segunda-feira, 27 de junho de 2011

Alienados musicais


Percorro páginas e mais páginas atrás da melodia perfeita. Entro em uma, vejo as bandas, vou pra outra, sigo links e mais links. Descubro que existem bandas de rock no Ubesquistão. Percebo que a música faz parte de todo o mundo. Mas vou entendendo que esse universo é bem promíscuo e a música pop presta-se ao serviço mais boçal, o de alienar o ser humano.

Elas atacam em todas as frentes. Nada escapa ao organizado ataque das pop songs. Rebeldia? Trash metal. Revolta? Punk. Melancolia? Gothic. Alegria? Pop songs ensolaradas. Nerd? Power-pop. Elitizado? Música clássica. E por aí segue. Músicas para todos os gostos. Vocais adocicados. Vocais guturais. Vocais femininos. Vocais horrendos. Vocais gritalhados. Ninguém pode ficar de fora, todos tem que se encontrar musicalmente. Pois o capital comanda, e é necessário que todos recebam sua dose de alienação. Na veia, na fronte, direto no cérebro. As pessoas aprenderam a conversar ouvindo músicas.

É que a música está em tudo e não está em lugar nenhum. A música acalma. Faz com que os pensamentos desviem-se das dores do mundo. Um bom ouvinte sabe as metáforas mais refinadas e as mais toscas. Um bom ouvinte sabe que o mundo é uma merda, que o dinheiro está em tudo e comanda todas as relações. Essa verdade pura e simples é a que queremos evitar. Por isso ao invés de, nos momentos de folga, pensarmos o mundo a nossa volta, nesses breves momentos o mundo é que invade a nossa casa. E ouvimos o novíssimo cd de uma grandiosa banda irlandesa e ela nos pede que sejamos bons, que fiquemos bem, que pensemos nos outros. E os Beatles nos diziam que a revolução estava por se fazer e isso era só uma metáfora. The Clash era só revolta e ódio. Amy Winehouse quer se reabilitar. Britney quer ser feliz. Whitney precisa de grana para manter o seu vício. Cazuza falava que a morte estava viva. Raul pregava uma sociedade alternativa. Os sertanejos falam de tudo, de mulheres, pescarias, de paixões desenfreadas (sertanejo também faz parte do universo pop).

Todos indistintamente servem (alguns sem o saber, é claro) ao demônio do dinheiro. Músicas alienam, de um samba a um rap. Se os morangos do Criolo só são bons com a preta do lado, e se ele sabe que não existe amor em SP, ele descobre isso cantando versos que encantam e imobilizam. É óbvio que não existe amor em lugar nenhum, mas é preciso que sambas digam isso para que a gente fique por dentro, mas imóvel. Os sambas fornecem sua parte de alienação, vendem isso com melodias leves, com cara de frugais, mas mesmo assim prestam-se ao serviço do demônio do deixe estar. Todos os gostos musicais são abarcados para que ninguém escape à divagação. Quem vai numa rave sente o bate-estaca dentro da cabeça, dentro do corpo e começam a se movimentar. É que desde sempre a música faz parte da vida do ser humano. As músicas dos tambores foram as primeiras, depois a sofisticação foi aumentando; orquestras sinfônicas já se prestaram ao serviço de, mostrando um belo complexo, enganar o cérebro humano, fazendo-o se quedar inerte, feliz e inútil.

O que a maioria não sabe é que a música é mais uma arma do sistema - esse ente silencioso e invisível - o verdadeiro Deus de quem todos aguardam a volta num tropel alucinado de cavalos voadores. O sistema quer que todos sintam-se bem. Para isso existem pagodes simplistas, axés desvairados, sertanejos insensatos, sambas cabeças, sambas simples, rocks nervosos, punks generosos, músicas clássicas sensitivas, gospels enlevados: todos querem a mesma coisa, que as pessoas se alienem e se entreguem ao leve e doce abandono do deixar a vida o levar. Ah, a insensatez diária das pessoas, que seguem pra cima e para baixo com seus indefectíveis fones de ouvidos, alheios ao mundo, comprados que estão ao demônio financeiro. Alienem-se todos, a música como mais um dos objetos de consumo de massa está aí fazendo seu serviço para o bem e para o mal.



w.a.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Os programa mais interessante não falou como se devia do assunto...

É impressionante que quando o assunto é Lingua Portuguesa todo mundo se acha no direito de meter o bedelho. Agora a polêmica é o livro do MEC. O eficiente CQC acaba de fazer uma reportagem sobre o tema. E adivinhem! Não entrevistou quem devia entrevistar: um linguista! E muito menos os autores do livro para explicarem o acontecido.
Linguista? Exatamente! Para quem não sabe, linguista é o profissional da Linguística. E Linguística por sua vez é a ciência que estuda a língua com todos os seus fenômenos, com todas as variantes. A Linguística faz um trabalho totalmente diferente da norma culta defendida pelas gramáticas normativas que procura julgar as sentenças em simplesmente certo ou errado. Para a norma culta, uma sentença como “nós foi” é simplesmente erro, acabou e pronto. Ao passo que para a Linguística existe todo um contexto por trás de cada sentença: em que ocasião ela foi proferida? Por quem ela foi preferida? Que grau de escolaridade essa pessoa tinha? Qual o meio social em que a pessoa vive? Quais as referências culturais culturais dessa pessoa? Quantos anos tem essa pessoa ? E toda uma série de questionamentos que faz com que o assunto seja bem mais complexo do que não parece ser.
É imbuído desses conceitos que o livro do MEC ( o qual confesso que ainda não vi) me parece ter sido feito. Surge todo um estardalhaço em torno disso. “É coisa do Lula”, “É a glorificação da ignorância”, “Querem deixar os pobres ainda mais burros!”. Não se trata de nada disso! E duvido muito que os ditadores da norma culta conheçam pelo menos todas as regras de crase. O que acontece com a nossa tão amada Língua Portuguesa? As pessoas passam anos nos bancos de escola. Vão para a faculdade. Vão para o mestrado. Vão para o doutorado. E um dia descobrem : “Meu Deus, eu não sei nada de Gramática!” e correm desesperadas para os cursinhos, para os manuais, para as aulas em vídeo. E tudo isso porque simplesmente acham que nunca aprenderam gramática na escola. Aí que está o ledo engano. Não é que não aprenderam, aprenderam gramática demais. Uma gramática descontextualizada da realidade do aluno. O aluno é a vida inteira levado a crer que a norma culta é a melhor forma de se falar. Que essa é uma linguagem de prestígio. Que essa linguagem lhe garantirá uma ascensão social. Até hoje só vi a norma culta dar ascensão social para o Pasquale Cipro Neto que faz mil palestras pelo país inteiro falando de uma reforma ortográfica que pode ser entendida com uma única página, para o Sérgio Nogueira que fica no caldeirão do hulck soletrando aquelas estúpidas palavras que nunca ninguém vai usar na vida e para o Cegalla que chegou ao cúmulo de dizer em seu livro que o sotaque do Mato Grosso do Sul não soa bem aos ouvidos. E são nesses seres de sapiência gramatical rentável e inatingível, para nós reles mortais, que a nossa sociedade se mira e outorga à norma culta o status de “correta”. Eu em minhas aulas jamais uso os termos “certo” e “errado”. Para mim, tudo é sempre adequado ou não dentro de um contexto. A norma culta é só uma variante. Uma das formas de falar. Ou alguém abre mão das gírias, do regionalismo, do jargão profissional, do coloquialismo ou mesmo da linguagem chula cada qual dentro do seu contexto? É evidente que não! É só isso que o livro vem propor. Uma maneira de falar para cada ocasião. A diferença entre linguagem escrita e falada. Ou alguém se lembra de regras gramaticais depois do quinto copo no barzinho sexta-feira à noite? Ou teremos mesmo que corrigir um senhorzinho que nunca soube ler e escrever quando ele nos dirigir a palavra? A ausência da visão ampla das variaçõoes linguísticas que faz com que as pessoas sempre tenham a sensação de que nada sabem da gramática. Exemplo: a professora passa uma manhã inteira enfiando na cabeça do aluno que ele deve dizer “vou assistir ao filme” e  não “vou assistir o filme”.  E no entanto, ele sai às ruas e ouve todo mundo dizer “vou assistir o filme”. Não seria mais fácil dizer para o aluno que a norma culta determina que o verbo assistir significando ver é transitivo indireto e pede a preposião “ao” e no que entanto a regra não vai ser aplicada a contextos informais apenas por uma questão de economia vocabular já que a língua é algo extremamente vivo e que está em constante mutação?
Tudo isso é simplesmente desconsiderado quando se defende a norma culta. As pessoas simplesmente esquecem que você já foi vós micê que já foi vossa mercê e agora tem sido só cê. Informalidade é uma coisa. Norma culta é outra. E os alunos precisam saber disso o quanto antes.
Se vamos queimar o livro do MEC, joguemos na fogueira Guimarães Rosa, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e as letras de Adoniran Barbosa, afinal temos que defender a norma culta. Ou simplesmente sigamos os conselhos que o Padre Ezequiel deu ao mesmo Manoel de Barros:

"Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática."
(Manoel de Barros)







t.c.s

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O processo

A vida sabe a mistério. Passamos por ela, uns mais que outros. Alguns parecem sempre prontos para deixar sua marca gravada. Ocupam o centro do palco, regozijam-se com os holofotes, que parecem só seus. Para outros, viver é uma dificuldade infinita. Satisfazem-se com pouca coisa. Sorriem por cada dia que conseguem sobreviver. Uma categoria à parte é a dos quase. Poderiam ser o que quisessem, e não conseguem fazer a transição entre o nada e o ser. Travam batalhas insones e miseráveis; até são glorificados por alcançarem alguns momentos sublimes e só. Terminam sendo um alguém sem graça ou um ninguém sem sal. Não fazem falta ao concluírem ou mesmo se abreviam sua jornada. Desaparecem entre uma nuvem de "ohs, como era um brilhante... um brilhante...". É, como era. Como podia ter sido. Comos sem fim.


