quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Parabólico Raduan;


A primeira vez que ouvi falar de Raduan Nassar foi num pré-vestibular, Lavoura Arcaica era livro obrigatório e foi dissecado pela professora de óculos branco. Sim ela falou da Sudanesa, da Ana e do André, do pai, da família, insistiu que todos tivessem especial atenção com o final, a posição de todos na mesa, o pai morrendo, a loucura da irmã. Isso tudo ela disse. Eu mesmo não li o livro, já sabia dele o necessário para uma prova que não fiz. Até porque na outra aula ela já esmiuçava o Esaú e Jacó, falando logo do "ab-ovo"...

Na segunda vez que cruzei com o Raduan, o livro era obrigatório noutro vestibular, agora o da minha filha, comprei. Para ajudar na compreensão dela, li primeiro. Mas conforme ia lendo, o resumão da professora chegava primeiro nas conclusões que não vim a ter. Lemos e não entendemos a essência, resultado? Peguei minhas anotações daquela aula que tive e emprestei para ela. Dois a zero para o livro. Onde moram esses resumos que circulam por aí? Qual a paternidade ou maternidade deles? É inconcebível que isso ainda ocorra, a facilidade de um filme ou de partes do livro no lugar da leitura, leitura essa que realmente fiz agora, pois lemos e LEMOS um livro.

Lavoura Arcaica transcende tudo o que se vê numa primeira olhada, culpa do autor, mestre em limar ásperezas da palavra. Se utilizando de um sinal de pontuação à beira da falência por falta de uso, o ponto e vírgula, ele muda o rumo da prosa, acrescenta inventividade e fruidez ao texto. É talvez o ritmo que falta para muita gente por aí. O livro que mais fala de sexo sem que ninguém fique exageradamente chocado. Zoofilia, incestos(?), masturbação e tudo dentro de uma arrumação do verbo; símbolos esperando serem decifrados.

Desagregação familiar é tema universal, perder a confiança em quem nos governa também, ser assaltado por desejos em alguma fase da vida acontece em todas as casas, choques de gerações, a descoberta do sexo. Mas é na surpresa que a história cresce. O filho pródigo não contou a razão de ter ido embora, e assim as parábolas cruzam errantes no lugar certo: a da semente em terra ruim, os porcos possuídos pelos demônios, etc. Em mãos menos laboriosas tudo iria se perder, Raduan faz o contrário, o interesse aumenta; ele esconde na ambigüidade das frases sentidos, direção. Alucina o ritmo vertiginoso com que tudo é contado, uma caixa de Pandora vazia.

"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo;"
Foto: Raduan Nassar/O Globo/divulgação

s.o.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Idílios escondidos na Ilíada


Aquiles chorando no colo da mãe
Quem procura o Aquiles do filme já aviso, no livro não tem. Aqui ele parece, durante a maior parte do tempo, o Kurtz do Conrad; no Canto I, ele não se parece nem mesmo com ele, chorando a perda da escrava Briseide no colo da mãe Tétis: "Qual a razão de teu choro, meu filho?". Mal ouvia isso e ele se punha a reclamar do rei Agamenóne.

O covarde Páris corre da luta contra Menelau e...
Vai se deliciar com Helena, enquanto lá embaixo o pau tora: "Ora, concordes, gozemos do amor as carícias, no leito, pois nunca tive os sentidos tomados por tanta ebriedade[...]"; covardia dá tesão?

As pedras jogadas
Pedregulhos enormes, quase sempre com o aviso de não ser qualquer um capaz de levantar, são atirados à torto e à direito: "O grande Ajaz, enquanto ele recuava, atirou-lhe uma pedra, das numerosas que havia no campo e serviam de calço para os navios." Então tá...

Espiritismo na Íliada
Deve ser desse livro a inspiração inicial do espiritismo. Sempre tem alguém tomado por um deus, falando sem sentir, soltando altos brados, incentivando a luta: "Ares as filas troianas penetra, visando a excitá-las, sob a figura do chefe dos Trácios, o forte Acamante." Vade retro satanás.

O muro? o fosso? que raio de obra é essa?
Onde Homero tava com a cabeça ao incluir esse raio de obra megalomaníaca no meio da guerra? Foi feito licitação? Construíram numa noite? Poseidon destruiu depois, eu sei, mas quando os troianos chegam pertos dos navios gregos no Canto XII, parece um samba do crioulo doido.

