborosa de se ler), mas no fim ela tem pedigree, o que falta para quase o resto todo. Falta então aos pais de hoje deixarem o nacionalismo mequetrefe de lado e serem capazes de mergulhar numa aventura rumo ao infinito e além junto com os grandes escritores universais, que conseguiam contar uma aventura, passar uma mensagem sem serem chatos nem panfletários.


Mark Twain
As Aventuras de Tom Sawyer
As Aventuras de Huckleberry Finn
O Príncipe e o Mendigo

Robert Louis Stevenson
A Ilha do Tesouro
O Médico e o Monstro

Ernest Hemingway
O Velho e o Mar

Louise May Alcott
Mulherzinhas

Jack London
Caninos Brancos
O Chamado da Selva



Imagem: gravura Tom & Huck


s.o.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

De olhos bem fechados

Têm dias que sinto um torpor devastador, posso até dormir em pé no vai-e-vém dos ônibus. Abro livros e as palavras embaralham aos meus olhos, viram poemas dadaístas. Os dias passam por mim, nem me fazem cócegas, é como se eu fosse um outro ser, um arcabouço, uma pálida lembrança. Sensações espirituais à Fernando Pessoa me atravessam nesses momentos, vêm e vão, mas não deixam saudades.

Em outros dias estou elétrico, como que movido à guaraná com café, uma excitação por sobre a pele, parede completa de sentimentos reais. O mundo ganha cor, eu vejo tudo com olhos de poeta, febris e infantis. Os carros ganham asas, as carroças são conduzidas por lordes e os cavalos, surrados e fracos, unicórnios. Não gosto desses dias alegres demais, eles enganam meus sentidos, me conduzem ao erro.

A razão disso tudo é que sou humano demais, fui influenciado por muitas coisas, o clamor da Igreja ainda roça minha cabeça, a sarjeta ainda me chama para passar algumas horas com ela. A diversidade do mundo, as diferenças que me cercam, o arco-íris mentiroso que me alegra e desaparece. O pobre bêbado que canta com as mãos em forma de concha. A mendicante que espera cruzar com mil filhos de Maria, e ao fim do dia contabiliza a cachaça ou um pão amanhecido.

A Terra segue sua volta impecável em torno do Sol, as horas seguem desafiando o homem. Mães amamentam, cães cruzam, políticos planejam seus golpes, bandidos negociam cigarros dentro das cadeias, crianças correm, insetos nascem e se consomem, pessoas morrem no trânsito, em trânsito, em transe, no açougue animais pendurados, a vida segue, ou tudo não passa de um sonho de um Deus brincalhão e incerto?



s.o.

sábado, 17 de novembro de 2007

Carentes online...


Quem acompanha diariamente sua caixa de e-mail recebe cansavelmente todos os dias correntes e mais correntes. Orações, declarações de amor e amizade, alertas para as catástrofes mundiais, precauções para supostos vírus, piadas, críticas políticas, relatos de criancinhas terrivelmente adoentadas, poesias baratas, enfim. O que será tudo isso? Futilidade? Pieguice? Não! A internet se tornou um lugar de fracos e oprimidos. Num mundo sem ouvintes para as aflições alheias, a máquina se tornou a única pessoa aberta, disposta a diálogos. Nada mais justo que seja depositado nos PowerPoint’s da vida tudo aquilo que aflige a sentimentalidade dos mais solitários.
Não se trata de pequenez literária. De pessoas desocupadas que vivem a querer infernizar, lotando as caixas de e-mail. Trata-se de pessoas frágeis, imensamente sensíveis que gastam o tempo fabricando slides e/ou enviando-os a torto e direito. Os frios se irritam com tal fato e saem deletando tudo, para eles isto uma atitude sensata e realmente é, mas só porque estes encontram outras áureas dentro da própria internet. Definitivamente a internet não é um lugar para os felizes, é um lugar para os frustrados, para os tristes, para os querem ser ouvidos, para os querem ouvir. Quem exibe sorrisos de orelha a orelha jamais passa horas ininterruptas na frente do computador, talvez estas tenham presenças físicas que lhes compensem as horas estáticas.
Empestam-se os blogs, os diários públicos, as biografias incompletas. Quem taxa as correntes de piegas, talvez faça uma pieguice ainda maior. Na net cada um se defende como pode. Nas salas de bate-papo sonhadores reais encontram esposas e maridos. Os mais desavisados inconseqüentes recebem roubos, estupros e assassinatos. Os mais dramáticos se valem de companhias mais próximas, as do MSN. Neste algumas pessoas depositam um sentimento que simplesmente não existe. Acham que todos estão dispostos ao ouvi-las e realmente deveriam estar. Afinal essa não é também mais uma sala de bate-papo? O medonho status de ocupado já afugenta o pobre caçador de diálogos. “Estou saindo”, “Estou trabalhando”, “Estou indo dormir”, (claro que tudo isso foi traduzido do bom internetês),depois de alguns minutos de conversa, são sempre estas as respostas que se lê daquele que se dizia on-line. Entretanto na maioria das vezes isso é mentira, pessoas ocupadas o último lugar que procuram é o MSN, e se vão até ele é porque têm alguma dor, mas não querem se contaminar com as dores alheias, para fugir desse perigo, checam apenas os e-mails e saem correndo com os dedos apressados no teclado e mouse. Do outro lado alguém com a coluna torta na cadeira e a visão embaçada pela tela.
t.c.s.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Roberto Carlos em detalhes sórdidos...


