sábado, 30 de agosto de 2008

O Sétimo Selo


Bergman carrega o incômodo selo de chato pregado pelos propagadores do kistch. É que no Brasil vivemos, hoje em dia, o triunfo do patrulhamento intelectual. A vitória da companheirada, que é só a ponta do iceberg; oculto temos aqueles que dão o suporte à banalização de tudo que é belo e em que é necessário desprender uma energia a mais para à compreensão. Se não é passível de uma deglutição rápida, simples; se exige um pouco das ligações neuronais, logo é inútil e desprezível. Spielberg, um astro pop por excelência não corre esse risco, entre um e outro filme 'sério', derrama os filmões por excelência, que lotam as salas e não necessitam de muita esperteza para sair de lá muito feliz. Mas é com pessoas como Bergman e Woody Allen que a crítica tosca gosta de se preocupar, essa cruzada anti-inteligência e pró-povão é como diria um dos personagens deste filme “uma tolice que só um idealista inventaria”.

Estamos na época das Cruzadas, um cavaleiro e seu escudeiro voltam depois de dez anos lutando; aquele retorna para empreender uma busca de alguma prova, uma confirmação de sua fé; esse pretende só viver seus dias esperando a morte, pois não acredita em nada mesmo. E é ela, a Morte, que surge para buscar o cavaleiro e assim dar início à uma das seqüências mais famosas do cinema, me arrisco a dizer tanto quanto o vento na saia de Marilyn; o reflexo das crianças de bicicleta passando pela lua; Carlitos indo embora nos seus filmes; a cena do chuveiro de Hitchcock. A cena do jogo de xadrez com a Morte é bela e simbólica e marcou toda uma geração.

Bergman é um estilísta, fez o Sétimo Selo com pouco recursos, e ainda assim embebe o filme com diversas influências culturais: os acrobatas de Picasso, Carmina Burana, o Apocalipse de São João, quadros renascentistas. Essa luta contra “uma vida sem sentido”, onde “o vazio é um espelho que reflete meu rosto”, mostram um roteiro teatral. A velocidade das cenas, a clareza dos diálogos, os cenários rústicos e simples, dando o realismo necessário para uma história que parece, vamos recontando até hoje, onde a “fé é uma aflição dolorosa”.

Transformando o cinema, levando para ele a substância de um livro, Bergman, para horror dos ineptos de plantão, distribui reflexão onde antes era só diversão. Mas em Sétimo Selo não podemos dizer que falta humor, ele está no escudeiro e seu ateísmo nietzschiano, está na Morte cerrando uma árvore para levar mais um para seu reino (reino?). Nada das paródias escrachadas e emburrecedoras de hoje. O tormento do cavaleiro, a angústia de uma vida destituída de sentido, esse o caminho pedregoso que somos levados a seguir.

Se a “Morte Negra” está à solta, viver passa a ser um questionar-se eterno; enquanto aguardam (ou fogem d) a peste, um clima de dúvida perpassa o ar, e a Igreja que não podia deixar de ser, é mostrada em toda sua estupidez medieval. Grandes procissões, inquisições, caça e morte às “bruxas”, levando a Morte perguntar para o cavaleiro: “Nunca pára de questionar?”. O contra ponto à tanta dor está em Jof e Mia o casal do circo e seu filho. É nessa família que o cavaleiro encontrará o que buscava. Uma tarde, um breve instante de reencontro com a alegria, o que para ele já basta. Logo, salvar essa família das garras da Morte passa a ser seu único objetivo, pois ele quer “levar uma lembrança com cuidado como se fosse uma tigela de leite”.

Podemos dizer que a Morte triunfou, na seqüência da Dança da Morte, mas que ao mesmo tempo perdeu, pois se “o amor é perfeito em sua imperfeição” a vida dos acrobatas cheio de felicidade e amor por si como eles vivem, passa a sensação de que a troca para a Morte foi mal negócio. Levou consigo seres que haviam perdido a alegria de viver, pois viram de tudo e não se encontraram com Deus e nem mesmo consigo mesmo e deixou uma família que buscava estender a sua alegria e simplicidade a mais pessoas, sem nem querer muito em troca.


s.o.