O fim, eis a grande verdade que não gostamos de enxergar. O fim chega pra todos sem misericórdia. Logo a vida, no fim, é uma corrida em que do nascer ao findar só fazemos é estar na estrada, correndo atrás de tudo aquilo que pensamos nos levar à tão propagada felicidade. Felicidade que nos cega quando alcançada em alguns breves e apoteóticos instantes. Tão intensos e mínimos quanto um orgasmo. Orgasmo de viver que passamos a vida atrás. Queremos os orgasmos que a vida sempre está a nos dever. O que me faz feliz hoje, necessariamente não será o que me fará feliz amanhã - num hipotético futuro. O que garantia minha felicidade ontem, hoje nem sequer é lembrado. Sei o que quero da vida, procuro ordenar minha vida numa rota possível em que eu acabe por cruzar com a alegria de viver. Tudo bem, sou mais melancólico do que esperançoso. Mas sei cultivar sorrisos. Sei o valor que ele tem quando brota límpido e faceiro num rosto de criança. A vida sabe a mistério.

Tentamos de tudo para sobreviver a ela então. Terapias drogas vagabundices acupuntura suicídio yoga danças de salão natação astrologia patins marxismo literaturas candomblé rock n'roll boate gay internet ecologia, mesmo assim sobra só esse nó no peito, e agora faço o quê? O que fazer se na contabilidade da vida, nunca o resto é zero? Sempre o saldo é um nó, que embola os sentidos, que nos traduz, nós os perfeitos imperfeitos. O nó da alegria, o nó da tristeza, o nó da raiva, o nó de um momento que perdemos. Atados a esses nós seguimos. Embolados em cordas imaginárias. Grilhões que nos retém perto do chão. Como anjos caídos, podam nossas asas, nos sonham Ícaros sem desejo de se lançar. A revolta enfim se perde em meio as chances que estão ao alcance de todos. Ser feliz parece apenas uma questão de tentar. Não precisamos mais ouvir o barulho das ruas. Não necessitamos vasculhar as atitudes alheias. Podemos viver num mundo à parte, de ilusão e reflexão. De vazio e distanciamento. O mundo ao nosso redor nem sente a nossa falta. Nós os raivosos, os melancólicos, os arrogantes, os irritantemente metidos a besta, nós que somos uns monstros por não dispararmos daqui pra lá e de lá pra cá "ohs e ahs' de satisfação por pouca coisa. Querem que sejamos ordeiros, quietos, comedidos, beatos, castos, calmos. Nos querem a todos de cangas no pescoço e nenhuma ideia na cabeça, só o leve seguir das ondas corretas que atravessam o dique do mundo perfeito e ilusório que construiram pra nós.

Que se rompa os grilhões da igualdade da fraternidade da liberdade. Quando todos estão para o mesmo lado de um navio, a possibilidade dele afundar é maior. Fujamos para um paraíso imperfeito que iremos construir à força do pensamento. Tragaremos a fumaça da discórdia. Repararemos na dor do desencanto. Chutaremos uns baldes de falsas felicidades. Deixaremos entrever a coxa saborosa da falsidade, que está ali, embaixo do popeline, encobrindo os eczemas e iludindo os novos velhos habitantes do planeta que um dia foi azul. Tudo isso pra que? Façamos de tudo para não nos perdermos em meio às paisagens que nos ofertam de graça, como drogas para um iniciante. Alguém precisa reter nas mãos a chama da revolta, nem que seja pra ter a autonomia de desligar a tv. Ter coragem de fechar as revistas. Afastar os olhos da unanimidade. Não se deixar levar pelos medíocres bandos para um banquete em que são servidos almas frágeis e bebido sangue em copos de massa de tomates. Não nos iludamos com os gritos que nos atravessam, eles não podem nos derrubar. São apenas impropérios sem fundamentos, nem direção. Se nos afetam é que estamos frágeis pra enfrentar de brisas a tornados. Sejamos fortes, dignos e verdadeiros. Só somos nós mesmos quando temos nas mãos o leme a bússola e os mapas todos da rota que pretendemos tomar ou quando vagamos de peito aberto, como um Dom Quixote insone, por mundos de sonhos e reais sem nunca fugir de uma boa briga.

 
 
s.e.s.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Trilhas: Dois - Legião Urbana


Se teve um disco (aqui é disco mesmo) que eu ouvi milhares de vezes, esse foi o Dois da Legião. Singularmente ele fez parte da minha vida, e ainda, em alguns momentos - como agora, em que estou escrevendo - volto a ele e encontro coisas para me encantar. Hoje em dia conheço pessoas que nunca ouviram ou não se ligam no que Renato Russo fazia. Se estão certos não sei, eu mesmo os escuto pouco agora, mas eu ouvia e isso era tão importante pra mim, que não se pode deixar de falar nisso.


***

Daniel na cova dos leões: uma rádio sendo sintonizado, metalinguagem? o que toca ao fundo é a própria banda. Biblicamente é dado partida na viagem. Dizem, os 'expertos', que a letra fala da homossexualidade latente do vocalista. Que a música é cheia de pistas como a tão citada parte: "teu corpo é o meu espelho e em ti navego" ou "aquele gosto amargo do teu corpo, ficou na minha boca por mais tempo". Nem é caso de discutir o indiscutível, pois Russo era mesmo gay (só assumiu muito tempo depois). Mas o que temos aqui, também, é uma pérola da insegurança adolescente. Nunca sabemos de verdade o que queremos, como faremos as coisas, e se o que pretendemos fazer é o certo ou errado. Ser gay era um princípio em forma de Esfinge para Renato, talvez por isso tanta ambiguidade.

Quase sem querer: violões, a bateria raquítica de Bonfá, o baixo mudo de Renato Rocha, nada disso atrapalha aqui. Uma das letras mais belas de Renato, e o universo se descortina. Solidão, indecisão, confusão, Renato, se tem a dúvida com a sua sexualidade, agora tem uma banda e ele sempre sonhou com isso. Sua força vem da alegria de ser como seus ídolos, Morrisey, Curtis etc. E ele pode se entregar a criar canções tão encantadoras. O que tem demais nessa música? Quase nada, vejo hoje, mas era melodiosa, fácil de cantarolar - até pra mim sujeito que não acerta uma letra. O rock descomplicado, simples e assobiável: "o infinito é realmente um dos deuses mais lindos"; e lá íamos nós, pra onde? Lugar nenhum, mas pelo menos tínhamos agora uma turma que gostava da mesma coisa, e tíhamas algumas canções para cantarmos perto do fogo, pois de tão indigentes qualquer um aprendia a tocar no violão; melhor que sertaneja.

Acrilic on canvas: eu acho essa a melhor do disco (é disco mesmo). Adoro pela excelente letra - quer dizer, eu acho excelente. Mas é um jogo virtual, e não existia nada virtual naqueles tempos. É uma música cubista, um universo se descortina lentamente, como num jogo de armar. Letra, música e a imaginação de cada ouvinte. Quantos quadros não pintei mentalmente, quantas pessoas diferentes não surgiram. Quantas camas não desmontei? E tantos pedaços de cabelos diferentes, lisos, crespos não usei? Tudo era tridimensional, talvez ninguém tenha entendido assim, mas era. Uma poesia em que podíamos ver surgir um quadro com diversas partes montadas, com inúmeros ângulos e possibilidades. A música quebrada, com um baixo passeando, uma guitarra deslizando, a bateria marcando uma cadência simples, o vocal despejando ações, fatos. Podemos ver Renato pintando, trocamos de lugar com ele, e logo estamos todos perdidamentes mesmerizados.

Eduardo e Mônica: nunca aprendi essa letra inteira, nunca. Eu acho isso o máximo, é inacreditável, pois minhas filhas não eram nem projetos, nasceram, cresceram e...aprenderam, eu não, quando a canto, até hoje erro. Não gosto dela, tocova demais, todos a amavam, alguns, estúpidos, trocavam os nomes. Seria hoje um bom post, num blog qualquer desses milhares que tem por aí. Mas é um dos mega-hits do disco, e fazer o quê né? Ouvia-se, cantarolava-se, balançava-se o dedinho no ar...etc.

Central do Brasil: gosto dela, instrumental que brota do nada, comprova toda a parquíssima 'catigoria' da banda em termos musicais, mas apresenta a sensibilidade da banda, e isso é tudo.

Tempo perdido: Legião Urbana no Globo de Ouro, era toda sexta feira, e eles passaram ums semanas indo lá. Era tosquíssimo, ridículo, mas mesmo assim ver Russo sacudindo os braços naquela dança esquisita e xamânica, era belíssimo. É, para mim, o grande hit do disco, letra e música dessa vez estão no mesmo nível. No show (yeah, eu fui num show deles) essa música era como chamar todos para um ritual de gritos e danças pessoais amalucadas (bom, na verdade, o público da legião era bem chatinho de tão fiel) e lá ficavam (alguns de olhos fechados até) "temos todo tempo do mundo" (não tínhamos). E, podemos perceber hoje, que sim, tudo foi um tempo perdido, e continuará sendo. Pelo menos naquela época, perdíamos tempo com Legião e não com um espúrio NX-0. Cada geração perde seu tempo com a banda que lhe apetece, ou que consegue entender.

Metrópole: "é sangue mesmo, não é mertiolate", sim, um punkinho para ouvidos desatentos. O que era legal na Legião passava por você não estar levando só uma banda pra casa, tinha todas aquelas entrevistas em que o Renato Russo despejava sobre seus fãs suas manias, seus gostos musicais, literários, cinematográficos. Quantos não gostam de The Cure, The Smiths, Joy Division e outras bandas mais, pois ouviram Renato falar o quanto gostava delas? Metrópole é isso, uma música urbana nº 1.

Plantas debaixo do aquário: todo disco tem que ter aquela música não tão tocável na rádio, nem apresentável em programas de televisão. A desse disco é essa, uma maluquice pós-moderna, de letra absurda e estúpida, até isso é 'legio omnia vincit', em alguns momentos era amar ou odiar. Aqui falava das paranóias da vida moderna, e a possibilidade de guerra atômica era uma delas, como era também a falta de confiança nas pessoas.