Nos dias atuais ler um livro proibido é como voltar à Idade Média. É se sentir como alguém que consegue burlar as leis do Index. É assim, com um gostinho de pecado que se manifesta a fluida leitura de uma biografia não autorizada.
Roberto Carlos em detalhes, detalhes na maioria das vezes sórdidos cabe ressaltar. A história do fã de carteirinha que decidiu pesquisar sobre o ídolo conforme consta na orelha do livro, não colou muito bem. Não passa de uma jogada comercial. Muito fácil escrever sobre a maior e mais reclusa celebridade do país, que há mais de quatro décadas arrasta uma legião de fãs. Paulo César de Araújo o tempo todo soube que sua obra venderia milhões e logo, logo seria retirada do mercado. Isto merecidamente, pois ele sabe o quanto apelou.
A narração começa trágica com o próprio autor recordando queixosamente, melancolicamente da vez quando criança não pode assistir ao show do Rei por precariedade financeira. Depois tudo fica tão ingênuo, com relatos idílicos de quando o cantor soltou pela primeira vez a voz numa rádio. Mas não demora muito, o escritor se revela um autêntico carniceiro, descrevendo sanguinariamente o suposto episódio do trem que atropelou Roberto Carlos e lhe arrancou a perna direita, no momento que este tinha apenas seis anos. “Providencialmente, Renato tirou seu paletó de linho branco e com ele deu um garrote na perna ferida do garoto, estancando a hemorragia.” As páginas que tratam do suposto acidente transbordam um sensacionalismo inútil, mais uma jogada de marketing que qualquer outra coisa. E assim a história vai prosseguindo, já nos anos de ouro da Jovem Guarda o momento é propício para falar dos até então obscuros acontecimentos sexuais do cantor e de toda a turma do iê-iê-iê. “Roberto Carlos era terrível! Principalmente antes se casar com Nice, ele era uma fera, um grande comedor. Aliás, ele e Erasmo faziam uma dupla infernal”. Estas são supostamente falas do hoje crente Wanderley Cardoso. Constatações irrelevantes, que por mais que sejam verdades, nada acrescentam à obra ou a vida de qualquer artista. Soam mais como uma tentativa de destruição de imagens intocáveis, consagradas pelo público. É uma tolice querer associar verdadeiros mitos indeléveis a um universo de promiscuidade. É como reduzir John Lenon ou Renato Russo a simples maconheiros. Mais do que isso no livro sobram encheções de lingüiça. O assunto do livro é simplesmente desviado justamente por falta de assunto. Chico Buarque, Caetano Veloso, Beatles, Claudete Soares, Tim Maia entre outros, que poderiam ganhar apenas modestas citações, recebem de presente páginas e mais páginas, há horas que até dá pra se esquecer quem de fato é o biografado. A estética também é terrível, a idéia de escrever em duas colunas foi péssima, sem falar nos capítulos que são desnecessariamente longuíssimos, cansativos, intragáveis na maior parte das vezes.
É obvio que carece também a credibilidade. O autor mesmo confessa já de início não ter tomado nenhum depoimento de Roberto Carlos e, no entanto são inúmeras as declarações do cantor. Não há muitas explicações para isso. “Numa entrevista nos anos 70”, “Num programa de TV” sem dizer qual jornal, qual programa de TV, o livro aparece todo aspado como se tivesse sido ditado ao autor pelo próprio Roberto Carlos.
Entretanto o autor sem limite alcança o ápice da sua falta de decoro, quando esmiúça os bastidores da enfermidade de Maria Rita. “Maria perdera os cabelos e havia emagrecido treze quilos. Além disso, sentia enjôos fortes e enxaquecas”. “Seu sistema neurológico ficou comprometido e a paciente começou a ter convulsões, tremores e espasmos de agitação. Nos raros momentos em que esboçava alguma lucidez reconhecia Roberto Carlos e os médicos, mas dizia coisas desconexas.” As descrições talvez nem seja tão dramáticas, porém para um Rei nada é pior do que alguém tocar no nome de sua rainha adorada. Se não fosse isso, talvez o livro nem tivesse sido proibido, é indubitável que foi isso o que mais chocou Roberto Carlos.
Mas entre mortos e feridos, a obra tem sua importância, pois mesmo com todos os enxertos evasivos, nunca houve um documento tão conciso de um dos artistas mais reservado e mais importante para o país. Pena que as intenções do autor foram muito mais comercias que documentais.

t.c.s.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

A Cavalaria Vermelha

Estou sempre procurando o livro do ano, e sempre encontrando e perdendo, isso é muito bom, essa semana achei mais um candidato, esse um sério candidato, Isaac Babel, escritor cossaco, soldado poeta ou só uma pessoa diferente num lugar estranho para se estar, mas onde definitivamente ele tinha que estar para que chegasse até nós esses relatos. Para mim eles soaram como uma nota agônica numa tarde de primavera chuvosa, uma revelação no véu que cobre meu dia a dia, o livro é A Cavalaria Vermelha ou em traduções mais novas Exército de Cavalaria.

Para que tanto barulho da minha parte? Só fazendo o que gosto muito, alardear aos quatros cantos quando descubro algo novo, ou saborosamente diferente, e esse é o caso, mas também só relembrando o que já falaram ilustres admiradores da obra como Rubem Fonseca, Carpeuax, Schnaiderman e nesse livro que estou lendo, da Civilização Brasileira, o Lionel Trilling, que se não fosse o livro em si o objeto desse texto, eu poderia me perder admirando as suas ótimas notas introdutórias à obra, onde o crítico dá a medida exata do tamanho do autor e nos faz antes de ler, ficar com a impressão de que mais importante é, estar preparado para algo novo e único na literatura mundial.

Mas onde reside a grandiosidade desse livro? No gigantismo do autor, na sua poética singular que dá conta de nos transportar para o olho do furacão das batalhas dos cossacos na Polônia, e o transbordamento da situação limite em que vivia a Rússia do czarismo recém deposto, que lutava para expandir o comunismo ainda em implantação. A violência surge a todo instante, nas mínimas frases, e independente de estar contando uma luta onde ele está de um lado, Babel acaba fazendo um acerto de contas com tudo o que o cercava então.

No primeiro parágrafo do primeiro “conto” ainda somos iludidos por frases simples, contundentes e aparentemente alinhadas com o regime de Lênin, “[...]seguindo a estrada de Brest a Varsóvia, construída por Nicolau I à custa dos ossos dos camponeses.”; “Um de nós caiu e blasfemou em voz alta contra a mãe de Deus.”; “Andavam sem fazer ruído, à maneira de macacos, ou de japoneses numa exibição.” Mas não se engane, a violência quando explode não se controla e ela, como uma bomba atômica, mata indiscriminadamente:

Meu bom senhor – disse a mulher, sacudindo o colchão – os poloneses cortaram-lhe o pescoço. E ele pedindo, implorando: “Matem-me no pátio para que minha filha não me veja morrer”. Mas não o atenderam, e ele morreu neste quarto, pensando em mim. Agora – prosseguiu, em súbita e terrível violência – eu queria saber onde encontrar outro pai igual ao meu!

