segunda-feira, 23 de março de 2009

Restrições culturais

Outro dia, alguém me disse que ivete sangalo é MPB. Não pude deixar de concordar com essa pessoa. ivete realmente é mpb: música pobre baiana. O primeiro equívoco já começa por aí. Na verdade, MPB simplesmente não existe. Mantê-la, hoje em dia, é uma necessidade comercial. As lojas precisam manter a seçãozinha MPB, que por sinal nem sempre se encontra ali o que realmente se entende por MPB. Mas a tal MPB, antigamente, surgiu de uma necessidade da imprensa esquerdista, demolidora e idiota, nos auges dos anos 60, quando existia no ringue: Música Brasileira versus Ditadura Militar. Nessa época, surgia o Tropicalismo liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Era também o tempo das antológicas composições de Chico Buarque. Paralelamente a toda essa efervescência, surgiam Roberto Carlos e Erasmo Carlos com a Jovem Guarda, inspirada no rock’n roll dos Beatles e Elvis Presley. O que consistia séria ameaça à soberania nacional que já não existia naquele período. Outra crítica ferrenha e mentecapta feita a Roberto Carlos é de que ele simplesmente teria sido omisso ao que os militarem estavam fazendo. Que obrigação tinha ele de fazer músicas que falassem disso? Roberto Carlos nunca foi um alienado, um insensível, um conivente e muito menos covarde. Apenas não tinha interesses em músicas políticas, esse é o único motivo por nunca ter feito canções de protesto. Porém, em meio a tanta contundência no dito meio intelectual, Maria Bethânia teve a lucidez de assistir a um programa da Jovem Guarda e dizer que era ali que estava a “vitalidade”. Foi isso que também abriu os olhos de Caetano e fechou para sempre os da mentira Geraldo Vandré. E aí surge a MPB para distinguir a “americanizada” música de Roberto Carlos da dos demais. Pura Bobagem! Naquele tempo, Caetano já tinha entendido que não havia “americanização” nenhuma. Mas o que viria a ser MPB? Certamente, uma mistura de todos aqueles ritmos que pudessem ser considerados brasileiros: o samba, o baião, o frevo, e.... O que mais é realmente é brasileiro? Está vendo só? Se fossemos levar ao pé da letra tal conceito, não teríamos nem a bossa nova. Afinal, seus principais criadores: Tom Jobim e Vinicius de Moraes eram totalmente antropófagos. Tom já tinha influência da música clássica. E Vinicius já era um conhecedor de boa parte da cultura mundial. Quando se juntaram para fazer música, tudo isso veio à tona. A música clássica, o samba, o jazz americano e todo o mais pudesse existir de influência se transformou na receita da bossa nova. Lembrando que Chega De Saudade, canção símbolo da bossa nova, já havia sido gravada por Elizeth Cardoso em 1958 e depois em 1959, por João Gilberto. Portanto, nos anos 60, já não havia mais sentido falar em MPB, uma música genuinamente brasileira, se Tom e Vinicius já estavam fazendo músicas com tudo o que pudesse existir de boas influências de dentro e fora do país. Hoje, Caetano, Chico e Roberto são justamente os primeiros a recusar o rótulo de MPB, o mesmo vale para os bons artistas que estão iniciando, como é o caso da belíssima Roberta Sá. Quem se reveste da pele MPB, certamente quer aparentar ser o que não é. Não digo que ivete o faça, pelo menos nunca vi. Mas seu público e mídia abitolados insistem em colocá-la num patamar que ela não é capaz de alcançar.

Nesse momento, cheguei a uma conclusão- que cri sábia- de como a nossa sociedade é capaz de criar ícones estúpidos. São ivetes, calypsos, vitors e leos, enfim... inimigos da hp e da música. Tais pseudo-artistas não fazem sucesso pelo talento que possam vir a ter, e sim, por uma terrível restrição musical. Uns ficam. Outros aparecem e somem, graças a deus. Alguém ainda se lembra de é o tchan? p.o box? Há jovens e outros nem tão jovens assim, hoje em dia, que simplesmente não sabem quem é Chico Buarque, quem é João Gilberto, quem foi Elis Regina, quem foi Nara Leão, quem foram Secos & Molhados. E essas mesmas pessoas são bombardeadas por uma enxurrada de lixo tóxico que escorre das rádios que tocam mais comerciais do que as ditas músicas. Essas são sempre repetidas numa sequência quase hipnótica que as pessoas ouvem atentamente ou aleatoriamente e gostam. Como não conhecem o que de resto foi produzido pelo país sentem-se maravilhadas. Alguém que conheça 10% da música produzida no Brasil entre 50 e 70 não dá nem as horas para ivetes e afins. Mas o que acontece muitas vezes é que as pessoas que conhecem esses 10% sentem-se atraídas por uma medonha euforia coletiva e para não ficar de fora, embarcam junto, numa espécie de estranha inclusão social artística. O mesmo vale para outros cenários. Dos 3 milhões de expectadores de Se Eu Fosse Você 5, quantos já viram um filme de Glauber Rocha? Dos bilhões que compram livros de paulo coeho, quantos já leram algum de Guimarães Rosa?