Música urbana 2: essa tem uma simplicidade total. Cássia Eller e a própria Legião gravaram outras versões melhores que essa, a da Legião está no "Músicas para acampamento", lá é mais bluesy, mais encorpada. A da Cássia está em um dos discos ao vivo dela, e é fodástica, como muitas das versões que ela fazia. Mas essa música vale aqui pra perceber mais uma das influências da banda: blues.

Andrea Doria: um barco italiano que naufragou com 1705 pessoas dentro, intertextualidade pra falar de fim de relacionamento. Renato era mesmo um excelente letrista, nunca criaria estupidez como essa que embala milhões de brasileiros hoje em dia: "Com esperança me sinto vivo/A bola é pra frente, o pensamento é positivo" (pausa para um vômito). El Russo falava de amor assim: "Às vezes parecia/Que era só improvisar/E o mundo então seria/Um livro aberto...", não dá pra comparar.

Fábrica: um panfleto do eterno punk Renato Russo. "Quem guarda os portões da fábrica"; "o céu já foi azul demais, agora é cinza, e o que era verde aqui, já não existe mais". Rimbaud e seu poema das cores chegam ao terceiro mundo (hoje só pode falar em países em desenvolvimento). Fala de um tempo em que se sofria muito por aqui; tempos em que “a esperança ainda não havia vencido o medo”; era uma terra inóspita, e sobreviver um 'pega pra capar'. Não mudou muito, troca-se uma peça aqui, outra ali, mas ainda e sempre, serão necessárias pessoas limpando o chão sujo da fábrica. Nunca teremos educação de verdade para todos, excelentes empregos pra todos, alguns sobrarão, naqueles ou nesse governo.

Índios: a letra dos nadadores ou atletas. Para acompanhar Renato era necessário fôlego. "Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo ouro que entreguei a quem...", e segue, num aranzel infinito. Letra feita no estúdio, antes da gravação do disco (assim reza a lenda), jogo rápido. Aqui um pianinho segue a letra, pontuando e animando para não acabar o ânimo. Mais um hit, agora as rádios e programas de televisão começavam a entender que as coisas tinham mudado definitivamente, ninguém iria mais cantar “sonhos de Ìcaros”, ou “whiskies a go-gos”, era o fim para todos. Depois que essa música se tornou a mais pedida, estava aberto o caminho para o triunfo do rock brazuca: “tentei chorar mas não consegui”.

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Hoje, vivemos num universo completamente diferente. As mídias estão por toda a parte, televisão, rádio, computadores, música sem invólucros, bandas que sobrevivem sem uma grande gravadora; a venda de cds quase no chão; a maior banda de rock'n'roll é formada por emos e agora por adolescentes coloridos que choram ao invés de cantarem. Tudo esboroou-se tiranicamente num muro de idéias rarefeitas. Titãs, Paralamas, Engenheiros sobrevivem e são nossos dinossauros; não foram destronados, apenas aposentados com elegância. Temos o triunfo do axé, Ivete Sangalo é "best of the best"; a música sertaneja continua firme e forte; nenhuma novidade no front musical, apenas Luan Santana, que é apenas uma reciclagem de idéias; um pensamento tipicamente anos 00. Amor, fraternidade, letras que falam de nada, que não reclamam de nada, que não querem nada, apenas chororos de pessoas que querem ser amadas, abraçadas e chega pois estou quase em vias de derramar um generoso vômito. Qual a importância da Legião Urbana nisso tudo? Com eles, nós éramos mais rebeldes. E viva Renato Russo, o nosso Simon Bolívar, o libertador que nos salvou das músicas bregas tocadas nas FMs e Cassinos e abriu a porta de uma nova dimensão, mesmo que hoje gostemos muito de música brega pois elas agora soam tão singulares aos nossos ouvidos. Coisas do tempo.







s.e.s.

Auto ajuda


"Uma boa noite de sono", faz com que você tenha uma "aprendizagem acelerada". Se juntarmos a isso "alimentação yoga e psicanálise" aumenta em muito "o poder fantástico do pensamento"; "a timidez vencida em 3 semanas". Temos muitos "jeitos de ser" e possibilidades de usufruir uma "vida positiva". "Atitude" é um dos meios, e também ajuda que você "se ligue em você" eis outra boa "estratégia para o sucesso". "Otimismo todo dia" é o que fazem os que estão sempre trabalhando "treinando líderes", e, se dá certo com eles, também pode dar com pessoas normais, como você, que está sempre buscando "o caminho da autotransformação", e querendo também, porque não, "alegria e triunfo" e o acesso que faz surgir "a escada do sucesso".


Só quando se descobre "como viver acima da mediocridade", entende-se que "querer é poder" e pode enfim dizer que está "vencendo a própria crise". Pessoas que conhecem "a arte de argumentar" encurtam a distância para o sucesso, usam e abusam do que chamamos de "o processo da criatividade". Então "e se...você começasse a agir?". É simples: "gerencie sua mente não seu tempo" e você disparará como um foguete "da pobreza ao poder". Use "a força do pensamento", faça girar "a roda da vida". Acredite pois "você tem o poder de mudar" "o mecanismo da vida consciente". Todos temos "centelhas de gênios" e podemos alcançar a pura e real "criatividade nos negócios", mas temos que estar sempre "cuidando do corpo, curando a mente", com o incrível e espetaculoso "poder da auto estima", o que também podemos chamar de: "a força mágica da vontade" ou "o caminho secreto".

É mais que "uma técnica de viver", é aprender, enfim, a usar "a inteligência humana" com "motivação". Utilize-se do: "'poder do dinheiro'; 'o poder da mente'; 'o poder do pensamento'; 'o poder do entusiamo'" e logo "a semente da vitória" fará com que você esteja, "superando o cárcere da emoção" e enxergando mais avidamente "a essência da realidade", que te levará para uma "vida positiva". Acredite, pois "o céu é o limite". Verá que "seus pontos fracos" não serão mais um empecilho pois "você tem a força" e tem "a vida em harmonia" pois "você merece" esse "reencontro com a harmonia" e verá que "só vence quem quer".

Bom, "você já sabe o que fazer", "como descobrir sua genialidade" e como alcançar "o coeficiente de confiança" que é "o que nos faz felizes". De agora em diante "salve-se quem puder", pois você tem nas sua mãos "a mola do sucesso", essa "janela visionária" que o fará descobrir "como atrair dinheiro" através dessa incansável batalha que é "a tempestuosa busca do ser". E, "vencendo a batalha interior", alcançando sua "libertação interior", falará assim: 'vejam como' "o dinheiro é meu amigo". E bastará simplesmente "ser você". "Não leve a vida tão a sério", abuse da sua recém conquistada "auto-estima" e verifique que "algo está acontecendo"; essas "ondas de transformação", que na realidade são uma "profunda simplicidade" que diz ao seu ouvido: "pense como um gênio", abandone essa "aeróbica mental", você tem "a força para vencer" e agora não fica mais "esperando o amor chegar", na verdade você se preparou bem, e "espere o inesperado". Terá agradáveis sensações com "um toc na cuca". Gritará ao mundo: "'querer é poder', eu comando o meu barco e vou atrás da 'arte do possível', 'porque é importante sonhar', dar 'um chute na rotina' e aprender a 'como ter êxito na vida' e uma 'educação pessoal' esmerada".

Senhoras e senhores: "a importância de viver" de conseguir "a revolução dos campeões", é simples: "dê o passo: a ponte estará lá", somos "heróis de verdade", logo, fechemos os livros de auto ajuda, leiamos um clássico, ou então compremos uma passagem de avião para os quintos dos infernos, e voilá, veremos a felicidade ao alcance das nossas mãos.






s.e.s.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

09:32


Tanta coisa para se pensar. Tantos problemas por resolver. Outros para criar. Mesmo estando o país numa época iluminada (como dizem os iluminados), tanta gente vagando por aí. Bêbados, mendigos, malabaristas e mágicos de sinal. O mundo à beira de um colapso por falta de mão-de-obra qualificada. O horror! O horror! O horror! As escolas ensinam a resignação. As Igrejas doutrinam a paz e o amor. A família grita: estude para ser alguém na vida. Todos têm uma opinião para melhor fazer as pessoas serem ordeiras, pacíficas, porcos à beira do precipício. Enquanto o mundo gira. Enquanto todos acham que o silêncio é a melhor arma. Enquanto os sindicatos beiram o ridículo em pelegar o governo, a vida segue impávida. Os rebeldes são abortados nas manjedouras. Essa pausterização do todo, apaga as luzes do futuro. Nunca, de maneira nenhuma, conquistou-se algo sem luta, e é isso que prega esse governo atual. Justo eles que clamavam no deserto contra tudo e todos, agora pregam a paz e o amor. Pregam o não à greve. Ao direito mesmo de se pensar em greve como instrumento de luta. Desestabilizaram todas as lutas sociais, cooptando todos os lutadores. Simplesmente paga pelo silêncio, ofertando migalhas de pão velho. É o fantasma da velha inflação que ronda. É a companheirização que grassa a torto e a direito. Mesmo assim, com tantas coisas por fazer e lutar, mesmo que o mundo não esteja girando corretamente no seu eixo. Mesmo que o trem esteja mais pra lá que pra cá, hoje todos pararam pra ver o beijo real - exatamente às 09:32.


 
w.a.

Mortes particulares...