Príamo o garanhão ou Príamo and sons
Tentei várias vezes até a conta fechar, lá pelo fim do livro Homero entrega, 50 filhos, sim 50. Príamo não era um homem qualquer, era uma máquina sexual, um reprodutor; pena que o único que prestava morreu nas mãos de Aquiles; Heitor, o do penacho. É a maior mortandade de filhos de um pai só, ou é a maior união de inúteis na face da terra. Pedrada, furado por lança, espada? Chama o rabecão; menos um filho de Príamo no mundo.

Zeus dá uma rapidinha
Sabe esses filmes de ação, onde o mundo está acabando mas o herói arruma um tempo para uma rapidinha? Tudo culpa de Homero; numa cena quentíssima, vemos Hera se banhar com ambrosia, passando na cútis um óleo divino, tudo para enganar o 'The Boss'. Zeus é claro pode perder a guerra mas não a oportunidade e...záz: "Hera, ora subamos ao leito e os prazeres do amor desfrutemos. Nunca uma deusa ou mulher fez nascer-me paixão tão violenta." Ora ele dizia isso para todas.

Onde está Odisseu?
Eu não gosto da Odisséia, na verdade não gosto de Odisseu, acho ele uma farsa. Na maior parte da Íliada ele passa no seu barco 'ferido'. Tudo bem depois tem o cavalo de Tróia, mas a gente sabe que foi um deus que soprou para ele a idéia. Espero que a Penélope não tenha esperado a sua volta com tanta parcimônia que querem nos passar, e que sim tenha aproveitado o ímpeto dos visitantes da sua casa. Essa idéia de que ela fazia de noite e desfazia de manhã é só uma vontade muito grande de que todas as mulheres sejam assim virtuosas, enquanto o homem vai pegando todas pelo caminho.

Agamenone mentiu para Aquiles
Na frente de todo mundo o rei jurou que não havia tocado na escrava Briseide e diz que se estivesse mentindo que os deuses o punissem. O que acontece com ele ao fim da guerra? Desgraça, desgraça. Ou seja, mentiroso safado. Por isso Aquiles o odiava.



s.o.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Mortes na Ilíada

A guerra nunca foi tão violenta novamente. Na Ilíada a Morte caminha com passos largos. Homero descreve cada morte de maneira que até conseguimos vê-las acontecer. “Em toda a Ilíada morrem 180 troianos em combate singular, contra apenas 53 aqvivos (gregos) sendo estes quase sempre obscuros, vultos, que só aparecem pela necessidade da narrativa”.

“Na crista do elmo ondulante certeira pancada lhe assesta, que fez o crânio partir-se, entrando até o cérebro a ponta zênea da lança potente”.

“Enraivecido Odisseu por motivo da morte do amigo, na frente a lança lhe acerta, saindo-lhe a ponta de bronze ao lado oposto da testa”

“Mas Píroo, que o tinha ferido, saltando, junto do umbigo lhe a lança enterrou; pelo solo derramam-se os intestinos”.

“Tendo Meríones saído no encalço de Féreclo exímio, fere-o do lado direito, na nádega; a ponta da lança veio sair sob o pube, depois de passar a bexiga”.

“O valoroso Filida no encalço lhe foi, enterrando-lhe a lança aênez bem no alto da nuca, de forma que a ponta veio sair pelo meio dos dentes, cortando-lhe a língua”.

“A esse, o notável Eurípilo, filho de Evémore claro; quando tentando fugir, alcançou, para um golpe atirar-lhe no ombro, com a espada cortante, cercando-lhe o braço pesado, que pelo chão foi rolando, vermelho de sangue”.

“[...] o ombro do outro assentando, bem junto à clavícula, um golpe com a espada, que o apartou do pescoço e das costas”.

“E tertorando, o guerreiro, de carro de bela feitura cai de cabeça, na poeira, onde o crânio, até os ombros enterra.”

“[...] a espada arrancando, Diomedes o fere, violentamente, no colo, cortando-lhe os dois tendões fortes: ainda a falar, a cabeça de Tevero rolou na poeira.”

“Este de um pulo, saltara de carro, querendo enfrentá-lo, mas no momento em que vinha para ele, com a lança ferido finca na fronte; não pôde a celada deter a aênea lança, atravessada foi logo e, assim, a osso e, por último, o cérebro, que se desfaz por completo”

“Lança-se Hipóloco ao solo, onde o Atrida o privou da existência, com duros golpes de espada, ao pescoço e os dois braços lhe corta e, para o meio da turba a rolar, longe e o tronco repele”.