Violências, acertos de contas, brigas banais, mortes cruéis, traições, desespero da luta, sangue jorrando, brotam em todos os momentos do livro, mas todos surgem emoldurados por imagens poéticas desse míope delicado, que não consegue matar um companheiro que evitaria um sofrimento maior, e mata um ganso friamente para angariar o respeito dos outros soldados. E é o mesmo que numa conversa com o rabino pede:

Gedali – disse eu – hoje é sexta-feira, e já é quase noite. Onde poderemos conseguir biscoitos judeus, um copo de chá judeu, e um pouco desse Deus aposentado num copo de chá?

O que me fez então ficar tão atabalhoadamente e, para variar, com atraso, ao lado desse autor, foi talvez, suas construções sinestésicas, os adjetivos incomuns que surgem em lugares estranhos e inesperados, a capacidade de dramatizar fatos banais, de elevar a simbologia maluca da guerra na cabeça da gente, de ser um fotógrafo dentro da luta que vaga por lugares destruídos, com pessoas ainda amarradas a fé, lutando contra pessoas sem nenhuma, que desnuda o horror a que pode chegar o ser humano na sua escalada por ideologias. São as doenças, a morte de pessoas e animais, animais e pessoas que se misturam indistintamente dentro de uma região devastada por tiros, é tanta dor que quando surge apenas uma enumeração de mortos judeus em um cemitério, aquilo é tocante. É a humanidade tendo que se destruir para se renovar, mas onde guardar a vida que existia antes?

O que ainda dá para pensar é como o socialismo, uma ideologia tão projetada, a talvez, futura salvadora da humanidade na visão de trabalhadores, filósofos, escritores - residia no imaginário das pessoas que viviam àquela época e ainda em algumas cabeças de hoje - se tornou o abismo das liberdades, o regime do culto à personalidade, levou à uma pátria costurada com sangue, mortes, dores, divisões. E lendo o livro conseguimos entender a facilidade como a 'nação soviética' se esfacelou quando Gorbatchev soltou as amarras de aço que prendiam todos sobre a mesma bandeira. Talvez esse seja o grande lance do livro, o autor é um cossaco, mas consegue descobrir ali, que lutar por sonhos alheios, e de maneira violenta, não torna a vida de ninguém melhor.

Neste trecho de Argamak um pouco mais da sua maestria: “Eu vacilava, balançando como um saco, no longo e magro dorso do garanhão. Fiz um verdadeiro estrago no seu espinhaço. Formaram-se nele chagas nas quais as moscas se nutriam, listas de sangue congelado rodeavam-lhe o ventre. E, em virtude das ferraduras defeituosas, Argamak começou a coxear e suas pernas traseiras inchavam nas juntas, atingindo proporções elefantíacas”.


Quadro: Malevitch: Cavalaria Vermelha


s.o.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Sonhos vazios?

Enquanto sonho com vitórias do que me resta dos meus ideais embaralhados, das minhas vontades poucos sonoras, escuto música emprestada sem pagar no meu mp3. Assim é nossa vida hoje. Vivemos um momento único onde os trabalhadores desde a república proclamada lutaram e choraram para alcançar esse objetivo e, quando conseguem, eu pelo menos, não me vejo representado em nada do que é feito. Mas não são assim as lutas? um misto de desejos e conquistas e desilusões que quase nunca vem na mesma ordem? São sim. Então temos instalada a república dos abandonados, o trono dos que sofreram, pilhados, calados, abatidos sistematicamente pelo poder dominante. Eu deveria estar feliz, são meus representantes, eu estava do lado deles até bem pouco tempo, suas lutas eram minhas lutas, o que aconteceu que agora o que eles fazem não me comovem? ou será ódio natural que sentimos a vida inteira dos que estão lá em cima? Esse governo não ajuda os pobres? Não bate nos poderosos com queríamos tanto quando estávamos lado a lado na luta? A TV Globo não era inimiga número 1 de todos que queriam a liberdade? A revista Veja não era oportunista e golpista quando a direita governava? Quem está certo? Vamos caçar agora as concessões das tvs e assim nos vingar? Ou agindo assim estaremos nos comportando como eles quando eram os donos do poder e nos calavam com mentiras concretas? O que fazer quando a verdade é leve como um algodão senil e a mentira é chumbo fétido? Devemos nos calar e ver o caminhar desabalado da ignorância e da ingenuidade pérfida, pois os nossos nunca tiveram vez e agora estão correndo atrás dos prejuízos? Assim nas universidades colhem-se diplomas tão falsos como nota de 25 ou como cana-de-açucar para encher tanques. Os nossos filhos são tratados com ração diária de desinformação e sopa quente, e muita paz, amor, carinho, coração, onde foi parar a razão? Os jovens com a cabeça cheia de vazios não sabem nem quem é Che, quanto mais Lênin, Trotsky, Stálin, Mao, Marx. Descobriu-se que se a escola de direita bania os de esquerda, a de esquerda não pode se orgulhar de seus heróis tanto quanto achavam. Sangue azul, vermelho, branco, negro, todos escorreram nessa luta por poder, uns mais que os outros, uns armados para se manterem, outros para lutarem por ideais trôpegos, como um dia alcançar o poder. Um contraponto rápido, quando os negros alcançaram o poder no Haiti, não tiveram a menor dúvida sobre quem escravizar, e foram os seus. O poder corrompe fala alguém; corrompe almas fracas, diz o outro; o que ninguém fala é que corrompe e só. Estariam errados então os que agora governam, tentando criar políticas afirmativas, tentando salvar a honra dos pobres, depois de anos espezinhados pelos ricos? Não, acho que não. Apenas sinto um ódio surdo por ver que ao alcançarem o poder (coisa que vinham lutando há tanto tempo, que lutamos tanto) eles não tinham projetos. Eles precisaram mudar tanto, daquele candidato irascível, derrotado por uma edição de um debate, que iria romper com o FMI no outro dia, à esse que pegou o legado da inflação controlada, o real na praça e uma nação pronta para crescer. Eles discutiram demais entre si, se mataram entre si, enquanto nós aqui fora achávamos que nossos salvadores tinham todas as melhores idéias, eram éticos, pois o sofrimento dignifica o homem. Não tinham nenhuma boa idéia, apenas um rosto ingênuo e aparentemente a nossa feição de boa praça, e um bolso cheio de jeitinhos, tanto era isso que abraçaram todas as idéias que estavam na praça, o neo-liberalismo e toda estrutura viciada dos anteriores, e agregaram a isso o abraço fraterno ao pobre (só isso basta?), de resto fizeram as mesmas associações nefastas com os abutres que rondam carniças, que haviam nos batidos com o chicote tão fortemente antes, e na hora da foto, lá estavam eles todos juntos. Então chegamos aonde estamos, a apatia em forma de ONGs de bolso cheios, os políticos tão corruptos quanto antes, a mentira travestida que faz seu trottoir ainda por aqui, a vergonha em forma de silêncios medrosos e uma luta de classe que opõe o pobre e o rico, o pobre podendo tudo, pois para tudo existe uma explicação lógica nos anos de sofrimentos. Os ricos tendo que se calar para não serem agredidos pelos anos em que esbanjaram e viveram á custa dos pobres. Sejam bem vindos à República dos Homens Bons, República das Almas Boas, República Multicultural do Brasil, República dos Ingênuos Poderosos...Qual a razão de tudo isso ser tão parecido com a Revolução Comunista Soviética? onde os cossacos saíram matando, roubando, quebrando, estuprando tudo em nome do estado e de se vingar dos que detinham o poder antes? mas pergunto, resolveu? ou foram muitas almas abatidas em vão pela ignorância oficial? E antes, bem antes do dia, eles necessitam pensar no futuro deles, para tudo não acabar numa quarta-feira de cinzas.



