sábado, 1 de dezembro de 2007

No país de Komako

Quando eu vi pela primeira vez o No País das Neves do Yasunari Kawabata, parti de uma crítica que havia lido que colocava o livro no patamar de um clássico da literatura (justo), mas dava uma ênfase inacreditável à seqüência inicial onde Shimamura dentro do trem, olhando através dos reflexos da janela, se apaixona por Yoko, uma linda jovem que cuidava de um doente e nem percebia que era incessantemente observada por alguém. Esse trecho é realmente maravilhoso, quem nunca observou uma pessoa, distraidamente namorando um reflexo, que atire a primeira pedra, eu particularmente adoro reflexos, são sonhos próximos e intocáveis. Mas quando o livro segue não é Yoko quem aparece, na verdade ela é como o Kurtz de Conrad, exageradamente fugidia, Komako, fogo, decisão, uma força infantil e desesperada é o livro, enquanto uma é a imagem distante a outra é presença e ação.

Kawabata narra nada mais que uma fantasia inerente e sempre presente entre homens e mulheres, o jeito como dispomos da nossa vida intimamente. Shimamura é casado em Tóquio, viaja sozinho para uma estação termal (o país das neves) e lá se faz acompanhar por uma gueixa (Komako), essa liberdade é o que buscamos todos, casa-se por convenção, para se constituir uma família, perpetuar o nome, nesse primeiro relacionamento busca-se sempre a estabilidade, isso pode acontecer por uma união perfeita, por aparências bem feitas, por ter alcançado os objetivos. O ser humano tem a necessidade de estar apaixonado para viver bem, não necessariamente por pessoas, mas também situações, objetos, essa é a grande razão do estar andando por aqui uma quantidade inacreditável de pessoas, paixão. Novela das oito, livro do Paulo Coelho, clássicos da literatura, filmes, fazer política, roubar, ficar com diversas pessoas, ser preguiçoso, buliçoso, sistemático, o que dá prazer para as pessoas é algo tão diverso quanto pessoal.

O homem é casado, têm filhos, sua família é o centro do seu mundo, mas ele gosta muito daquela amiga engraçada, e deseja por demais todas as mulheres gostosas que flutuam à sua volta, quer trocar de carro, o computador de último tipo, o futebol a cerveja. A mulher é casada, alcançou seus objetivos de conquista, é mãe, mas tem um prazer indefinível de papear com aquele rapaz da empresa, sente desejo por alguns novos ou quiçá velhos rapazes que a rodeiam, quer muito um vestido maravilhoso, uma viagem para a Europa, um cabelo liso definitivamente, uma pele sempre jovem. Desejos e vaidades e também circunstancialmente um pouco de ódio, que perfeição é coisa de anjo, esses são os ingredientes humanos, invariavelmente já estão misturados ao barro. Uns lidam com isso normalmente outros sublimam simplesmente.

Komako é então objeto de desejo, Yoko é objeto de devoção, o homem deseja e devota, Shimamura fica ali navegando entre universos, ora o sentimos verdadeiramente encantado por Komako, ora sentindo pena dela. Quando se encontra com Yoko a observa e só. Ao mesmo tempo essa estadia, que é fuga ou afastamento da sua realidade, o leva a, de maneira contida, se soltar, desejos, vontades, uma vida diferente. Eu gosto muito de Kawabata, gosto muito de autores que traduzem situações, passam emoções de maneira tão reais. E esse livro é tudo isso, muito mais que a beleza criadora do exato instante que um homem se apaixona por uma mulher, vendo o seu reflexo, e mais que só o seu reflexo a sua atitude perante um doente, Shimamura se apaixona também pela ternura dela diante de um homem alquebrado, essa outra ilusão de homens e mulheres, que quando estivermos próximos de virarmos a página da nossa vida, termos ao nosso lado uma pessoa devotada e fiél à nossa dor, se apaixona também pela juventude que transpira vigor, inteligência, perigo. É um homem que busca estar sempre apaixonado (razão maior de viver), para logo depois sentir saudade de tudo que deixou em casa e para lá voltar (há paixão aqui também). Tudo isso misturado numa imensidão gelada e branca, como achamos que é nossa alma.



s.o.

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