Morro todo dia um pouco. São mortes tão imperceptíveis que tem dias nem eu sinto bem. Sãos os pedaços das unhas que se vão. As cutículas que teimam em se soltar e que eu arranco com a ponta dos dentes. Saem de mim líquidos e excrementos; sai saliva, suores, pele, alguns cabelos desabam, outros, assustados, embranquecem. Mato lentamente a suave estrutura do meu ouvido ouvindo música em volume pouco considerável, isso depois de enfiar um suave cotonete e esfregar até me cansar ou ele sair amarelado. Raspo meu pé com lixa e a delicadeza de uma girafa num quitinete, cai um fino pó, raspas de um morto-vivo. Cuspo. Escarro. Me ralo. Pedaços de mim vão ficando pelo mundo. Do meu nariz endurecidas secreções eu tiro, embolo e atiro longe. A vaidade me faz arrancar rebeldes pêlos brancos do peito, fingindo um tórax adolescente num corpo enruguecido. Aparo os pêlos das axilas, do púbis, dos dedos dos pés, das narinas. Os pêlos da costas, resignadamente, peço que tirem com uma pinça. Morro todo dia um pouco, lentamente. Chego a achar que estou menor, pois com o tempo, os pequenos bocados de mim que ficaram pelo caminho, somados, fazem falta. E no meu interior as mortes enlouqueceram, elas se sucedem e me sucedem. Uma angústia infinita toma conta de mim, os meus espaços interiores parecem ser pequenos para me caber dentro. Tem dias que não estou confortável em mim. É como se minha roupa tivesse ficado um número menor e os ossos tivessem inchado. Não é nada. São minhas mortes particulares. É o minguar dos afetos. É a falta de prumo ou rumo. Eu "me matei uma vez quando o tempo era escasso", não foi uma boa morte. De outra vez a morte melhorou uma dor que sentia no baço, ela desapareceu sem deixar lembrança, ou a morte matou a lembrança do que nem era dor? Não sei. Toda vez que volto de uma morte sofro de esquecimentos. Mas posso dizer de cadeira que a morte "melhora o ritmo do pulso e clareia a alma". De certo eu só tenho comigo que "morrer de vez em quando é a única coisa que me acalma"... por isso sigo morrendo aos poucos, com a mesma vontade que como um doce de abóbora ou escuto uma música recém-descoberta: morro por gulodice e para ouvir a paz. Mantenho a mesma febre de leitura. Terminar um livro é morrer um pouco. Não terminar, também. É tão bom estar morto ás vezes, nem que seja para ouvir: é um bom morto agora, em vida, era ainda melhor... o elogio me recompõe. Um dia calmo também.







ps: o que segue em aspas é do Paulo Leminski... um grande poema...

terça-feira, 19 de abril de 2011

A arte do chá ou Rapsódia em abril



“Ainda ontem convidei um amigo para ficar em silêncio comigo”, ele veio. Durante o tempo em que permanecemos ali o som do nada preencheu nossos instantes. O nosso silêncio foi machucado duas vezes pelo silencioso combate de outros seres; num deles, uma aranha assanhada abandonou sua tessitura e espreitava um inseto próximo. A aranha é tão silenciosa que até sua sombra ela parece deixar em casa na hora do jantar. O inseto inocente palmilhava a parede com saltos milimétricos. A aranha também de maneira milimétrica fazia o cerco. A aranha o inseto e nós, todos num silêncio constrangedor. Não podíamos avisar ao inseto que a morte o rondava. Não tinha como pedir para a aranha uma complacência em nome do nosso compungido silêncio. A fome, que não é silenciosa, gritava na aranha. Não quis ver o desfecho da cena, mirei outro ponto. Nele, um pernilongo. “De que música gostam os pernilongos? De Schubert, de Wagner, de Debussy?” Aquele, especificamente, parecia que tocava na banda da escola, quiçá tocasse pratos. Era desafinado e fora do peso, pois carregava uma pesada bolsa de sangue. Movia sem nenhum carisma e com uma lerdeza engraçada. Como podia ser, que no dia em que tiramos para chá com silêncio, surgisse um pernilongo desengonçado e barulhento para furar com sua sirene a noite? Mas, assim como ficar em silêncio é uma arte, aplacar a fome para uma aranha também o é. Perdido o inseto anterior, ela, aproveitando-se da inércia e o excesso de barulho do pernilongo mudou de vítima e atacou com destreza e sem piedade o obeso invertebrado. O silêncio retornou à sala, fomos testemunhas de um assassinato, até me comprometi mentalmente em depor contra a astuta aranha, que não deu chances para a sua vítima. Lembrei-me que coisas piores acontecem todos os dias fora dali, bem mais perto de nós, silenciosos humanos. Me fechei em mim. O silêncio silencia as culpas que porventura sintamos. Fatos trágicos, não tão trágicos, ou pouco trágicos, acontecem o tempo inteiro e nos quedamos silenciosos. Perdemos o nosso poder de indignação. Perdemos a simplicidade das ações. Não se bebe chás. Não se olha a lua. Não se aprende nada vendo insetos na impetuosa luta do dia a dia. Ponho um pouco mais de açúcar na minha xícara. Bebo o silêncio das minhas faltas.


"inspiração" dois trechos de poemas de Paulo Leminski e Rapsódia em Agosto do Akira Kurosawa.


s.e.s


segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pequena tragédia caseira



Passei uma tarde entre flores comestíveis, sorvi do néctar que me foi oferecido. Refestelei-me, sorri, demonstrei muita virtude em não ter pudor. A sorte me sorriu algumas vezes e eu corrompido pela desmedida acreditei-me infalível. Sorrateiramente, o cansaço chegou só para mim. Evadi-me para um lugar seguro. Até pensei, no silêncio da minha fuga, em voltar e resistir bravamente à onda que tudo carregava. Mas meu erro fatal já havia sido cometido e a punição estava a caminho. Voava ligeiro nas asas da companheira, que furiosa não aceitou a interrupção do bailado da abelha em volta da flor. Taças quebradas, pratos quebrados, sussurros nervosos, uma energia que emergia incontrolável. Uma dor de séculos renascia. A da fêmea desprezada, antes da sua satisfação se completar. Eis o meu destino cego, sempre recomeçar até a certeza de que a catarse se instalou e o êxtase quebrou o inquebrantável (des)equilíbrio dela.




s.e.s.

Trivias políticas

MacDonald's e maconha


"O líder do PT na câmara, Paulo Teixeira (SP), disse que, se comer sanduíches do McDonald’s, “talvez o maior crime”, não é proibido, o governo não poderia impedir também o plantio de maconha. “Cabe ao Estado dizer que faz mal à saúde. Não existe crime de autolesão. Se eu quero, eu posso usar, tenho direitos como usuário. E isso o Estado não pode te negar".

Infelicidade não escolhe a hora para sair da boca de estúpidos. Como pode comparar cannabis com big mac? Não dá, assim não é possível. Mas para todos os efeitos, como ambos são um lixo, o pensamento menos ruim seria esse: se um é proibido o outro deveria ser também, não esse pensamento tortuoso de iluminista em festa funk.

Campanha nacional de desarmamento

O novíssimo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, saiu-se com essa: “Não [se] entra na casa das pessoas para ver se tem dengue? Tem que ter uma maneira de entrar na casa das pessoas para desarmar a população”.

A bondade é algo belo de se perceber nas pessoas. Entrar na casa do cidadão para salvar o cidadão do risco maior que o cidadão pode impingir a si próprio. O cidadão, este ser é ingênuo, necessita de um Estado generoso que por excesso de zelo e bondade entraria porta adentro na casa das pessoas, revirando tudo atrás de armas; belo, perfeito, inimaginável. Cabeça de cocô. Estudou tanto pra isso? E a Constituição? Ah, essa não pode nada contra a bondade.

Lei seca mineirinha

"O senador Aécio Neves (PSDB-MG) deu dois maus exemplos na madrugada de sábado, no Rio: dirigia com a habilitação vencida e se negou a passar pelo teste do bafômetro. Sua Land Rover foi parada numa blitz na avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon, às 3h, a poucas quadras de seu apartamento. Foi multado em R$ 957,70 por recusar o bafômetro e em R$ 191,54 pela habilitação vencida".

Parar um cara numa Land Rover já é uma ousadia, chega a ser um displante. Parar o Aécio Neves, neto de Tancredo Neves, pegar ele com a carteira de habilitação vencida e ainda meio encachaçado, de tal maneira que ele se recusa a bafometrar, hum... Tem horas que eu acho que esse país tá no caminho certo. Mas só dele estar numa Land Rover, madrugadão, com uma bela mulher do lado, isso merecia não uma multa mas uma salva de palmas, um (em voz alta) vai tranquilo senhor e um (em voz baixa) achava que esse cara era gay: velhão, solteirão, esquisitão, sei não, ufa!. O cara é másculo mesmo, dirige bêbado, não faz o testo do bafômetro, com uma gata do lado e ainda com a carteira vencida, putz, mó punk de terno.

FHC e o povão

Vai chegar uma hora que o FHC vai embora daqui. A capacidade de estupidezes construídas envolvendo seu nome o condena a um ostracismo involuntário. Tudo o que ele fala, não presta, pela ótica de alguns ilustres jornalistas comprados pelo poder. Tudo é passível de ser distorcido até se transformar em outra coisa. Sei não, como as pessoas não debatem ideias mais tudo é pré-texto para denegrir a pessoa. Tratam FHC como um câncer maligno desse país, singular, muito singular. Povo de mente curta.




w.a.

terça-feira, 12 de abril de 2011

O pesadelo de Machado ou "esta a gloria que fica, eleva, honra e consola"



ANTES:


Discurso de Machado de Assis, proferido na sessão de abertura, em 20 de julho de 1897.

"Senhores,

Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança.

Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, e aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova, naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige, não só a compreensão publica, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloqüência nacionais é indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão".


DEPOIS, MUITO DEPOIS...




"ABL concede sua honraria máxima para Ronaldinho"

Não tenho", declarou Ronaldinho ao ser questionado sobre seu livro predileto.

Para encontrar os "imortais", ele fez uma pequena mudança no visual. Deixou as camisetas estampadas de lado e usou camisa social preta e calça jeans. Além disso, escondeu suas correntes de ouro dentro da camisa.

"Pretendo trazer a minha família aqui. É sempre bom ter contato com a cultura. Vou aproveitar a visita para pedir umas dicas de livro para os acadêmicos", afirmou.