s.o.

domingo, 21 de outubro de 2007

Olgas


Durante toda a vida sempre fui acometido por uma terrível aversão a celulares, tempos desses atirei ao chão o único que tive, já nos momentos finais de sua vida. Poucas vezes tomei decisão tão sensata. Tratava-se de um aparelho Siemens. Recém findada a leitura de Olga, nos últimos capítulos descobri que esta empresa é mais uma construída à custa da falta de escrúpulos de mais uns dos infinitos calhordas que rodeiam este país e toda a humanidade. Muito simples instalar uma indústria dentro de um campo de concentração nazista e fazer com que a mão-de-obra escrava de mulheres sem nenhum direito à escolha produza incansavelmente com o intuito de suprir todas as carências do poder bélico de Hitler.

Era isso que a Siemens fazia, não só ela. Mercedes Bens, BMW, Volkswagen e tantos outros impérios, se alicerçaram nesse crime horrendo para garantir todo o sucesso empresarial. Hitler não era obcecado apenas pela morte, ganhar dinheiro também fazia parte dos seus planos é obvio, senão não havia sentido algum. Antes de fazer jorrar o sangue de suas vítimas, ou roubar-lhes o ar com gases venenosos, elas precisam dar lucros, muitos lucros. Hitler recebia uma quantia considerável de empresas com interesses escusos, e em troca mulheres eram cedidas para trabalharem até morrer. Esse é só um dos fatos medonhos, relatados por Fernando Morais em seu magnífico livro.

Outras atrocidades, também são capazes de fazer qualquer brasileiro se sentir um verme. Getúlio Vargas não passa de um protótipo de Hitler, dando aval para as mais atrozes torturas. Filinto Müller hoje ostenta nome de ruas, numa certa capital dá nome a avenida onde está localizado o Centro de Controle de Zoonozes da cidade e na frente a Polícia Federal, quando no passado oculto do Brasil, era um pau-mandado de Getúlio, como capitão de polícia, massacrava homens e mulheres para que contassem todos os segredos que pudessem comprometer os interesses de um Estado autoritário.

Trabalhar para os pobres sempre foi um bom negócio, a figura de Vargas é sempre associada a do homem que criou a carteira de trabalho, o décimo terceiro, as férias. Bem se vê que até hoje a política pão e circo continua dando bons frutos. Mas por que será que ninguém comenta que o pai-dos-pobres deu ordem para mandar para a Alemanha de Hitler uma judia grávida? Certamente se ele não tivesse se suicidado, muita gente gostaria de ter feito o serviço.

Olga Benario Prestes nunca uma brasileira foi tão brasileira quanto essa estrangeira. Ao lado de Luis Carlos Prestes abraçou todas as causas nacionais, toda a utopia de um comunismo que continuou a ter seus ideais defendidos futuramente pelas esquerdas da vida. Agora já não, o medo já venceu a esperança faz tempo, até seu cavalheiro morreu.

É sempre infeliz querer comparar filme e livro. O recomendável é desfrutar o há de melhor em ambos. Para os milhões que já viram Olga nas telas e telinhas, se forem ler o livro agora é simplesmente impossível não imaginar nossa heroína na pele da inigualável interpretação de Camila Morgado, o mesmo vale para o Caco Ciocler, Fernanda Montenegro, Luís Melo e todos os outros grandes atores que fazem história pular das páginas do livro.

Porém é hipócrita negar que versão cinematográfica com ar holywoodiano não passa de uma síntese da história, muito bem construída sim. Mas certo temor sempre soa, é sempre um pecado omitir lances tão nefrálgicos. As caminhadas a pé que Prestes fez pelo Brasil, à procura de enxergar todas as mazelas do país, não estão presentes. E por que será que a Globo Filmes teve receios em atacar as empresonas que um dia tiveram o pé no Nazismo? Como já disse, estas comparações são sempre infelizes.

t.c.s.

domingo, 14 de outubro de 2007

Salve a juventude transviada

“A culpa é do governo que não faz nada”. Há muito tempo essa frase vem sendo repetida, uma cômoda maneira de se eximir da culpa, de justificar de toda a passividade arraigada em anos de nada. O tempo vai passando numa época estática, onde tudo é permitido, mas todos se proíbem.

Uma juventude sem ídolos, sem quem lhes inspire, resta malemal um Che Guevara estampado na camiseta, cuja revolução se baseia só nisso. No debate de idéias, no contraste de mentes, restam shows evangélicos e bailes funk lotados, ambos se julgam os mais corretos do mundo, rindo do universo alheio. A ética, lutar pelos direitos, tudo se tornou num papo careta. Há muito alguém descobriu que dar a liberdade é a melhor forma de escravizar.