Para os professores que indicam: “veja o filme”, só uma pena dá. Talvez a única coisa que o filme Tróia com Brad Pitt tem de parecido com o livro são as mortes bem filmadas, o resto é pura idiotice.

Ilíada, Homero, tradução de versos de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro. Ediouro, 2001.

s.o.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Duas vidas, dois destinos


Para Ana Clara...

O nosso país é um gigante, mesmo usando só um pouco da sua força já impressiona bem, mas têm problemas indissolúveis que finge não ver e assim segue numa roda viva; o brasileiro não lê pois é caro? Ou é caro pois o brasileiro não lê? No fim só o vazio do não, um não repleto de significados dramáticos, empurra-se com a barriga, orienta-se a que todos vejam filmes: "você vai ler esse livro tão grosso? Pega o filme!".

A produção literária é parca, assim temos que buscar em outras praias histórias que poderiam ser nossas. Duas vidas, dois destinos, da americana Katherine Paterson com uma tradução maravilhosa de Ana Maria Machado é isso, na falta de algo genuinamente verde-amarelo, saboreamos o alheio, que por ser grande literatura se transforma em algo universal.

A história de uma menina que mora na ilha de Rass em Cheasepeake, nos Estados Unidos, e trabalha catando ou capturando caranguejos, siris, podia ser a de qualquer brasileiro que more nas extensas áreas de mangues por aqui, mas é com essa pequena linha de Ariadne que a autora se embrenha no labirinto das diferenças sociais, das dificuldades que surgem em relacionamentos familiares. Gêmeas que nascem de maneira diferente, uma tranqüilamente e saudável a outra complicadamente e frágil, têm seus destinos traçados na maternidade, como diria Cazuza, a vida se encaminha de levá-las à direções opostas. A força de uma a leva ao trabalho, alguns dólares diários que reforçam a "lata" da mãe. A outra recebe todos os carinhos e atenções, necessários diga-se de passagem para que todos sobrevivamos, mas que nesse caso é devotado a ela por conta da sua fragilidade.

No seriado Malcom que passava na Record, a mãe de quatro meninos atentados diz à certa altura que se fosse necessário, num momento de extremo perigo, e ela dá o exemplo de um avião caindo, acho, ela diz que jogaria alguns filhos pela janela, pois esses conseguiriam se virar sozinhos, mas ela não mandaria um deles, não me lembro qual agora, pois ela dizia que aquele não era tão capaz quanto os outros, assim é neste livro. A natureza tão livre de Sarah Louise a leva atrás de seus sonhos, em cima de sua canoa com seu melhor amigo, mas em casa todas as atenções se voltam para sua irmã. Nessa tênue linha percebemos o quanto é difícil criar filhos quando a mesa não é farta, quandos sonhos são impossíveis e quando a balança da igualdade parece, aos olhos do filho, pender para um lado só.

A religião perpassa toda a história, a ilha toda é metodista, mas ao mesmo tempo vemos como a pequena Wheeze (apelido da nossa heroína) vai crescendo e se afastando de Deus, a quem ela acusa de não gostar dela, como os pais, pois aparentemente tudo que ela faz não tem a menor importância. Os pontos altos do livro, vários e saborosos, vão nos angustiando, como quando ela se apaixona pelo capitão Hiram Wallace, numa cena belíssima de desejo imberbe, dentro um abraço de roupas rudes; a avó quase vencida pela velhice que dispara versículos da Bíblia à esmo, como se fossem facas, tentando agredir seus próprios únicos parentes, mesmo que sem eles ela não sobreviveria (aqui uma parada, como é difícil lidar com pessoas idosas, uma realidade crua que todos em algum momento das nossas vidas vivemos); a seqüência em que a irmã é mandada para uma escola de música em Baltimore, enquanto a mãe, desesperadamente, tenta oferecer para a Wheeze um prêmio de consolação, que aliás é recusado por ela; e alguns momentos de belíssima poesia quando ela abandona tudo para se dedicar à pesca em alto-mar com o pai, a quem ela começa enfim conhecer melhor.