Machado deve estar revirando no túmulo!!!



w.a.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Os alquimistas estão chegando


Dentro de mim uma algaravia de sons e palavras. Textos e mais textos misturam-se aos meus pensamentos. Trechos de músicas chocam-se com pedaços de palavras. Estalidos de baterias roçam parágrafos aleatórios. Fragmentos de guitarras abraçam-se com pedaços de poemas; o grave sonido do contra-baixo corta frases inteiras. Da minha barriga sons emergem como uma sinfonia. Consigo pressentir as vogais deslizando por sobre a pele. As consoantes, essas não, aparecem dos lugares mais estranhos. Parece que elas se agarram e não querem subir para cumprir suas obrigações de formar palavras. Uma sinfonia de palavras, eis como me sinto. Cada passo que penso em dar corresponde a um som. Cada pensamento surge em meio a um vendaval de palavras embaladas por músicas alheias. Cada som que ouvi, cada palavra que li agora parecem ter se rebelado dentro de mim. Transpiro pontuações. Cuspo notas musicais. Vomito uma sopa de letras. Estou em meio a uma grande alucinação. Desespero-me. Tapo os ouvidos com protetores; vendo meus olhos; intento não pensar em nada. Uma palavra sobrevoa o cérebro. Disparo contra ela a ordem de que se cale, essa ordem ecoa e liga uma nota musical, de repente escuto uma breve e pontual música pop. Pop songs grudam como chicletes, sacudo a cabeça, percebo que algumas letras desabam sobre mim. Retiro a máscara, olho em volta, estou numa poça de letras mortas, restos de sons, interrogações mil. Busco uma calma que não tenho. Volto a ouvir, respiro profundamente e sinto mexer dentro de mim poemas antigos. Trechos de contos, partes de livros. Um piano insurge-se contra minha tentativa de silêncio. Fica martelando um Beach Boys, uma, duas, três vezes. Sinto um leve roçar de Sylvia Plath, meu dedo dói. "Cem anos de solidão" estraçalham minha mente. Sou um dos Buendía mas a trilha sonora é uma música do Teenage Fanclub. Não quero mais brincar. Cansei. Resolvo sair de casa. Visto-me, procuro a chave para sair desse apocalipse; nos bolsos da calça salta um aforismo de Nietzsche que jogo pela janela. No meu corpo há uma proliferação de palavras alheias. Parece que estou com uma doença de pele, olhando de perto percebo, com assombro, que tenho hematomas, as letras têm cores, como previu Rimbaud. O A é negro, o E é branco, o I vermelho, o O é amarelo-ouro , o U de um verde-árvore-nova que me assusta. Algumas consoantes rompem a pele para se mostrarem no seu esplendor, Kas agressivos, pelo pouco uso, ardem-me; repito mentalmente kriptonina, kriptonita, tentando acalmar sua fúria. Os arroxeados da minha pele são de um negro espartilho peludo de moscas em tumultos. Exala de mim um fedor cruel. Não sorrio, meus dentes perderam o branco leitoso e agora surgem como sangue cuspidos. Essa alquimia infernal só cede quando mudo de ideia e me decido por um banho gelado. As palavras e os sons vão me deixando. Olho fixamente para o chão, piso letras e notas. Afasto do meu cérebro os últimos resquícios de pensamentos confusos, vou ficando limpo. Volto a pensar em coisas simples, tenho fome, sinto a pele ardendo, acho que respirei indevidamente uma frase do capítulo sete do "Jogo da Amarelinha" do Cortázar. Cuspo um poema inteiro do Borges, minhas últimas leituras vão em abandonando, textos de Carpentier, Todorov, Lessing, Campos, um horrível da Cevasco, outro do Hall, e ainda um Bordini. Sinto-me como num conto do Poe, explicado pela modernidade de um Rosenfeld. As músicas perdem-se ralo adentro... lá se vão os novíssimos acordes do Midlake. vejo com alegria quando percebo que Bakthin e Cândido saem de mim misturados com letras de música do Luan Santana que eu não ouvi propositadamente. Estou purificado. Abro uma cerveja, como azeitonas, evito músicas e livros, resolvo dar banho no cachorro, retiro dela carrapatos e mais carrapatos, sinto que ela também está impregnada de males, sento-me no chão e vou meticulosamente limpando-a, meu cérebro está apaziguado, por hora.



s.e.s

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Poemas concebidos sem pecados"


Durante muito tempo concebiam a poesia olhando para fora de sua janela. Admiravam todos aqueles mágicos da palavra que contavam histórias, fabulavam, inventavam e os encantavam. Rosa, Ramos, Drummond, Bandeira, os Andrades, entre tantos outros. Morar na periferia do Brasil era complicado, mesmo assim tentava-se manter as virtudes, fugindo ao sofrimento do dia a dia, lendo. Ler sempre é um bom lenitivo para as doses diárias de complicações que por ventura possa-se ter. Mas nunca eles se encontravam naquela poesia. Essa visão de alteridade produzia neles uma falsa impressão de presença, na verdade não eram. Ainda não haviam conduzido as sensações para o reino de papel. Ficava apenas no quase. Queriam mais e o mais se fez. Foram apresentados ao "Cabeludinho" (primeiro poema do primeiro livro de Manoel de Barros) e um novo mundo se criou. Por mundo leia-se um horizonte olhado de dentro de casa.

O ser Manoel de Barros têm raízes pantaneiras, a pessoa Manoel de Barros viajou o mundo, o futuro poeta misturou quereres num tempo repleto de transformações, o poeta Manoel de Barros condensou suas influências e da sua pena brotaram singularidades. Nascido na periferia de um país gigante, foi como um estrangeiro dentro do seu próprio país que ele morou no Rio de Janeiro. Esse estrangeiro só estava em casa no seu chão e o seu habitat natural era puro e virginal. Como um ser mutante se enuncia depois de perceber as dores do mundo e não reconhecer no outro as características mais simples? Ser multicultural antes que ser multicultural se tornasse quase um palavrão ou uma obrigação politicamente correta. Por sermos periféricos todos somos multiculturais na nossa essência mesma. Nossa visão de mundo nunca será a mesma das pessoas que vivem nas grandes metrópoles. Os grandes vazios populacionais, os grandes silêncios dos lugares que vivemos contradizem frontalmente os das pólis que acabamos conhecendo pela televisão, por fotos de revistas. Um caboclo, mesmo sendo da elite dos caboclinhos, Manoel foi transformado pelas suas andanças.

O mundo fez o poeta? O poeta fez um mundo para si? Ou mundo e poeta se misturaram numa algaravia incontrolável? Quem poderia explicar? Sabe-se que Manoel bebeu na fonte modernista, sugou do tormento das vanguardas, liquidificou tudo e o que surge sempre é uma palavra renovada que cheira leite morno. Esse passo à frente que Manoel propiciou para a poesia teve um nascedouro e ele chama-se "Poemas concebidos sem pecados", e nele ainda percebe-se um tímido e vacilante eu-lírico quase auto-biográfico. "Poemas" é um livro mínimo quando comparado a tudo o que se produzia no país à época. Mas para esta região abandonada do país é como se um Homero tivesse brotado do chão. Compulsando a vida interiorana, retratando um povo sofrido, que luta, como "Maria-pelego-preto", seu "Zezinho-margens-plácidas", a "Negra Margarida e claro "Cabeludinho"; eis que surge uma quantidade impressionante de pessoas que vivem e sobrevivem às margens da grande sociedade.

Tornar a esse Manoel de Barros, agora com esse olhar de quem pode perceber a diferença é encher os olhos numa vasta fonte de informações culturais. Como fazer para compreender Manoel então? Utilizando-se das armas dos formalistas que diz que a resposta está no texto, nada pode estar fora dele? Fazer como os estudos culturais que dizem: olhem, busquem a diferença, o periférico, a informações extras? Fazer como os acadêmicos com suas monografias que se atracam às suas páginas e tiram de lá eros, tanatos, realismo mágico, pós-modernismo, niilismo, tudo de maneira tão correta quando confusa? Não sei. Não existe uma resposta para isso, ler, se as pessoas somente lessem os livros, isso já seria um grande avanço. E esse livro, que completará 75 anos no ano que vem, ainda é tão abandonado e desmerecido que qualquer que seja a leitura crítica que façam dele, já terá sido um avanço no reino das letras.



s.e.s.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"O mundo das palavras encolheu"


Havia um tempo em que a palavra comandava todas as ações. Vivia-se a palavra com muito mais ênfase do que se vive hoje. Na Bíblia está: "E Deus disse: faça-se a luz e a luz se fez"; desse princípio simbólico para a palavra até os dias atuais essa mesma palavra alcançou os píncaros da glória e hoje definha a olhos e ouvidos vistos. A palavra tinha tanto poder que nenhuma grande proposição daquelas que mudaram o mundo surgiram ser estar ancoradas nela. No tempo em que não existiam telescópios poderosos pretender informar que a Terra girava em torno do Sol só era possível através de textos, muito bem escritos. Darwin só revolucionou o mundo com o seu "Origem das espécies" pois suas palavras fizeram sentidos para a multidão de leitores e detratores dele. Freud criou a psiquiatria porque as suas explicações eram muito convincentes para quem o lia. Deus só existe como construção quase real, pois a sua "palavra" existe, e é palpável, podendo ser lida, relida e interpretada através da Bíblia, do Corão, etc. Shakespeare sozinho é responsável pela criação de mais palavras que algumas pessoas nunca falarão. De lá pra cá fomos desaprendendo, ou quem sabe fomos terceirizando a palavra separando tudo em mínimas partes. Um matemático russo consegue se entender com um matemático islandês somente através das fórmulas matemáticas, eis o silêncio da palavra. Com o passar do tempo, com a fraqueza das escolas, das famílias, dos alunos, é muito mais cômodo e prático reduzir o número de palavras empregadas, chegando assim a quase existir um linguajar de encomenda. Assista-se a televisão e ver-se-á que nos jornais não existe lugar para repórteres rebuscados, com linguajar escorreito e perfeito, pois os mesmos perdem a razão de ser quando se sabe que fala para milhões de ouvintes que esqueceram há tempos o significado de uma quantidade enorme de palavras. Ocorreu uma doutrinação pelo menos, a quantidade de palavras utilizadas beira ao semi-analfabetismo. As palavras, com a comunicação de massa, perderam o poder de conotação. As figuras de linguagem e de pensamento foram abolidas, escanteadas. Na literatura de hoje em dia o escritor precisa dizer muito mais com menos recursos, não pode se debruçar sobre o vasto repertório existente sob pena de ser considerado pedante, arrogante. Os leitores na maioria das vezes não conseguem ir além das proposições mais simples. Hoje quem comanda o mundo é a linguagem da informática, nós, pobres seres humanos, capengamos nesse mar de novidades, teclando cada vez menos palavras, para darmos conta de tanta informação que nos circunda e que nos atravessa. Somos trespassados pelas palavras, mas as palavras já não significam tanto. A palavra de hoje em dia está gasta, como propôs Steiner. A utilizamos até o limite, e compreendemos, enfim, que para sermos atendidos em nossos desejos temos a necessidade mais da potência, brevidade e repetição do grito que da força de uma grande exposição. Em tudo isso se vê a mão obtusa do mercado. Uma propaganda não necessita de grande quantidade de palavras para ser entendida, logo, como se consegue vender produtos com jingles e não mais com músicas, com bordões breves e obtusos até, por extensão vamos desnecessitando de uma grande quantidade de palavras para nos comunicarmos e elas vão sendo abandonadas aos dicionários.