Os adolescentes de primeiro emprego desfilam pelos ônibus lotados com MP3 no ouvido, celular no bolso e nada dentro da cabeça. Conseguiram a liberdade financeira, já ganham o suficiente pra pagar a meia-entrada de mais um show sertanejo e pagar o crediário da Renner aberto no nome de alguém. Um dia descobrirão que precisariam ter estudado.

Vemos a geração do conforto que se refestela nas salas do Cine Mark e se entope nas besteiras do Mc Donnalts, que só sobe na vida quando anda de escada rolante.

O que nos alivia é que ainda somos um país de escritores e leitores, onde prostitutas e bispos lançam livros.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

História: idade não é documento


Com cinco anos sou adulta

e com nove sou uma cantora com uma bicicleta a voar

e com onze sou professora

com treze sou escritora

com quinze anos sou atriz

não entendo como posso ser tantas coisas ao mesmo tempo.

m.k 8 anos.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Preguiça

Todos temos o direito à preguiça, apenas colocaram na nossa cabeça que não. Na união dos improváveis, sobrou para nós, o povo. Se trabalhássemos três horas por dia daríamos conta do nosso experdiente inteiro, é só pensar bem. Fazemos pausas para cafés, lanches, refeições, conversamos sobre o resultado do futebol, alguns analisam as novelas, outros a política, perdemos um tempo lendo repassando e deletando e-mails, alguns já se linkam na rede e ficam mandando mensagens daqui para lá, tire tudo isso, faça só o seu serviço de um fôlego e pronto você entraria às oito e às onze já estaria a caminho de casa, mais do que isso, estaria apto para se dedicar ao que viemos fazer nesse mundo, curtir.

Alguns se realizam fazendo doações, erguendo bandeiras, outros lendo livros, engrandecendo o espírito, uns iriam caminhar, correr, cuidar do corpo, zelar do espírito, se refestelar em festas, reuniões, tudo dentro da premissa do seja feliz, seja você. Casais seriam mais casais, filhos teriam pais, mães poderiam se dedicar ao confronto saudável da máquina e do espelho, do cuidado doce da família e da lei da gravidade que derruba o ego, iríamos nos dedicar ao que nos satisfizesse. Mas isso não é possível mais, o modelo econômico seja ele socialista ou capitalista prega o trabalho em primeiro lugar, um em benefício de todos o outro em que todos são para si e para os seus a salvação. A Igreja entrou com sua parcela de culpa e disse "o trabalho dignifica o homem", fingiram não entender o Sermão da Montanha onde Jesus dizia "Contemplai o crescimento dos lírios dos campos, eles não trabalham nem fiam e, todavia, digo-vos, Salomão, em toda a sua glória não se vestiu com maior brilho". Na Grécia antiga o homem se dedicava aos esportes, o corpo são em mente sã, siginificava tempo para cuidar de si, zelar o estado, aprender a crescer, viver, hoje nem filósofos existem mais.

Hoje ninguém mais fala nisso, mas muitos o fazem sorridentemente, quantos dias por semana trabalham os deputados e senadores?, sobra até tempo para se dedicarem ao que mais gostam, pena terem apetites tão mesquinhos. Milhões lutam para passarem em concursos onde vão trabalhar quatro horas, ganhar bem e assim alcançarem a glória que deveria ser de todos. O trabalho estupidifica o homem, isso é um fato, e os sindicatos nada mais são do que o braço desarmado do patrão, lutam por quireras, alardeam quimeras, e glorificam o fato "o pão nosso de cada dia nos dai hoje" como uma honra e não uma esmola, enquanto abandonam a essência. Deixamos de crescer e chegamos exaustos aos bancos escolares, para fingirmos aprender o que exaustos professores fingem ensinar. Que Paul Lafargue nos socorra.


Imagem: Delacroix, Odalisca reclinada em um divã


s.o.

sábado, 22 de setembro de 2007

Fingidores


“O poeta é um fingidor”. Todos nós somos fingidores, Fernando Pessoa. Todos nós vivemos procurando subterfúgios para fugir das mazelas. Ocultar nossas dores, ocultar dores alheias, como se não fossemos responsáveis também por elas. Forjamos indiferença, enquanto damos açoite na consciência. Forjamos compaixão enquanto quase não agüentamos de tanto arrependimento.

Vivemos da mentira. Seja a felicidade em altíssimo grau ou num mau humor constante como se o inferno realmente funcionasse em tempo integral. Cada um escolhe a fantasia que lhe convém. Há quem devore páginas sagradas e acha que já está salvo, e alguém muito poderoso vai chegar a qualquer momento, fazer uma seleção na qual com certeza ele já está inserido. Há quem é capaz de descrer até que está vivo, sai pela vida apedrejando profecias, julgando-se assim também dono da verdade, quando no fundo ninguém sabe de nada.

É só olhar o olhar cansado dos pedreiros que se equilibram em andaimes; o suor no rosto, a prosa constante, a autoconfiança de ser um eterno garanhão a cada psiu para cada menina que passa na rua. No fim o baile funk e a biblioteca parecem querer ter a mesma função, te tirar da realidade por horas a fio, dar a sensação de que o mundo é seu e depois te regurgitar para a crueldade onde um sempre acha que é melhor que outro e um procura sempre convencer o outro disso. É sempre a mesma farsa, que já começa antes dos passos; o choro calado no peito da mãe, é a velha incompetência de decifrar lamúrias, depois vêm carrinhos, bonecas, patinetes, bicicletas, internet, faculdade, máquinas programadas para mentir.

Há sempre um jeito de escapulir do terrível. A mãe até hoje não deixa filho lavar suas roupas e nem fazer muitos serviços domésticos, esse é seu mundo de fuga, ela escolheu, não se pode invadi-lo. Cortadores-de-cana morrem de trabalhar porque não querem trabalhar. Admitir a tristeza, a desgraça, é uma maneira de fugir delas, rir delas.