Pergunto: O que separa essa história de algo genuinamente brasileiro? Nada, acho. Isso é que faz a literatura, os fatos narrados acontecem o tempo inteiro em todos os lares, em menor ou maior grau, é claro que uma grande maioria não se transforma em livro. Uma cena inesquecível desse livro é quando nossa pequena Wheeze pergunta qual a razão de ninguém às ajudá-las, elas queriam estudar numa escola boa, e bastaria uma mão estendida na hora certa, no momento certo e tudo poderia ser diferente. Questionamento esse muito atual, logo penso nas ações afirmativas do nosso governo e é óbvio sei que não era isso que ela esperava, mas sim elas tem sua razão de ser.

Fecha o livro a grande mudança na vida, proporcionada (rufem os tambores) por ela mesma. Quem ainda acredita em mudar a vida com sorte, esperança, amor, coração, esqueça, a força como diria o Yoda está dentro de cada um nós, e se somos forte podemos resolver todos os problemas do mundo, começando é claro pelos nossos, como dizia aquele provérbio chinês.




s.o.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

“Os ausentes são sempre os culpados”


Não sei a razão, mas em diversos momentos do Recordações da Casa dos Mortos tive a nítida impressão de incômodo. Ler hoje um livro escrito em 1861 que fala de tempos em que o autor esteve na prisão, soa estranho e leva a vários questionamentos. Estranho, pois sabemos que essas mesmas prisões foram aprimoradas (?) ainda mais pelos comunistas, é para lá que iam todos os dissidentes do regime, sendo a Sibéria o túmulo de milhares de pessoas (quando vejo jovens portando garbosas camisetas com as inscrições CCCP, me pergunto se eles sabem das vidas perdidas) . E a questão que cala também é: existe histórias sem uma vida pessoal rica em acontecimentos? Ou quem escreve o livro é o eu literário e não a pessoa em si?

Se Dostoiévski não tivesse esses quatro anos na prisão ele seria o mesmo Dostoiévski que conhecemos hoje? Na carta desesperada enviada para seu irmão, que consta nessa excelente edição da Nova Alexandria, dá impressão que não. O tempo de cadeia o leva a um paroxismo, um vibrante desejo; livros, ele clamava por livros: “Tenho necessidade (preciso mesmo) de historiadores antigos (numa tradução francesa) e dos modernos (Vico, Guizat, Thierry, Thiers, Ranke, etc.), dos economistas e dos Pais da Igreja escolha as edições mais baratas e mais espessas. Remeta-me esses livros imediatamente.” Parece que não queria que se apagassem suas lembranças; se metamorfoseou nesses anos preso, e essas Recordações vão por toda a vida (per)segui-lo em suas obras.

Podemos dizer que nesse livro estão colocadas de maneira nada poética seu olhar agudo dos acontecimentos, suas dores escorrem, sua vida salta aos nossos olhos. O novo cenário que se descortina: a sopa com baratas, a sujeira generalizada, os vícios, as disputas sociais que ele enfrenta não sendo nunca aceito pela maioria dos condenados por ser nobre, o banho que mais parece uma visão do inferno de Dante, o hospital agoniante. No capítulo que narra os castigos físicos de presos eu vi Ecos de Montaigne...

Não sei se temos hoje em pleno século XXI, condições de compreender todas as angústias de uma pessoa como Dostoiévski e nem responder categoricamente sobre o autor e a obra, mas podemos pelo menos pensar sobre lampejos do pensamento dele, como sobre as pessoas “que serão eternamente miseráveis”, quantas nós não cruzamos nas nossas vidas.

Assim ler Recordações da Casa dos Mortos, é andar na contramão do que hoje se prega nas escolas, com leituras leves, croniquetas para consumo rápido. Dostoiévski sobreviveu a quatro anos na Sibéria e renasceu das cinzas, como uma Fênix, ou viveu como Argos vigiando a alma humana e nós hoje e sempre ficamos bestificados com sua prosa inteligente e sofrida, talvez por existirem tão poucos como ele hoje em dia é que a literatura vai se tornando uma herança maldita, a cada tempo menos bons leitores permanecem, cansados por não mais caminharem gigantes por aqui.




s.o.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Jogo de Cena

Numa sessão de pouco mais de uma pessoa, Jogo de Cena. Solidão na sala, solidão na tela. Num teatro de cadeiras vazias o diretor Eduardo Coutiinho ouve histórias de mulheres desconhecidas que contam histórias tão conhecidas que parecem nossas, ou de alguém muito próximo de nós.