s.e.s

quinta-feira, 31 de março de 2011

Rainha de copas


O deputado Bolsonaro se encrencou de novo. Falastrão, boquirroto, foi ao CQC e num 'se levanta que eu chuto', chutou o pau da barraca. Defendo ele naquele caso, não que ele mereça isso, apenas dá pra perceber que a resposta, horrível e que seria horrível também se fosse a resposta para a qual ele pensava estar dando a resposta, ainda assim dá pra ver que ele trocou as bolas e mandou ver um monte de impropérios em cima da Preta Gil. Não contente depois do primeiro burburinho criado, no outro dia, agora no velório do Zé de Alencar aprontou outra e mandou ver que não liga a mínima para os gays. Até aqui são fatos públicos e notórios, daqui por diante ninguém sabe onde isso vai parar.

Ninguém paga nada por falar de menos, não? Quando você confunde seus credos, suas ideologias, seu modo de perceber o mundo achando-os únicos e acima de qualquer suspeita, você está a meio caminho da desgraça. Bolsonaro faz isso, parece que é um marketing com método. Ele não fala as barbaridades que diz em público sem saber que o faz para "o seu público". Ele é um deputado, necessita de votos para se reeleger e se reelege eleição após eleição, logo ele tem eleitores fiéis. De tempos em tempos jornalistas espertinhos, que precisam de uma manchete, o entrevistam, e ele não se faz de rogado e manda falatório nos assuntos que acredita estar com a verdade. A verdade quase nunca está com ele. Pessoa que parece parado no tempo, estagnado numa concepção de um mundo ilídico, perfeito; um universo ariano permeia a cabeça do deputado, mas quanto a isso ele não está sozinho e muitos adoram seu estilo pois têm também um universo parecido em suas cabeças, apenas sabem que não sãos deputados e nem contam com foro privilegiado para discutir qualquer encrenca.

O deputado acabou dando de bandeja sua própria cabeça. É que o mundo mudou. Aquele tempo preconceituoso, elitista, (em tese) acabou, ficou para trás. O mundo está sendo reordenado e as minorias agora podem clamar por igualdade e fraternidade do alto das suas trincheiras de batalha, e, como ninguém é bobo e os tempos mudam, o mais certo para que um passado não tão remoto volte a assombrar é ter uma lei para chamar de sua, se não tiver uma lei particular não serve. E eis que o deputado se presta a esse serviço. Seu destempero verbal, permeado de um pensamento fascista serve à causa justamente que mais odeia. Seu ódio, ao meu ver é injustificável, mas ele será imolado vivo, as minorias precisam de um copo de sangue fresco para comprovarem suas teses.

Nesse diálogo de surdos em que estar ao lado das minorias parece mais ser uma obrigação moral, tal e qual as bolsas governamentais (quem está contra é contra o povo), o discurso errático do Bolsonaro serviu sob medida e as ditas minorias ficaram com o queijo e a faca nas mãos. Todo mundo precisa ter como se defender de pessoas como Bolsonaro, ainda bem que por terem sido minorias durante tanto tempo agora mostrarão que são pessoas centradas, equilibradas, o perdão pende diante da cabeça do detrator. Os jacobinos só gritarão: "cortem-lhe a cabeça", e todos ficarão satisfeitos por verem cair uma cabeça que não a sua. Só uma pergunta, quem nos defende dos radicais contrários a Bolsonaro?

O silêncio é a chave, e da arquibancada assistiremos as próximas rodadas. Será isso que Martin Luther King chamava de o silêncio dos bons? Eu sou bom? E o que manda a Constituição? Dane-se a constituição se for para o bem da cidadania? Deixa ver... claro que não!!! Errou que pague, mas que não precisemos tirar as crianças da sala por conta disso, como um grande espetáculo pedagógico do tipo "tá vendo? Não mexe com a gente!". E a moderação morreu de overdose.



w.a.

O céu pode esperar


José de Alencar morreu. Foi um grande homem em vida. Merece todas lágrimas, todos os rostos compungidos. Foi um lutador, sempre. De infância pobre alcançou os píncaros da glória sendo empresário bem sucedido e ainda, glória das glórias terrenas, vice-presidente e por extensão diversas vezes presidente em exercício do Brasil. Agora terminado esse ciclo já vi muitas charges mostrando um Zé Alencar todo vestido de branco, subindo as escadarias do céu. Senhores, tenho uma triste notícia para lhes dar: acabou. José de Alencar que intentou viver mais e mais, num apego maravilhoso pela vida, no íntimo sabia, só se vive uma vez, e Deus, que Nietzsche já matou há tempos, continua morto e enterrado. É chato acabar com uma festa tão bonita, para uma pessoa que valorizou a vida mais que muitos. Para quem não compreende isso, e vive esperando o maná tornar a cair, não cairá. Que vive esperando a arca perdida, a arca era uma metáfora. Agora, enxugado as lágrimas, a nossa vida continua, bola pra frente que atrás vem gente, pois o paraíso e o inferno se realiza todo dia dentro e ao redor da gente e a morte é o sentimento de perda que sente quem fica não quem vai. O céu não passa de mais uma figura/imagem/símbolo, acho que vocês conseguem lidar com isso...




a.p.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Borges extraterritorial


Hoje em dia Jorge Luis Borges, o escritor argentino, é uma sumidade. Nem sempre foi assim. Sua repentina fama data do ano de 1961 quando ganhou juntamente com Samuel Becket o prêmio Formentor. Depois disso o mundo repentinamente sentiu-se atraído por quase tudo que ele escreveu, e passou-se a consumir avidamente suas estranhas iguarias. Ironia das ironias para quem vendeu apenas 37 exemplares do primeiro livro. Hoje em dia Borges é uma marca, sozinho é uma empresa lucrativa que vende muito a cada reedição. Suas monomanias agora tornaram-se a dos leitores: livros, bibliotecas, a cegueira, espelhos, labirintos, tigres, um outro eu, o tempo. Pensar que talvez por não ser tão conhecido Borges pudesse ter abandonado tudo, começado a escrever sobre outros assuntos, mas não, ele sempre permaneceu fiel a si mesmo.

Borges depois de conhecido mundialmente passou a ser copiado ostensivamente. Suas características podiam ser simuladas por escritores atentos, e foi o que fizeram, criaram do universo borgiano uma alegoria kafkiana, um mundo inundado de alephs, suspenses, intrigas. Mesmo assim, impressiona como um mundo particular ultrapassa o espelho e atinge todas as realidades possíveis. É que por trás das peculiaridades borgianas tinha um gênio de extremo e apurado rigor linguístico. Tudo é linguagem e a linguagem que salta da erudição de Borges é quem mantem de pé, por tanto tempo, o edíficio de suas obras. Suas particularidades escondem-se sobre o manto da universalidade, Borges está em casa em casa falando o inglês, francês, alemão, italiano, português, anglo-saxão e nórdico antigo, e é óbvio o espanhol, sendo que ainda tentou aprender japonês quando era bem velho. Borges é extraterritorial, escarafunchando o mundo que o rodeia, sendo guiado pelo seu "báculo indeciso", penetrando em diversas culturas.

Como explicar sua intrincada trama de alusões bibliográficas, reais ou inventadas; as citações são ás vezes tão eruditas que deixam o leitor perdido; suas referências cabalísticas, filosóficas, fazem, nesse tempo em a sabedoria parece ter fugido da face da terra, perceber que seu conhecimento beira a uma construção surrealista. É surreal o modo como Borges inventa e se reinventa o tempo inteiro sem sair do mesmo lugar. Repete, repete mas nunca se repete. Borges faz um inventário da civilização, salvando pequenos fatos do ostracismo, dando-lhe uma nova concepção, tornando desnecessidades em fatos quase reais e profundos, a golpes de muita imaginação. Toda sua estratégia baseia-se em reagrupar "peças da realidade sob a forma de outros mundo possíveis".

Sua concisão é o lugar de onde se enuncia. Do formato de contos, que teve por mestres Tchekov, Maupassant, Borges ergue um mundo extremamente fechado. Se hoje podemos dizer que temos uma vasta memória, Borges está na origem dela. Sua brevidade, aliada a sua erudição, somado a uma imaginação prodigiosa ainda assim não conseguem explicar de todo o fenômeno Borges. Ele mesmo explica que sua visão, a princípio fraca, depois nenhuma, o obrigam a compor mentalmente e que assim erguer um romance seria uma prova de força, uma complicação desnecessária, logo, acabou criando no formato de contos obras-primas justamente por conseguir de um só folêgo contar uma história que necessariamente não precisava de um fecho, ou até mesmo podia ficar sem aprofundar muitos fatos.

