quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Tempos Modernos – um capítulo abandonado


Os anos que antecedem o início do século XX, são pródigos de acontecimentos premonitórios dos cataclísmicos dias que irão brotar com os novos tempos. O ser humano alcança um nível de progresso impressionante mas que ainda não é nada se comparado com o que está por surgir. Com uma capacidade infinita e não dominada o homem entra numa espiral de construção e desconstrução do mundo em que vive. “A noção de Darwin relativa à sobrevivência do mais adaptável”, havia se tornado um elemento-chave tanto para conceitos marxistas de luta de classes, quanto para as filosofias raciais anti-semitas. Com o aprofundamento da Revolução Industrial o homem “torna-se o prisioneiro destas máquinas que fabrica em grande escala. Põe-se a adorá-la como o selvagem a seus ídolos”.

A guerra “higiene do mundo”, leva a humanidade a rever seus conceitos; “milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos parapeitos de trincheiras barricadas com saco de areia, sob as quais viviam como – e com – ratos e piolhos”. A modernidade se apresenta para o mundo na forma de armas, bombas, produtos bacteriológicos e milhões de mortos, “o passado estava fora de alcance, o futuro fora adiado, o presente era amargo”. A humanidade descobre, da pior maneira possível, que “não só a sociedade moderna é um cárcere, como as pessoas que aí vivem foram moldadas por suas barras, somos seres sem espíritos, sem coração, sem identidade sexual ou pessoal – quase podíamos dizer: sem ser”.

No interstício entre uma e outra guerra, além de juntar os cacos possíveis, as idéias de Sigmund Freud começam a ser lidas com interesse, “Freud era uma figura famosa e polêmica em círculos especializados médicos e psiquiátricos. Mas foi somente no final da guerra que suas idéias começaram a circular como moeda corrente”. Ele era uma alternativa mais humana aos tratamentos que, eram utilizados antes do conflito, e que continuavam sendo, só que agora nos heróicos soldados sobreviventes da guerra, de onde uma grande maioria, voltou profundamente traumatizada. Muitos, aos choques elétricos que eram submetidos, preferiam o suicídio. Com os valores tão em baixa, sentindo-se oprimidos pelo mundo novo que tanto haviam desejado, mas que não estavam ainda acostumados e que se apresentava em mutação constante, as idéias de Freud vieram somar e embaralhar ainda mais essa fragilidade do homem que tateava na busca pelo seu lugar. Freud era competente também para fabricar slogans fantásticos, inventava palavras e expressões que se tornariam quase como que uma síntese desses tempos, sendo assim um protagonista explosivo e necessário nessa ainda incipiente idéia de modernidade que surgia.

Como ele, outro que abalou essas mesmas frágeis estruturas, foi Albert Einstein, “a descoberta de que o espaço e o tempo são relativos, em vez de serem termos absolutos de medida, é comparável, no seu efeito da nossa percepção do mundo, ao primeiro uso da perspectiva na arte, ocorrida na Grécia nas décadas de 500-480 a.C”. Com tantos paradigmas sendo quebrados podemos compreender, agora, a razão pela qual “a moderna humanidade se vê em meio a uma enorme ausência e vazio de valores, mas, ao mesmo tempo, em meio a uma desconcertante abundância de possibilidades”. Todas essas alterações são sentidas, mas a absorção é lenta, não se derruba facilmente pensamentos arraigados.

Em meio à toda essa convulsão vivida, agravada pelo nível a que chegou a industrialização, a guerra pelos mercados que já havia criado a aberração das colonizações financeiras, onde os grandes impérios (poucos países) comandavam com mão de ferro, as idéias de Karl Marx enfim são colocadas à prova, é a Revolução Socialista russa; num mundo acostumado ao fazer capitalista, às desigualdades sociais, um mundo dominado pelo poder e pelas diferenças, na qual as idéias marxistas sempre pintavam um mundo mais ameno e sobreviviam quase que como uma utopia, esse embrião “oferecia a prova de que a grande mudança começara”. Era como se um novo mundo tivesse surgido do nada, “como os primeiros cristãos, a maioria dos socialistas pré-1914 era de crentes na grande mudança apocalíptica que iria abolir tudo que era mal e trazer uma sociedade sem infelicidade, opressão, desigualdade e injustiça”. “Marx, Freud, Einstein, todos transmitiram a mesma mensagem para a década de 20: o mundo não era o que parecia ser”.

Paralelo às mudanças em diversas áreas, o mundo seguia de convulsão em convulsão como um cambaleante doente terminal. Para agravar a humanidade ainda vai passar pela Grande Depressão de 1929, onde “a imagem predominante na época era a das filas de sopa, de 'Marchas da Fome' saindo das comunidades industriais sem fumaças nas chaminés onde nenhum aço ou navio era feito e convergido para as capitais das cidades, para denunciar aqueles que julgavam responsáveis”. Com as feridas mal curadas da 1ª Guerra, o desemprego, a fome, uma humanidade incrédula, imóvel como peças de um grande jogo, logo acontece a 2ª Grande Guerra, que serviu para que o ser humano percebesse que “o mal não está somente em suas criações, mas dentro de si mesmo”.

Se com a 1ª Guerra Mundial o descrédito no ser humano já beirou o paroxismo, a nova empreitada assombrará seus pensamentos e atos futuros por gerações afora; “as maiores crueldades de nosso século foram as crueldades impessoais decididas a distância, de sistema e rotina, sobretudo quando podiam ser justificadas como lamentáveis necessidades operacionais”. A “guerra total” produziu improváveis conjunturas, uma devastação impensável, trilhou o caminho do Holocausto dos judeus (não só judeus, mas principalmente) e aterrissou na criação e utilização da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki. Suas perdas são literalmente incalculáveis, e mesmo estimativas aproximadas se mostram impossíveis, pois “a guerra (ao contrário da Primeira Guerra Mundial) matou tão prontamente civis quanto pessoas de uniforme, e grande parte da pior matança se deu em regiões, ou momentos, em que não havia ninguém a postos para contar, ou se importar”.

O pós-guerra trouxe com ele um período novo, onde “a modernidade une a espécie humana, porém, é uma unidade paradoxal, une desunindo, nos jogando no turbilhão de permanente desintegração e mudança, luta e contradição, ambigüidade e angústia”, e foram nesses turbilhões que brotaram as vanguardas modernistas, que tentavam responder entre histérica e inteligentemente, ágil e provocadoramente aos questionamentos que surgiam numa época onde predominou a escuridão, tal qual o manto negro que cobriu a Idade Média, de onde a humanidade saiu para a revolução do Renascimento. “Acalmados os sobreviventes da guerra, pensadas as feridas, reparadas as ruínas, sem choques, sem riscos de qualquer espécie, o regime pode acreditar que se abre à sua frente uma nova era de prosperidade”, e de onde a sanidade só foi mantida graças a manutenção da fé do ser humano na arte, pois foi através dela que o homem saiu, no fim do túnel, ainda com esperança que tempos melhores poderiam surgir.
p.s.: esse era a primeira parte do primeiro capítulo da minha monografia de conclusão de curso, extenso, descritivo, perdia-se tentando explicar tudo detalhadamente, e por infortúnio me esqueci do Nietzsche, logo abandonei esse e recomecei - os recomeços são gloriosos - mas até que isso aí em cima não está de todo mal, acho eu, como todo pai acha bonito seu filho.
s.o.