quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O Mito de Perseu e a Educação


Perseu, o lendário fundador de Micenas, nunca teria nascido se seu avô tivesse conseguido seu intento. Acrísio, rei de Argos, era pai de uma linda filha, Dânae, mas estava desapontado por não ter um filho. Quando consultou o oráculo sobre a ausência de um herdeiro homem, recebeu a informação que não geraria um filho, mas com o passar do tempo teria um neto, cujo destino era matar o avô. Acrísio tomou medidas extremas para fugir deste destino. Trancou Dânae no topo de uma torre de bronze, e lá permaneceu numa total reclusão até o dia em que foi visitada por Zeus na forma de uma chuva de ouro; assim deu à luz a Perseu. Acrísio ficou furioso, mas ainda achava que seu destino poderia ser evitado. Fez seu carpinteiro construir uma grande arca, dentro da qual Dânae foi forçada a entrar com seu bebê, sendo levados para o mar. Entretanto, conseguiram sobreviver às ondas, e após uma cansativa jornada a arca foi jogada nas praias de Sérifo, uma das ilhas das Ciclades. Dânae e Perseu foram encontrados e cuidados por um honesto pescador, Dictis, irmão do menos escrupuloso rei de Sérifo, Polidectes.

Com o passar do tempo, Polidectes apaixonou-se por Dânae, mas enquanto crescia Perseu protegeu ciumentamente sua mãe dos indesejados avanços do rei. Um dia, durante um banquete, Polidectes perguntou a seus convidados que presente cada um estava preparado a oferecer-lhe. Todos os outros prometeram cavalos, mas Perseu que nada levou, ofereceu-se a trazer a cabeça da górgone. Quando Polidectes o fez cumprir sua palavra, Perseu foi forçado a honrar sua oferta. As górgones eram em número de três, monstruosas criaturas aladas com cabelos de serpentes; duas eram imortais mas a terceira, Medusa, era mortal e assim potencialmente vulnerável; a dificuldade era que qualquer um que a olhasse se transformaria em pedra. Felizmente, Hermes veio em sua ajuda, e mostrou a Perseu o caminho das Gréias, três velhas irmãs que compartilhavam um olho e um dente entre si. Instruído por Hermes, Perseu conseguiu se apoderar do olho, enquanto uma passava para a outra, recusando-se a devolvê-los até que as Gréias mostrassem o caminho até as Ninfas, que lhe forneceriam os equipamentos que necessitava para lidar com Medusa. As Ninfas prestimosamente forneceram uma capa de escuridão que permitiria a Perseu pegar a Medusa de surpresa, botas aladas para facilitar sua fuga e uma bolsa especial para colocar a cabeça imediatamente após a ter decepado. Hermes sacou uma faca em forma de foice, e assim Perseu seguiu completamente equipado para encontrar Medusa. Com a ajuda de Atena, que segurou um espelho de bronze no qual podia ver a imagem da górgone, ao invés de olhar diretamente para sua terrível face, conseguiu finalmente matá-la, cortando a sua cabeça. Acomodando a cabeça de modo seguro na sua bolsa, retornou rapidamente a Sérifo, auxiliado por suas botas aladas.

O mito de Perseu é importante para educação pois essa jornada do herói carrega imagens fortes quando traduzidas para o nosso universo, é útil conhecer a importância do medo para a criação, o medo exagerado vira fobia, o medo de menos nos torna presa fácil no nosso dia a dia competitivo, Perseu tem medo da Medusa, esse petrificar é a sensação do que não conseguimos nos libertar, mas ele se orienta no seu caminho em busca da sua vitória pessoal, as Gréias que ele enfrenta são a projeção do arcaico, o medo do desconhecido. A luta contra a Medusa é a luta contra o poder petrificador, a possibilidade de questionar e assim enfrentar os nossos medos. Ás vezes apresentamos para as crianças muito cedo informações que o ego dela não consegue processar, sexo, violência, isso faz com que toda a criatividade que todas elas apresentam enquanto pequenas, em algumas delas, simplesmente parece secar, ás vezes nos perguntamos, para onde foi toda a inteligência daquela criança, na verdade ela simplesmente não conseguiu lidar de maneira efetiva com o excesso de informações ou até com a falta.

Com a morte da Medusa, de dentro dela nasceram Pégasus, o cavalo alado e Crisaor um monstro, esses nascimentos representam o que pode ocorrer com a criança quando bem ou mal trabalhada na infância, se bem, ela se torna Pégasus, dá asas a sua imaginação, tem temperamento tranquilo, é capaz de desenvolver-se de maneira eficiente, se mal, dá luz a monstros, dificuldades em forma de mal desenvolvimento linguístico, emocional, e uma falta de criatividade que causa transtornos vida afora.