Borges insere-se nessa categoria dos escritores que partindo do seu idioma pátrio, conseguiram através da apreensão de novos idiomas, uma complexidade no modo de pensar; um, talvez, olhar oblíquo diante de um mundo estranho. Como Becket, Nabokov, Wilde, Pound, Conrad, Borges ultrapassa a barreira da linguagem, expressando-se ou compreendendo outras línguas. Esse acesso a uma infinidade de possibilidades textuais ampliaram seu universo pessoal e ao misturar nesse caldo extraterritorial suas teimosias ou credos, surgiu esse Borges colossal que temos hoje. Uma soma misteriosa de partes localizadas em bibliotecas esquecidas. "O grande escritor é tanto anarquista quanto arquiteto, seus sonhos solapam e reconstroem a remendada e provisória paisagem da realidade".


Fonte: "Tigres no espelho". In: STEINER, George. Extraterritorial - a literatura e a revolução da linguagem.



s.e.s.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Bullying piauiense


Não é de hoje que na grande escola que é o Brasil o Piauí vem sofrendo bullying. Sempre aparece um grandão e dá uma chapoletada na orelha do estado. Parece que é engraçado fazer isso. O Piauí, coitado, sofre; sofre, mas não sofre calado. Quanto mais apanha, quanto mais sofre bullying, mais ele se agiganta. O Piauí está de cabeça quente, chateado mesmo.

Da outra vez foi o presidente da Philips que disse a singela frase: “se o Piauí deixasse de existir, ninguém ficaria chateado por isso”. Foi transformado em persona non grata no estado. Mesmo pedindo desculpas uma onda de protestos grassou o tortuoso estado. Agora um ator de teatro – Marauê Carneiro, na véspera de apresentar uma peça, disparou sua sentença de morte numa postagem no Facebook: “estamos em Teresina, do Piauí, se o mundo tem cu, o cu é aqui”. Que beleza. Levou outra saraivada de tapas na orelha (metafóricos, é claro). Saiu ameaçado de fazerem omelete na sua cabeça.

Tem algo de errado com o Piauí que eu não saiba? Todo mundo quer tirar uma onda com o estado? Se fosse pelo tamanho tinha que sacanear Sergipe, o Distrito Federal, Alagoas quem sabe, ou o Acre, esse sim um bom lugar para ser o cu do mundo, não? Longe pacas e ainda lembra uma boca aberta de um desenho animado. Mas não, vira e mexe eis que alguém apronta com eles, os piauienses.

Todo mundo sabe que o bullying é pernicioso para quem o sofre. Pode aquele que passa por isso desenvolver problemas psicológicos, ter sua alto-estima rebaixada pelas sacanagens sofridas. Podemos estar criando um estado que desenvolva tiques nervosos, que passe a demonstrar um ódio excessivo para qualquer pessoa que não seja nativo da região. Por isso proponho que, em retaliação aos sacanas que praticam o bullying contra o estado do Piauí, seja promovido o Dia do Piauí.

Todos terão que prestar sua homenagem ao Piauí, comendo suas comidas típicas, ouvindo suas músicas típicas, e tudo o mais que for típico da região. Nas escolas do Brasil inteiro as aulas serão sobre o Piauí. Em Geografia estudarão, ou melhor, apresentarão trabalhos sobre o relevo do estado, explicação para o estado ser torto parecendo um biscoito caseiro feito por uma criança ou um ectoplasma saído do filme Caça-fantasmas; falarão sobre os rios que cortam o estado. Na aula de História, é óbvio, contar-se-á a formosa história do estado, aproveitando para ver se encontram uma explicação para tanto bullying; será que o estado sofreu bullying quando era criancinha e não aprendeu a enfrentar seus problemas, e agora todo mundo aproveita para tirar uma casquinha? Na aula de Português os alunos aprenderão o piauiês, a variante lingüística do português na região, que como todos sabemos, não está certo nem errado, pois isso não existe mais, o importante é que o falante se comunique. Na aula de Literatura estudaremos Mário Faustino, Assis Brasil, Torquato Neto, Abdias Neves, Alvina Gameiro, Ovídio Saraiva, Licurgo Paiva, Hermínio Castelo Branco, Francisco Gil Castelo Branco, Da Costa e Silva, Abdias Neves, entre outros.

Quem sabe depois desse castigo severo, o Brasil não se emende e compreenda de uma vez por todas que bullying é crime. Deixem o Piauí em paz, senão o próximo passo é dar a independência para o estado, que passará a se chamar Oeiras, para poder esquecer seu passado de sofrimento com o bullying, e isso poderá ser o fim do Brasil como o conhecemos, logo depois teremos o país dos Farroupilhas, o país dos Barrigas Verdes, o dos Loiros de Olhos Azuis e em sendo assim, é óbvio que clamarei pela independência da Nhecolândia que foi onde nasci.



s.e.s

Yes, nós temos Bananas!


Na Europa a banana é, hoje, o símbolo máximo do racismo. Coitada da fruta. Decadência total. Já foi chapéu e não saía da cabeça da Carmem Miranda; era comida preferida do Guga entre um set e outro, quando ele dominava o circuito mundial, agora é uma forma metafórica de dizer: macaco e por extensão negro ou gringo. Países que produzem bananas deviam se juntar e exigir reparação urgente, estão denegrindo a banana, essa fruta saborosa e cuja antiguidade merecia um respeito maior.

A banana já foi chamada pelo romano Plínio de "a fruta dos sábios". Dizem até que a fruta que desgraçou Adão e Eva foi a banana e não a maçã, mas por ela ter esse sentido fálico optou-se pela maçã, vermelha, despudorada, para assim criar uma métafora consistente de pecado. Também contribuiu para o erro as traduções erradas para o latim do hebreu, na vulgata de São Jerônimo ele optou pela palavra "malum", que quereria dizer "malicioso", mas "malum" siginificava maçã em latim, assim adeus banana da Bíblia. Outro erro crasso de tradução seria a já famosa roupa do casal depois de expulsos do paraíso, segundo consta eles vestiriam folhas de figueira para cobrirem seus corpos nus, mas todos sabemos que folha de figueira não cobre nada, e isso seria outro erro de tradução, pois banana durante um bom período era chamado de figo. Logo Adão e Eva vestiam isso sim vastas folhas de bananeiras, ou então teriam criado os primeiros biquinis que setem notícia com as minúsculas folhas de parreiras.

O tempo e a história têm sidos péssimos amigos da banana. Desde Pápua-Nova Guiné, 5000 a.C., passando pela África, Oriente Médio, Europa, até chegar às Américas a banana teve uma vida muito atribulada. O nome banana foi dado pelos negociantes árabes, pois eles a chamavam de banan, que quer dizer dedo em árabe. A fruta uma vez aqui nas Américas sentiu-se em casa e proliferou à vontade. Mas uma vez na América nunca antes uma fruta havia mexido tanto com os poderosos. O homem já havia feito loucuras por ouro, prata, seda, temperos, açúcar, café e então passa a ser a banana a bola da vez. A Unidet Fruit em 1920 é uma megacorporação e manda e desmanda nos países em que tem terras e bananas. É uma época negra em que as empresas com todo o apoio da Casa Branca transformam seus territórios em verdadeiros países e criam o que se chamou de "Repúblicas das Bananas" para nações cujos governantes construíram-se e mantiveram-se orbitando entre as companhias e o governo americano.

Ora, se a banana não teve uma vida muito virtuosa não é por culpa dela. Fruta facilmente cultivável, aqui no Brasil vários quintais tem seus próprios bananais para consumo. Nos mercados uma vastidão de tipos para todos os gostos: nanica, prata, ouro, da terra, d'água. É preciso que se diga ao mundo que nós, brasileiros e porque não latino-americanos em geral não admitimos que uma fruta como a banana tenha seu nome atado a casos de racismo. Precisamos limpar o nome da banana, quem sabe agora os jogadores entrem em campo com cachos de bananas que seriam doados para instituições de caridade depois do jogo. Ou então no lugar das estrelas que indicam quantos títulos mundiais temos, colocarmos singelas bananas, numa edição limitada que tenho certeza venderá muito.

Quanto ao racismo não há muito o que fazer, descobrir quem são esses dementes, banir dos estádios isso já basta, pois um racista dificilmente deixará de ser racista por alguma didática qualquer, isso é questão de educação. Jogadores de futebol podem e devem se defender continuando seu trabalho dentro de campo, marcando gols, jogando bonito, já a coitada da banana essa precisa que a defendamos. A banana exige uma reparação.


w.a.

Diálogos sobre diálogos

Sabe como enfrentar o medo? Tendo medo de ter medo. Montaigne dizia isso: "a coisa que mais tenho medo é de ter medo", concordo. Mesmo que em momentos extremos eu não saiba como evitar que minhas pernas tremam, que minha voz não saia, que meus gestos percam-se na tentativa e no não acontecer.

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"Eu que tantos fui", Borges começa assim um dos seus inumeráveis poemas. Sempre me pego perguntando se essa monomania borgiana, essa obsessão pela repetição temática não está na raiz do seu sucesso. Repetir, repetir, repetir, até isso se tornar um estilo, foi Manoel de Barros quem escreveu isso ou algo parecido; Borges escrevia diversas vezes o mesmo conto, o mesmo poema, olhando para eles por um ângulo diferente e o resultado é que sempre parecia que estava falando algo novo, mas nada mais era que repetição.

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Pergunta ingênua: qual a razão das televisões brasileiras nunca passarem na sessão da tarde um filme argentino? Um filme chileno, uruguaio, mexicano, paraguaio (no Paraguai fazem filmes?); pois é, vou dar um chute, filmes latinos trazem uma realidade próxima a da brasileira, pobreza, lugares ermos e feios, corrupção, pessoas que fogem ao estereótipo dos filmecos americanos, logo, não existe o menor interesse de ninguém para que esses filmes sejam vistos. Por uma sessão da tarde menos idiota poderíamos criar uma campanha assim. Será que rolaria? Nunca vi ninguém defender nem o cinema brasileiro, quanto mais os dos hermanos de desgraça.