E para piorar esse quadro, surgem intelctualoides que vem falar em diversidade cultural. Colocam tudo no mesmo bolo (fecal). Tudo é arte. O funk é arte. O pagode é arte. O axé é arte. O sertanejo é arte. E até o bbb é arte. Até aí tudo bem. Mas quem vai a um baile funk com o seguinte pensamento: “testarei todos os limites do meu corpo inspirados por uma envolvente dança, ao retornar a casa, ainda que exaurido de forças físicas, terei disposição mental, então sentarei para ler compulsivamente um volume de Dostoievski!”? Não sejamos tolos! A diversidade só leva a uma coisa: a restrição.




t.c.s.

sábado, 7 de março de 2009

Idade Média Moderna

É com pesar que recebi certas informações essa semana. Fui alardeado por um burburinho de uma tal menina pernambucana de 9 anos que foi estuprada e engravidou de gêmeos. Nem procurei obter informações mais precisas. Infelizmente já tinha ouvido falar de casos parecidos. Pensei que essa era só mais uma noticiazinha de algum desses jornais sensacionalistas e que o caso logo ia ser esquecido, como tudo que acontece neste país. Porém, qual não foi a minha surpresa quando soube que a menina já havia feito o aborto e que estupefatamente descobri que o arcebispo de Olinda e Recife, o dom José Cardoso Sobrinho simplesmente resolveu excomungar a mãe da vítima e os médicos que resolveram tomar tal decisão. Como é que é? Excomungar? Como é que se excomunga um médico? Pensei que isso só acontecesse com padres pedófilos. Aliás, pensei que a palavra “excomunhão” nem existisse mais. Achei que isso fosse coisa dos tempos arcaicos e medonhos da Igreja. Detalhe: o arcebispo não excomungou o suspeito do crime e teve o descaramento de dizer que o aborto é um crime pior do que um estupro. Então, arcebispo, que tal legalizar o estupro em vez do aborto?

Eu particularmente sou contra legalização do aborto. Não por motivos religiosos. Apenas não acho que o Brasil esteja preparado para medidas tão heterodoxas, como a regulamentação da prostituição e a liberação das drogas. Mas especificamente no caso do aborto, eu me preocupo é com a saúde física e mental das mulheres. Será que uma mulher que comete um aborto conseguirá futuramente administrar psicologicamente isso? Qual será a reação quando vir crianças alegres a brincar no parque? O que pensará quando resolver ter novos filhos e vir-los crescendo contentemente? Será que não achará que está faltando alguém ali? E não é só isso. Como será que se comportarão as clínicas mercantilistas que surgirão? Será que tratarão as mulheres com todos os devidos cuidados para que não corram nenhum risco? E será que já se pensou no comércio que isso irá se tornar? Já vejo faixa pelas ruas: “Abortos com 50% de desconto. Faça já o seu! Em caso de gêmeos, aborte dois, pague 1!” E por aí vai....

Mas é necessário sensatez! Algo que infelizmente não houve desta vez. A comissão dos bispos teve o despautério de dizer que a Igreja sempre defendeu a vida. Será que eles já ouviram falar em inquisição? Será que o arcebispo se ofereceu para adotar os gêmeos da menina e dar-lhes saúde, educação, moradia, lazer, conforto, carinho, família. Coisas que o poder público não garante completamente. Será que o arcebispo sabe que meninas de 9 anos não estão preparadas para ser mães? E ainda mais de gêmeos? E por que excomungar médicos e a mãe da menina? Se a Igreja considera aborto pecado, como expulsa do seio dela àqueles que são os possíveis pecadores? Ao que me parece, Jesus fazia exatamente o contrário. Já pensou se Maria Madalena tivesse sido excomungada? E quem é o senhor arcebispo para dizer publicamente o que é pecado ou não? E ainda vir falar em “arrependimento”, “conversão”? Caramba! Era a vida de uma menina de 9 anos que estava em jogo. Católicos, me desculpem, mas quem merecia mesmo ser excomungado é o senhor arcebispo!
t.c.s.