Vivemos hoje uma petrificação pela banalização, perdemos a dimensão da tragédia, temos uma insensibilidade diante do medo, existe todo um conservadorismo impregnado na sociedade, não tem como existir uma educação criativa, o mito de Perseu é isso, enfrentar o poder petrificador das serpentes, das forças primordiais que nos cercam, não deixar com que as crianças em estágio pré-operacional tenham interrompido todo o poder criativo que demonstram normalmente, a salvação começa com pequenos gestos em busca de evitarmos uma existência trivial, uma vez que pais limitados ou limitadores são deformadores de filhos, por isso a importância da educação, e da busca sem fim da criatividade.


In: BYINGTON, Carlos & GUERRA, Maria Helena. Palestra: Imaginação e Maldição – Perseu e Medusa. In: Café Filosófico, TV Cultura/São Paulo, 22/04/2007.


s.o.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Tudo é possível

Filmes bons não envelhecem, ainda bem, temos uma imensidão de possíveis alternativas, velhas chances guardadas, algumas já vertidas para o formato DVD, outras ainda no bom e velho VHS e assim podemos num momento ou outro sentar e rever pérolas. Ontem eu me reencontrei com Kielóvski, tenho por ele uma admiração gigantesca, só abalada pela sua ida para o andar superior sem minha autorização. A Igualdade é Branca foi o filme. Esse é o mais fraco da trilogia Trois Couleours, mesmo assim superior a uma grande maioria do que se filme mundo afora ainda hoje em dia. É um filme belíssimo, da trilogia o Vermelho é o meu xodó. É a queda do homem, dá até para entender a frase popular "para baixo todo santo ajuda", é uma longa queda. Concluída numa chegada triunfal do nosso herói na Polônia dentro de uma mala, que ainda consegue ser roubada.

Karol Karol (o homem da mala) tem um problema, eu sou solidário com ele, um ser humano normal deve levar um tempo bem grande para se acostumar com a idéia de ser marido de alguém tão linda, ela que se torna a causadora de todos os males. Ele não consegue ter uma ereção, estamos no período antes da pílula azul, ou seja um fracasso total. Pecado que ele paga numa seqüência inumerável de castigos. Aqui uma pausa, o sexo é um mistério, dentro dos relacionamentos se for ele o mais importante tudo está fadado a ficar capenga, sexo de qualidade não pode faltar, mas também não pode deixar de ter companheirismo, amizade, e se necessário paciência. Se existir amor, um problema como esse pode ser enfrentado junto e até com bom humor. Mas ela, Dominique (Julie Delpy lindíssima como sempre) já havia perdido completamente a paciência.

Voltando ao filme, além da queda, surge o fantasma da depressão, um amigo que quer morrer (Mikolaj), e um homem que quer se vingar (Karol), desse encontro uma das cenas mais belas do cinema, a quase morte, a ressurreição e o mundo todo branco. Nos filmes desse polonês surgem sempre enquadramentos maravilhosos, roteiros elípticos e música de qualidade, aqui tudo isso está presente. O filme se perde um pouco depois na hora da ascensão de Karol que se torna um empresário milionário e que assim pode enfim ter sua vingança concretizada, a Igualdade do nome. Mas ele na verdade nunca teve ódio dela, e sim uma vontade de tê-la de novo ao seu lado. Para recuperar seu amor ele morre mais uma vez para ela, as outras vezes foram quando ele não conseguia nem triscar uma 'pétit mort' junto com ela, uma outra quando se separaram. Kielóvski reconta, de uma maneira diversa, a trajetória do herói mitológico, a queda, a luta, a morte, a redenção, tendo como pano de fundo uma Europa em vias de se tornar essa que hoje conhecemos.



s.o.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Como concluir uma faculdade mesmo sendo um bosta?

1º-Primeiramente escolha o seu curso. Qual deles? Qualquer um. Obviamente que não precisa ser aquele que você sonhou a vida inteira em fazer (Se é que alguma vez você sonhou com isso.). Afinal de contas, você só está atrás de um diploma e isso é a única coisa que a universidade pode fazer por você: vender-te um diploma em longas prestações.

2º-Escolha a universidade. Qual delas? Tanto faz. De preferência a mais barata. Universidade pública nem pensar! Você não tem capacidades para isso. PROUNI fora de cogitação também!