Pudera acreditar que uma nave fosse me abduzir, tomar tereré com alienígenas, querubins no bordel. Versos sangrentos sempre se estancam ao primeiro som, ninguém tem curativo, tem anedotas de gafanhotos.

O fim devora os papéis da parede. A dengue, o velho barrigudo, a luz de avenida, o que resta? Resta 1. Anulações no barulhinho, fila também para mentira. Quemfoiquem é mais importante. O enigma gracioso silábico, momentâneo, labial, constante. Exorcizar o verso. Palmas para o vazio. Chegarei com toda a certeza, com muita batalha, até o fim da rua. Um riso frouxo, noturno, sabadal. Leve o burrinho pra beber sal, só assim ele mata sede, não deixe os bezerrinhos com fome, espere o sol brotar, brota da terra, é ilusão, mas que se dane, iluda-se! Você só tem tudo a perder, mas perca tentando perder, assim você se sentirá vitorioso quando receber a medalha de honra a derrota.

Deixe as plantas com sede, extermine os cachorros, só assim poderemos espantar os mosquitos. Mas preserve as sanguessugas, elas sevem para tratamento medicinal, isso é comprovado cientificamente.

Lembra do primeiro discurso do primeiro homem a falar no primeiro microfone? Eu também não, eu estava surdo nesse dia.

Ok.

t.c.s.

domingo, 16 de setembro de 2007

"Qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência"

As maiores novidades estão sempre no passado. Quando se fala em músicas, livros, filmes, enfim do arte já antiga; a juventude torce a cara e diz que tudo isso faz parte do "tempo do epa". Bom mesmo era quando vivíamos o "o tempo do epa", hoje vivemos o tempo do eca, o tempo de uma população subordinada à mídia, consome indiscriminadamente tudo o que ela oferece. Para manter alguma resistência cultural, temos que beber lá atrás. Exemplo disso é Chibo Buarque e Rui Guerra que em 1973 compuseram uma música que parece ter sido feita hoje:

Boi voador não pode

Quem foi, quem foi
Que falou no boi voador
Manda prender esse boi
Seja esse boi o que for

O boi ainda dá bode
Qual é a do boi que revoa
Boi realmente não pode
Voar à toa

É fora, é fora, é fora
É fora da lei, é fora do ar
É fora, é fora, é fora
Segura esse boi
Proibido voar

t.c.s

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Novidade antiga

O país amanhece atarantado. “renan calheiros foi inocentado, mas como?” O que há de novidade nisso? Este não é o primeiro e nem o último corrupto a ser inocentado nesse país. lalau, georgina de freitas, césar maia, maluf, genoíno, dirceu, o que aconteceu com esse e tantos outros que enfadam nossa memória? Muitos deles já estão no poder de novo, o mesmo que vai acontecer com renan que nessa hora deve estar saboreando uma bela pizza e rindo da nossa cara. Tudo isso só ressalta o que já sabemos, está cada vez mais difícil encontrar os “bons políticos”, ” a gente séria que tá trabalhando lá dentro”. Que gente séria é essa que se esconde a sete chaves na hora de mostrar seu voto?

Na verdade os políticos nunca agiram de forma tão sincera. Inocentaram o cara logo de cara. Afinal já está todo mundo cansado daquele orgasmo forjado de levar o cara preso, passa lá uma ou duas no maior luxo e, depois sai de férias que nem foi tempos atrás com um certo juiz. O negócio é relaxar e gozar...

Toda essa onda de indignação pública é balela, parece crítica a final de novela. Daqui a pouco outra começa com novos personagens e o enredo vai continuar os mesmo. Eu estou achando tudo isso muito bom.

É tempo de jornalista sensacionalista ganhar dinheiro. É tempo de expressar comentários inteligentes na mesa de bar, qualquer idiota se acha no direito de dar a sua opinião, todos se tornam sociólogos, todos se julgam capazes de apontar soluções para a crise política do país. “Tem que matar!”, “Tem que prender!”, “ Por isso que esse país não vai pra frente!”, “É dinheiro nosso que tá lá, dos nossos impostos!”. Um patriotismo tão lindo que acaba quando todos se dão que têm coisas mais importantes pra fazer, descobrir quem matou taís por exemplo.

t.c.s.

sábado, 8 de setembro de 2007

Maus dias...

Bom dia, boa tarde, boa noite, tudo isso nos dias de hoje tornou-se sinal de mau agouro. O telefone toca estridente, repetidas vezes, estranhamente num momento em que ninguém em casa espera telefonemas. Noticia ruim? É, não deixa de ser. A contragosto alguém atende insuportável linha, do outro lado ouve-se nitidamente uma voz educada, quase melosa, para os mais sensíveis é impossível dizer não; agir com grosseria. Para os mais ríspidos é impossível dizer sim; manter a paciência, o máximo que se pode fazer é controlar a incontrolável vontade de socar o telefone no gancho.

Assim tem sido a rotina no sacrossanto lar de milhões de brasileiros. Inúmeras importunantes ligações durante todo o dia. Telefonistas com textos decorados na ponta da língua, a performance começa com o já falado bom dia, boa tarde ou boa noite, a denúncia já está feita, se trata de um atendente de tele marketing. (estrangeirismo muito bem aceito por aqui, usado para designar a nova classe profissional e uma das mais abrangentes chateações nacionais) Um amigo ou parente que se preze não usufrui de tanta formalidade em suas saudações, atacam logo um ‘Eae, belê? Como que cê tá?”, “Fala mano! Firmeza?” e por aí vai, portanto a entrega do conteúdo que vai se travar nos minutos seguintes, já pode ser previsto logo em suas primeiras palavras. Bom dia, boa tarde ou boa noite, deduz-se que só pode ser das três uma: atendente de tele marketing querendo cobrar, vender ou pedir. Verdadeiros hackers do mundo telefônico, saem à caça de todos os números possíveis, todos os clientes possíveis, impossível se livrar deles.


Passa a existir um verdadeiro festival de mentiras. O dono da casa transforma-se no jardineiro. A criança saltitante recomendada pela mãe, corre para a linha, para todos os efeitos só a pequenina está em casa. Para as cobranças são estabelecidas datas de pagamento que nunca serão compridas. As vendas poucas vezes são interessantes, consórcio de carro é oferecido para quem não tem nem o que comer, cartões de crédito para quem adora brincar de bola de neve. Nas doações para instituições de caridade (pelo menos é essa a promessa) bons corações se rendem ao discurso e, alguns outros que não se rendem, passam a sentir culpados por instantes. Os mais sarcásticos dizem não poder ajudar no momento, mas que podem ligar em outra ocasião. Mentira! Estes não vão ajudar nunca.