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O Brasil vive um momento de ufanismo total. Ser brasileiro está na moda, estamos surfando na crista da onda. Aqueles que ousam apontar defeitos, qualquer defeito que seja, são apedrejados até a morte da voz, como foi Madalena em alguma realidade alternativa. Mesmo assim, em meio a tanta coisa superlativa acontecendo, não consigo entender a razão da educação continuar um lixo. Sendo tratada com pão-de-ló estragado da publicidade, com professores desanimados e loucos para abandonar o barco antes que a insanidade os alcance, ou que algum aluno aponte para eles dedos de Judas ou pais os ameacem de morte por não passarem o filhinho querido do coração, mesmo que esse filhinho seja o pior aluno da sala, quiçá do mundo.

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O silêncio pudoroso de Dilma vem sendo confundido com talento. Os jornalistas - esses seres emblemáticos - vivem a tecer loas ao "estilo" criado por ela. Toda uma estratégia de marketing pra colar nela a imagem de uma pessoa que fala pouco e faz muito, justamente para ser uma oposição ao estilo Lula que falava demais e segundo a lenda fazia demais também. O importante é que acreditem que ela seja diferente onde tem que ser diferente e igual onde deve ser igual, afinal ambos são grãos de soja colhidos no mesmo campo, o do populismo. Em sendo assim ela só fala de vez em quando, em conversas e discursos escolhidos a dedo, mesmo assim, nesses momentos, transparece aquela mulher de pensamento e fala tortuosos e complicados de se entender; algo de bom nisso, está para ser criado uma profissão do futuro: tradutor e intérprete do dilmês que ela fala. Professores de Letras à postos, vamos mergulhar nesse lodaçal - ops - nesse mar de informações e colocar mãos à obra:

“Aqui, senhor presidente Obama, sucedo a um homem do povo, meu querido companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, com quem tive a honra de trabalhar. Seu legado mais nobre, Presidente, foi trazer à cena política e social milhões de homens e mulheres que viviam à margem dos mais alimentares (sic) direitos de cidadania”. (Dilma discursando na visita do Obamis)


“Na minha humildade, né, no meu chinelo da minha humildade, eu gostaria muito de ver o Neymar e o Ganso. Porque eu acho que 11 entre 10 brasileiros gostariam. Porque deu alegria ao futebol. Porque, a gente… Eu vi. Cê veja, eu já vi. Parei de vê, voltei a vê. E acho que o Neymar e o Ganso têm essa capacidade. Fazê a gente olhá.. Porque é uma coisa que, né, mexe com a gente. Tem esse lado brincalhão e alegre”. (Dilma batendo uma bolinha com a língua mátria)





s.e.s.

Manual do crente: a guerra entre-mundos


O maior desejo dos crentes é o de se separarem do mundo dos não-crentes. E as estratégias são variadas e metódicas. Há uma obrigação na interação, crentes precisam trabalhar, assim como os não-crentes. Crentes precisam de todas as coisas que os não-crentes. É uma concessão apenas. Conviver no mundano universo dos não-crentes é para eles pesaroso e complicado, para descomplicar eles erguem catedrais babélicas, organizam festas gospel, montam bandas gospel, adoram até o heavy metal dos não-crentes, mas o chamam de white metal. Em suma, como diz Borges criam uma cópia do espelho que chamam mundo e nele se regozijam. Há justiça aí? É óbvio que para todos cabe a possibilidade de escolher entre um dos mundos e nele tentar da melhor maneira se sentir bem. Mas existirá um tempo em que os mercados, os açougues, as padarias, o tio do churros, todos serão crentes e nesse dia espero que pelo menos as lojas de conveniências escapem desse surto, senão compraremos cerveja sem álcool e o troco será cartela de adesivo do smilingüido.


O grande problema é que se contrapor ao mundo não evita que tenham que viver no mundo. Não há concessão possível que evite o mundo. Crentes e não-crentes precisam do maior dos pesadelos do mundo: o dinheiro. Crentes e não-crentes são moídos pela grande máquina do mundo indistintamente. As empresas não perguntam sua religião, pelo contrário, para que os funcionários sintam-se bem dentro da empresa, toleram as grandes reuniões em que não se discute trabalho, os famigerados grupos de oração ecumênicos, enquanto isso acendem, os proprietários, vela para qualquer deus que faça que ao fim do dia, do mês e do ano, com que os cofres da empresa estejam mais abarrotados.

Nada melhor para exemplificar esse embate sangrento entre crentes e não-crentes do que o universo da música religiosa. Padres, pastores, ex-drogados, ex-atrizes, ex-sambista do diabo, ex-cantor de axé do capeta, 'ex-tudos' se misturam nessa algaravia chamada música gospel. Erguem as mãos, dão glória a Deus, fazem o mais refinado pagode do senhor, fazem o mais dramático rock n'roll, fazem até o bonde do senhor ou o 'gospelnejo' universitário. Segregam-se para melhor poderem viver a sua fé, sem que os outros, os não-crentes venham se misturar ao bando, não que não possam, mas para isso é necessário a conversão. Vivem no fim, num mundo de mentira em que imitam todos os conceitos criados pelos não-crentes e ainda acham que são melhores, pois, aparentemente, não bebem, não fumam, não fazem sexo indiscriminadamente, como se no mundo dos não-crentes fosse feito só isso, o tempo inteiro.

Os crentes se subdividem em crentes moderninhos e crentes arcaicos. Os moderninhos estão à frente ou misturado a toda gama de novidades implantadas nas igrejas, templos e outros. Deles emana os padres pop-stars; os bispos que pregam através de curas milagrosas, os exorcismos ao vivo. Esses são minorias dentro do seu próprio universo, essa vontade de ser moderno, atual, faz com que transformem e ampliem o sentido de crença, angariando novos crentes, tão crentes quanto os crentes arcaicos, que são aqueles tradicionais. Por eles missa voltaria a ser em latim, padre seria só padre e em cultos não haveria tantos gritos catárticos. Uma verdadeira babel entre os crentes, que mesmo que não se entendam entre si mesmo, preferem olhar para o outro lado e apontar o dedo para os não-crentes e dizer apontando esse mesmo dedo para o céu que “Ele vai voltar”. Os não-crentes, independente da volta D'ele, seguem sua rotina de beber, fumar, fazer sexo, e pactos com o capeta, que é o que os crentes acham que os não-crentes fazem o tempo inteiro, enquanto o mundo segue moendo os dois, separados, grupos.



a.p.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Manual do crente: o nosso mundo e o mundo deles


A maior divisão entre pessoas na face da terra é a separação entre os crentes e os não-crentes. Existe uma cratera separando esses mundos e a comunicação entre eles se dá mais por espiões que transitam entre essas duas construções, ou arrependidos de um ou de outro lado que migram para a fronteira inimiga e assim passam a conhecer ambos os mundos. Para os crentes existe um mundo espiritual, que seria a verdadeira realidade da vida. Aqui, passamos por uma fase, a vida mesmo acontece depois; quem não tem fé está fadado ao ostracismo do inferno. Logo, não crer é não ser deste mundo.


A diferença é que produz a beleza deste mundo. Se todos fossem iguais, viveríamos num “Admirável Mundo Novo” e aquela visão excruciante de um mundo de castas e cores pré-definidas dói só de ser pensada. Mesmo assim o mundo é apolíneo por definição. A religiosidade é vivida num universo impregnado de falsas ideias. Construir uma nova divisão, num mundo que já é completamente dividido em várias outras áreas do viver, é ponderar com o impossível. Para o crente o mundo deles é o melhor dos mundos, e o que subsiste nesse hipotético mundo, são questões sobre como podem os outros não fazerem parte dele.

Os crentes creem habitar um universo diferente dos não-crentes; mesmo inexistindo uma certeza racional para a existência desse mundo encantado, esse reino metafísico que enche a cabeça e esvazia o corpo. Qual seria a localização exata desse mundo? Como encontrá-lo? Quem sabe alguém possa, como Galileu que fez os cálculos exatos da localização do Inferno, indicar esse reino espiritual; se olhamos para o céu vemos nuvens, e não um soberano de barbas brancas sentado nele com uma imensidão de almas boas vagando felizes e prazenteiros.

A grande realidade é que se você é daqueles que responde questionários dizendo-se sem religião, você, aos olhos dos crentes, torna-se um pária. Para eles não é possível que você não queira ter essa dupla cidadania: a terra e o reino dos céus. Invariavelmente o tratamento dispensado para você, um não-crente, será o mesmo dispensado para o lixeiro, para o pedinte, você ou se tornará um ser invisível ou será agraciado com toda a atenção do mundo, por se transformará numa obsessão do outro; o crente ou te abandona às traças ou quer ter converter à força se der, pois acham que é só sair repetindo trechos e trechos da Bíblia que você se comoverá.

Mas é claro que existem amizades entre crentes e não-crentes, mas será sempre uma amizade receosa. Essa barreira existencial advém da dificuldade de compreensão, mais dos crentes do que dos não-crentes, pois para o crente qualquer brincadeira envolvendo, mesmo que de maneira distante, religião, logo termina em calorosas discussões. Para os crentes se você não crê, logo não pode, em hipótese nenhuma, emitir pareceres sobre o mundo livre de amarras como você quer. Isso pode ser ouvido e futuros crentes podem ser tocados em sua incipiente fé e abandonarem o futuro barco.

O problema maior é como conseguir penetrar no mundo do crente, geralmente isso se dá de uma maneira bem simples, o não-crente abandona o seu mundo e passa a professar alguma fé, de maneira nenhuma são admitidos turistas naquele mundo. Ou se entra inteiro ou fica de fora dessa grande festa possível. Agora se você não quer se converter resta a você visitas extemporâneas. Como para o não-crente tanto faz como tanto fez o modo que o crente leva sua vida, desde que ele não tente de maneira ostensiva furar essa fronteira entre-mundos, com pregações vãs, logo é possível a convivência pacífica. O mesmo não pode ser dito dos crentes que acreditam piamente ser impossível que alguém não creia em céu, Deus, Pai, Filho, Espírito Santo e santos, e andam sempre a apontar o dedo para os problemas terrenos dos não-crentes e dizendo: “viu, fulano morreu de tal doença pois não acreditava em Deus”. Pode? Não pode.



a.p.