3º-Depois de passar no vestibular, (Não se preocupe com isso, basta assinar seu nome. Isso você saber fazer né?) no primeiro dia de aula observe bem a clientela a seu redor. Você se sentirá realizado. Verá que todos são iguais a você, pensam como você, gostam das mesmas coisas que você. Todos votam no Lula, são fãs do Big Brother e não perdem um show do Vitor e Leo.

4º-Estude. Calma, é só um pouquinho, o suficiente para alcançar o seu setinho de média. (E estudar aqui inclui todas as artimanhas possíveis: cola (Menos xerox reduzida, que essa foi proibida), pagar para alguém fazer seus trabalhos e também não custa nada uma choradinha; pedir prova de consulta, de dupla, de grupo e quem sabe até pedir para anular aquela prova que a sala inteira foi mal.).

5º-Não falte às aulas. Nossa, calma de novo. Não faltar significa apenas respeitar o número de faltas concedido para cada disciplina. (Podendo valer é claro o fato de você ir até o primeiro bar da esquina e voltar só no finalzinho da aula, só para responder chamada.).

6º-Exija seus direitos sempre! Nada de ficar tolerando professor que chega com muitas exigências, rigidez. Use e abuse de baixo-assinados, discussões, reuniões. Afinal de contas você está pagando, pagando para ter moleza.

7º-Soa sempre de bom tom dizer que está lendo alguma coisa, afinal de contas você é um acadêmico! Mas nada de textos muito elaborados. Pode-se valer de um O Caçador De Pipas, O Segredo, Código Da Vincci... Quando muito um O Pequeno Príncipe.

8º-Vá sempre ao cinema, mas nada de freqüentar os de Arte. Escolha sempre filmes mais amenos, mais palatáveis como as continuidades de comédias ruins como Amrican Pie e Todo Mundo Em Pânico. Mas de vez em quando é bom dar uma variada. Que tal um romântico? Um Amor Para Recordar, se sair continuação desse, pode ir sem pestanejar que é bom, quer dizer péssimo.

9º-Depois dos árduos anos de faculdade nada melhor que uma belíssima festa de formatura. Afinal de contas você merece né? Batalhou tanto, nada mais justo. Escolha o melhor buffet da cidade, os melhores fotógrafos e chame todos os seus parentes e amigos. Mostre para toda a sociedade que você é um homem sábio, uma mulher sábia. Você agora tem um diploma nas mãos e um futuro promissor pela frente.

10º-Bem, porém ainda é um enigma como que você sair dessa. Como você fará provar todo o seu saber. Como passará numa entrevista de emprego. Como passará num concurso público. Aí fica a seu critério descobrir novos jeitinhos brasileiros.

O velho amor


Sempre gostei de Gabriel Garcia Marquez, o Gabo, mas nunca tinha visto uma obra dele ser transposta para outro meio que não as páginas indeléveis dos seus generosos livros, agora já vi. Cinema para mim é algo que precisa transmitir alguma coisa, um sentimento, um sentido qualquer. Quero emoção, sorrir, gargalhar, chorar. O filme O Amor nos Tempos do Cólera bate na trave em todos esses quesitos. A fotografia é bela, as locações são maravilhosas, quando surge a Fernanda Montenegro é quase sensacional, Javier Bardem está bem como sempre, pero fico mais tocado quando a Shakira canta, isso é uma boa medida do valor do filme.

É que me incomoda algumas coisas que, faça chuva ou sol, sempre encontramos nas obras do Gabo. O supermacho latinoamericano, que sempre se torna o supervelho latinoamericano. Acho que se hoje existe o Viagra, muito deve ser creditado a Marquez na busca dos pesquisadores, eles deviam ler seus livros, onde homens quase centenários ainda copulam como jovens, ainda são capazes de conquistar 'jovenzitas', e deviam trabalhar horas e horas atrás daqueles mesmos efeitos mágicos. Aqui tudo de novo, o homem sensível, com uma história de amor impossível (que já sabemos ser a dos pais dele), a queda e a ressureição, e para não fugir à regra, números, que para o super-homem que interessa ao autor é muito valioso, Assim Florentino Ariza diz a certo momento do filme ter transado com 622 mulheres, então tá e eu sou o Bozo.