Mas quando a situação se inverte, o discurso se inverte. Quando quem está em casa resolve procurar os atendentes de outrora, o cenário se transforma. A voz acolhedora se torna áspera, oferece como ouvinte uma sucessão de músicas irritantes, conversas com gravações. “Aperte 1, aperte 2”. Até hoje nenhuma empresa disponibilizou a opção: “para mandar os nossos atendes tomarem no... aperte tal número”. Com tanto descaso, quem está em casa passa a ser também técnico do aparelho que está com defeito. Computador que não funciona, impressora que não imprime, celular que não recebe crédito mesmo depois do numerozinho do cartão já ter sido digitado, a resolução dessas e tantas outras pendências ficam indubitavelmente a cargo do sujeito que está prestes a sofrer uma LER nas orelhas, de tanto ouvir musiquinha e conversa fiada regada quase sempre com muito gerundismo, que no fim vai deixando claro que não vão estar resolvendo nada.

Contrapartida, não dá para gritar que se acabe com o tele marketing. Ele garante o ganha-pão de uma infinidade de pessoas, mesmo quando estas não estão nenhum pouco satisfeitas no emprego que lhe dá todos os direitos. Direito à LER, direito ao estresse, direito à visão deficiente, direito a não ter mais muitas noites e finais de semana livres, já que têm a missão de incomodar a população a qualquer hora do dia ou da noite. Uma gama de escolas de cursinhos prometem preparar uma porção de jovens para uma das funções que mais emprega no atual Mercado.

O jeito talvez seja pensar duas vezes antes de dar o número de telefone num preenchimento de cadastro, ou reservar um só para esse fim.

Bom, acho que já é o suficiente, vou parar por aqui. Já passa das duas da manhã e o meu telefone está tocando. O que será que é hein?



- Alô

- Boa noite

- Boa noite.



t.c.s.

Tempo...


Pensamos que temos todo o tempo do mundo, Renato Russo achava que sim, "temos todo o tempo do mundo", na verdade mal contamos o nosso tempo, miúdo, mínimo. Se estamos esperando algo, o tempo não passa, quando temos um compromisso prazeroso, ele escoa. Precisando fazer fisioterapia com aquele gelo durante 20 minutos, ele é estático, mas quando temos hora marcada, nada pára os ponteiros. Talvez sejamos regidos por uma lei como a de Murphy, quem sabe seja só que somos bem impressionáveis e quando perdemos algo por falta de tempo nos queixamos da falta de. Mas quando demora para chegar o que nossa ansiedade quase não controla, reclamamos dele também.

Em um feriado, cheio de coisas por fazer, o tempo é inimigo, se, ao contrário, a modorra te invade, já no sábado esse prolongamento dos dias vai te dar raiva. Modos de ver, de sentir, que no fim, no fim verdadeiro, ali com você dentro do caixão baixando à sua cova rasa, não vão fazer a menor diferença. Corre-se muito, aproveita-se pouco ou faz-se pouco, esbalda-se um tanto. O caminho do meio é o melhor, diria o Dalai Lama, para o Schumacher não fazia o menor sentido marcar passo, para a tartaruga, a impresão que passa, é que ela deve achar que sempre vai ganhar da lebre, para o homem comum depende do tamanho do fogo que lhe queima as necessidades.

Uma rede é um bom símbolo para o baiano, a praia é o motivo da alegria do carioca, o chimarrão queimando a garganta tomado numa roda sem pressa de gaúchos é a própria expressão de sua vitória contra o tempo. No trânsito alguns correm, outros enrolam a falta de perícia, muitos ficam pelo caminho nessa briga de opostos. Uma criança quase não pára, é a hiperatividade, um velho se arrasta, já correu o seu tanto. No hospital todos têm pressa, para serem atendidos, comerem a comida horrível, voltarem para casa. Quem necessita de sangue tem urgência, aquele que não doa por medo de 'engrossar o sangue', não tem pressa de ser solidário nem de repetir clichês absorvidos na inutilidade da sua vida.

Quantos paradoxos na luta contra o tempo, se conseguimos, por instantes parar (a gente, não o tempo), nos sentimos na Matrix, pessoas sem alma, correndo atrás do que não perderam, lutando pelo pão de cada dia que já não dão mais hoje e sim só pode ser arrancado com sangue, suor e lágrimas. Corre-se, corre-se, pouco se aproveita, e acreditamos na felicidade como uma cota diária. Hoje eu nem lembro se já sorri, nem para quantos dei bom dia, nem se olhei nos olhos de alguém, ontem não lembro se almocei, amanhã vem vindo para me abraçar e como diz Calvino no seu Cavaleiro Inexistente, “De narradora no passado, aqui está, ó futuro, saltei na sela de seu cavalo. Quais estandartes novos você me traz dos mastros das torres de cidades ainda não fundadas? Quais fumaças de devastações dos castelos e dos jardins que amava? Quais imprevistas idades de ouro prepara, você, malgovernado, você, precursor de tesouros que custam muito caro, meu reino a ser conquistado, futuro...”

s.o.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Educação para adultos...

"Sentado à minha secretária, que havia sido empurrada para um canto e estava atravancada de frascos de remédio, Joe entregava-se conscienciosamente a seu trabalho. Começou por escolher uma pena no estojo de penas, que manejou como se fosse uma caixa de ferramentas pesadas. Depois arregaçou as mangas como se pretendesse trabalhar com uma alavanca ou malho. Antes de principiar a carta, pôs-se em posição, isto é, apoiou-se fi isto é, apoiou-se fiotovelo esquerdo e levou a perna direita para trás. Começou a escrever alongando tanto e tão lentamente as pernas das letras, que se poderia pensar que lhes dava o comprimento de seis pés. Ao fazer os traços finos e ascendentes, a pena arranhava horrivelmente o papel. Joe não fazia a menor idéia do lugar onde se achava o tinteiro e molhava a pena no espaço, parecendo muito satisfeito do resultado. Meu velho amigo cometeu alguns erros de ortografia, mas em suma, saiu-se muito bem. Depois que apôs sua assinatura à carta e limpou nos cabelos um borrão caído na parte inferior do papel, pairou de certo modo sobre a mesa para contemplar de pontos de vista diferentes sua obra. E contemplou-a com satisfação imensa." - Grandes Esperanças, Dickens.