Mais do que tudo o filme tem o papel de denunciar nossas friezas, nossas rudezas. Todos os dias milhares de pessoas passam por nós, nas ruas, nos ônibus, nos metrôs, nos shoppings, nos postos de saúde, nas filas. Enfim é uma infinidade de rostos desconhecidos. Não temos tempo para parar e olhar nos olhos de ninguém, o que dirá querer imaginar que histórias cada um tem para contar, que sonhos, que tristezas, que medos, que receios, que derrotas ou que felicidades tem para partilhar. Não temos tempo de ser sensíveis. Mas quando a insensibilidade se restringe apenas a desconhecidos, a nossa covardia até considera isso tolerável, agora quando a indiferença contamina quem está muito próximo, aí a coisa fica realmente grave. Como negar o perdão, o diálogo para o pai, a mãe, a esposa, o esposo, o filho, a filha, o namorado, a namorada? Somos cruéis e o escancarar dessa verdade é o que o filme tem de mais tocante.

Talvez ainda toda a emoção irradiada aconteça porque traz a ótica feminina protagonizando tudo, se fossem homens não sei se a poética seria tão fluida. Então casos banais passam a ser banhados a ouro. A jovem negra que sonhava em ser paquita descobre seu lugar no grupo “Nós do morro” na favela do Vidigal. A mulher que perde o filho que reagiu a um assalto e o encontra anos depois em sonho, onde ele ajuda-a superar a dor. A adolescente que tem seus sonhos inibidos devido a uma gravidez precoce. A mãe que sonhou com um bebê e o perde após o parto. Outra mãe que diz a que filha esfriou a relação das duas apenas porque levou um tapa da mãe. São acontecimentos prosaicos que se tornam sublimes, ainda mais quando excelentes atrizes encenam os fatos. Basta fixar os olhos nas expressões faciais de Fernando Torres, Andréa Beltrão e Marília Pêra, que depois da interpretação contam suas próprias impressões diante do que acabaram de fazer ou que causa no espectador a impressão de que ele também faz parte da produção do filme.

Perdoem-me a indiscrição, mas preciso revelar a última imagem do filme. No palco do Teatro onde tudo foi gravado aparece apenas a cadeira vazia (na qual todas sentaram) num intenso escuro. A cena é como se deixasse certas perguntas no ar: de que adiantou essas mulheres contarem suas histórias? Será que elas resolveram suas aflições? Seus problemas? E você caro espectador o que fará de agora em diante com que estiver ao teu lado? Vai ouvir mais as pessoas de agora em diante? Bem, se foi essa mesma a intenção, confesso com muito pesar que ainda não comecei a pôr nada em prática. Deixei que se fosse embora sem ouvir nenhuma palavra minha a única pessoa que dividiu a sessão comigo, uma senhora que partiu silenciosamente para quem eu não dirigi um mísero boa noite, e nem teci um comentário sem graça ou uma piadinha qualquer sobre a sessão vazia que acabávamos de assistir. Daí então penso que a cadeira vazia apenas prenunciasse nossas próximas atitudes perante ao próximo: nada.


t.c.s.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O caô e o caos



“Não acredito que tenhamos um aumento de desmatamento no Estado. Há uma consciência ambiental cada vez maior...”.
Blairo Maggi.

Basta folhearmos as principais revistas do país para que os nossos olhos sejam agredidos por uma chuva de boas intenções de Megas-Empresas que se dizem preocupadas com aquecimento global, meio-ambiente, enfim todas dispostas a salvar o mundo. No entanto nenhuma delas se pronunciou a respeito dos 7.000 kms2 quadrados desmatados na Amazônia constatados pelo INPE (Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais), que por sua vez viu de tudo de satélite por três meses como se assistisse a um programa do Bial e só agora resolveu expor as observações feitas.

O poder público que obviamente deveria ser o maior interessado em resolver a questão decidiu primeiro checar dados. Certamente se o desmatamento for 6.999 Kms2 nada será feito. Segundo Blairo Maggi, governador de Mato Grosso, cujo Estado tende em breve a ter mato apenas no nome se as coisas continuarem como estão, simplesmente duvida de toda a gravidade do problema e acredita quem em seu reduto“Há uma consciência ambiental cada vez maior e, ao mesmo tempo, uma falta de recursos muito grande por parte dos produtores". Blairo Maggi traz consigo uma alusão a uma fraca canja de galinha para quem está faminto por informação e prefere chamar de burro quem exige explicações.

Esse mar de mentiras em que estamos naufragados principalmente nessa época do ano soa como mais um samba-enredo para nossa apatia foliã.

t.c.s.