E assim entramos também no momento que realmente importa da história toda que é quando Florentino enfim conquista Fermina Daza. Estamos agora no universo espinhoso para o cinema, no livro um relacionamento sexual entre um idoso e uma idosa é algo que toca profundamente quem lê, no cinema isso não toca e sim causa uma certa apreensão em quem assiste. É algo complicado de se falar, é como quando em Ghost a Demi Mooore vai beijar a Woopi Goldberg, mas para deleite de todos ela beija o Patrick Swayze, qual seria a reação do público se mostrasse o beijo real e não o imaginado? Deve ser a mesma sensação que dá, e não é preconceito, é só falta disso ser algo normal e natural. Como no livro do Cristovão Tezza onde ele fala da dificuldade para um pai (ele) aceitar um filho (o seu) com Síndrome de Down, são fatos que não são a regra e sim exceção, e para elas só estaremos prontos quando vivermos isso na própria pele. Todos envelheceremos, como iremos lidar com a nossa sexualidade quando o corpo de outrora for passado e a mente ainda mandar sinais de fumaça para o resto do corpo? São novidades do neo-futuro que todos viveremos, se conseguirmos chegar lá.

Quanto ao Gabo ele continua criando heróis do sexo idoso, como o velho de Memórias de Minhas Putas Tristes, isso é algo que é melhor nos acostumarmos, não tem mais volta. Quanto ao filme enfim, foi uma bola na trave, não conseguiu me emocionar nem para escrever um texto no dia seguinte a que vi o filme, só hoje, quando procurava um assunto para falar e me lembrei que o havia visto. Mas valeu, ver a Fernanda interpretando um bom papel numa grande produção americana é algo que por si só já paga uma entrada do cinema, e Shakira...


s.o.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Redux


Revi Apocalipse Now do Francis Ford Coppola, dessa feita foi a versão Redux, ou seja, a versão integral do diretor sem os cortes necessários feitos quando da época do lançamento, que do contrário espantariam o público. A obra continua sensacional, e ainda tem um valor histórico fora do comum. Tendo como base o livro do Conrad, Coração das Trevas, sai o Congo belga e entra o Vietnã, sai o imperialismo entra em cena o capitalismo selvagem na luta para evitar que o comunismo se espalhasse pelo globo afora. Saem os negros entram os amarelos. Efetuando todas as trocas, fica no fim das contas, a mesma maldade humana. Se no livro tudo é insinuado e vislumbrado, como as cabeças presas nas lanças observadas de longe, no filme a idéia é que tudo transborde e que a obra seja um libelo contra a guerra, consegue.

Tanto em um quanto em outro predomina a presença de Kurtz, no filme Cel. Kurtz. Se alguém podia ser tão transbordante quase sem aparecer na tela, esse alguém era Marlon Brando, mas enquanto aguardamos a cereja do bolo, vamos digerindo as loucuras da guerra. E que guerra. Entra em cena um bestiário de personagens malucos, vivendo cada um sua própria batalha particular, enlouquecendo devagar e sempre, nesse ponto, Lance o surfista é um dos emblemas do filme, como se consumisse ácido o tempo inteiro ele vai deixando de lado sua sanidade e se pintando com as cores escuras da loucura. O comandante vivido por Robert Durvall é outro que aproveita a guerra como pode: "seus soldados o acham um homem bom", o mesmo que cobra respeito pelos feridos da guerra, mas que na hora de dar de beber a um deles e ficar frente a frente com alguém importante (no caso o surfista Lance) deixa o doente lá com sua sede de vida.

O caminho do barco rio acima é bem parecido com o livro, contra ventos e marés, se embrenhando loucura adentro, e tudo só vai piorando, as coelhinhas da Playboy são só mais um exemplo, não o pior. Dentro da lancha o capitão Willard (acho que no único papel em que eu gostei do Martin Sheen) vai lendo e revendo as informações sigilosas sobre o Kurtz, e ao mesmo tempo achando que se de louco todo mundo tem um pouco, Kurtz é na verdade o mais lúcido de todos que por ali circulam. No livro as informações sobre o Kurtz se resumem ao que um ou outro contam e a um texto escrito por ele, no filme isso tudo é um dossiê. Matar Kurtz é a missão, nela até o futuro Morpheu de Matrix aqui ainda chamado de Larry Fishbune, e os outros companheiros de missão seguem como se fossem oferendas a um Deus brincalhão.

Quando enfim surge Kurtz, prepare-se para, acho eu, a única vez que alguém trabalha tão pouco, mas com tanta qualidade. Gordo, sim, Marlon Brando está a meio caminho de ser aquele obeso do fim da vida, ainda é aquele que Truman Capote entrevistou, uns bons quilos acima. Careca (por sugestão própria), em tomadas que assustam e engrandecem o cinema. Minha sequência favorita dele é a segunda vez em que ele aparece, com o rosto pintado, magnífico, falar sobre isso é chover no molhado. Livro e filme são obras distintas, acabei de ler o livro e revi o filme, ambos tem o seu valor e eles merecem nossa atenção. No final sobram, no livro e no filme, a decadência humana em forma de palavras: O HORROR! O HORROR!



s.o.