Para o homem deixar de ser analfabeto é uma glória, muitos ainda o são, e muitos conseguem deixar de ser, mas e depois que os alunos conseguem ordenar as letras numa fila indiana de significados, quem toma conta dos novos leitores? Textos, jornais, propagandas, e-mails, santinhos com nome e número de candidatos, tanto para se ler. Tenho minhas dúvidas quanto aos aprendizes, quantas pessoas que aprendem a ler no tempo certo, seguindo o curso natural das coisas, e passam a vida sem nunca conseguir decifrar um Machado de Assis, um Graciliano Ramos um Guimarães Rosa. E esses novos leitores são contabilizados e abandonados nas suas secções eleitorais e ponto final.


s.o.

domingo, 2 de setembro de 2007

Eros, última vez.

Sempre que se fala em Eros, em erótico, as mentes fervilham pensando em sacanagem, em sexo, ou na imagem clichê do Cupido, um menininho sem camisa, cachinhos dourados, só de fraldinha atirando flecha à torta e direita. Tudo bem, ambos os assuntos, o Cupido e o sexo não deixam estar relacionados. É só analisar bem suas flechinhas e reparar que elas não passam de símbolos fálicos, porém Eros não é só isso.

Por incrível que pareça as idéias de erótico, de sacanagem não tem nada, pelo contrário, seus conceitos chegam a ser carolas, antiquados e os adeptos de constantes atividades sexuais, não estarão nenhum pouco interessados em ouvi-los.

Primeiro que se confunde erótico com pornografia. A grosso modo pode-se simplesmente dizer que a pornografia, cuja palavra remonta origens que acaba tendo conotação com prostituta, nos traz o significante de que pornografia se trata de intuitos meramente comerciais, a venda de imagens usufruindo todos os limites do corpo, todas as extravagâncias sexuais, sem nenhum interesse belo é claro, exaltando apenas a vontade de se propagar a luxúria, transformando o sexo em algo vulgar, um prazer que é bom, mas é proibido. Eros nada mais é de que o amor sensual, o desejo de vida onde inclui o sexo apenas como parte do amor, assim o sexo não é meio de prazer individual, é um prazer mútuo, onde os seus praticantes devem se respeitar, não podem se tornar meros objetos da luxúria.

Logo Eros não se restringe unicamente ao sexo e sim a todo imenso desejo de vida, suas primeira intenções podem não ser de todas ruins, aí que entra Tanatos, que é o desejo de morte, de destruição e, surge como uma quase conseqüência de Eros, uma vez que para se realizar um forte desejo, temos que cometer certas mortes. Para você estar aqui lendo esse texto você está cometendo certas mortes, você poderia estar lendo seus e-mails, vendo seus recados no orkut, ver as últimas noticias, ou qualquer outra coisa, ou seja, você cometeu Eros e Tanatos. Lógico que esse meu exemplo é por demais simples. Mas quando se trata de um desejo maior, como a conquista do poder, tomar todas as fortunas de um determinado país, esse é o meu Eros. Entretanto para conseguir isso, quantas guerras não vou ter que causar? Quantas mortes? Tudo isso é Tanatos.

Por isso muitas vezes faz-se a conexão Eros x Sexo. A imensa vontade do prazer advindo do sexo, ocasiona indubitavelmente Tanatos. O prazer é só meu, ela que se dane! Nada de ligar no dia seguinte. Não há então a valorização humana, o parceiro ou a parceira é só um objeto propulsor do prazer, nada mais.

Tudo isso acaba sendo um papo muito careta para os dias de hoje. Principalmente nessa nossa sociedade ocidental, onde há uma explícita lascívia, ao contrario da oriental, onde praticamente não se toca no assunto e suas mulheres muitas vezes estão cobertas da cabeça aos pés. Formatos tão arcaicos de relação talvez não possam ser comportados em mundos tão turbulentos, tão masculinizados, há pais que ainda levam os filhos para estrear em bordel.

Impossível inverter destinos tão certos.



Imagem: "Jovem defendendo-se de Eros" (1880) - William-Adolphe Bouguereau (1825-1905).



t.c.s.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Adeus, mas não trema nunca mais.

Aqui estou, mas não se importe com as minhas já inconseqüentes lamúrias.

Elas não serão mais freqüentes.

E quem sou eu para me queixar de mais essa eqüidade brasileira?

Essa nossa farta inteligência eqüina?

É só mais um seqüestro de saber feito pelos homens do poder.

São seqüências de desatinos que assistimos calados.

De nada vale as palavras sobre as quais já estive, feito sagüi sobre as árvores.

As opiniões se dividem, não são eqüiláteras, eqüitativas.

Nem me proponho a causar tais ambigüidades.

Deixe que sobreponha-se o nosso lado multilíngüe.

Assisto com certa tranqüilidade meu fim.

Deixo aflorar a minha obliqüidade.

Embora saiba que logo, logo vai me surgir um alcagüete.

Sei que meu fim também não destruirá a minha ubiqüidade.

Perdoe essa minha provável grandiloqüência.

Por cinqüenta mil vezes tentei deixar de ser assim.

Só porque sempre tentei fazer um enxágüe nas intenções.

Dar um ar de pureza, menos malícia quando se pronunciava, por exemplo, lingüiça.

Lá eu estava, fazendo algo inexeqüível.

Dando um ar puritano como dois olhos infantis, ingênuos, mesmo assim argüidores.

Deixemos de redargüir, já é tarde.

Deixemos de lado discussões gramaticais ou lingüísticas.

Meu desejo de viver corre ainda em vitalidade sangüínea

Porém já faço parte da antigüidade.

Meu desejo escorre feito liqüido pela legislação.

Destarte tenho forças para agüentar tudo calado.

Apazigüemos.

t.c.s