quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Enfim o Grande Gatsby

Sempre dei voltas em torno desse livro, mas abandonava-o às estantes em que o encontrava, é um caso muito estranho de mistura minha, confundi ou me deixei levar pelo público e o privado da vida desse autor. Para mim sua vida pessoal era bem mais interessante que os livros que ele escrevia, quando comprei Suave é a Noite numa edição da Nova Cultural gostei mais do livreto com a vida dele que veio junto. Um dos melhores momentos do Paris é uma festa do Heminghway é onde Fitzgerald aparece bem mal na foto. Então fiquei assim meio que fascinado pela revista de fofoca que se tornou sua vida e nunca tinha lido o seu maior e talvez único grande livro (dizem que os contos são bons também). Li-o agora, e vale cada página. É uma novela, no sentido mais generoso que essa palavra pode ter, bem contada, bem escrita, mas com um senso de modernidade que ultrapassa os anos em que foi enfeixada e chega até nós ainda tilintando qualidade.

Uma coisa que me chama muita atenção também são as orelhas dos livros, aqueles textos curtos que querem antecipar o conteúdo mas que, pelo menos para mim, acabam sendo inúteis, e que mesmo assim são repetidos ad-nauseum por aqueles que nunca vão ler o livro realmente, ou só querem fingir conhecimento a respeito dele. Assim na contracapa desse está escrito: "O mundo febril da "geração perdida" da época posterior à Primeira Guerra Mundial. Uma trama densa, cheia de paixões, conflitos, intrigas, na "era do jazz". A história de Jay Gatsby e sua dramática ânsia de ascensão social. A falta de sentimentos, a violência e o materialismo das metrópoles do leste norte-americano. O desespero de personagens oprimidos pela existência rotineira, buscando a fuga pelo rompimento de velhas convenções sociais e correndo de encontro a um grande vazio"; nessa pequena sinopse olha o tanto de lugares comuns, besteiras repetidas até hoje em dia.

Mas o Grande Gatsby é acima de tudo bem escrito, fotografa um momento único do mundo contemporâneo, que é quando, não só os americanos, mas o mundo todo perdeu a inocência, se viu num labirinto de contradições. O homem era capaz de cometer barbaridades, Deus era algo tão distante quanto inepto, a guerra no sentido mais terrível invadiu os lares, levou jovens, devolveu mutilados, ou dentro de sacos pretos, a Belle Époque havia acabado. É nesse contexto que nasceu esse livro, é os Estados Unidos começando a ser potência, iniciando o ditar moda, o jazz, que é o pano de fundo surge incidentalmente. Os novos ricos são idolatrados, rodeados e difamados. Surgem as vanguardas, pintura, literatura, Paris é o centro do mundo então, e todo esse vazio existencial e loucuras reinantes são decorrentes da descoberta do tanto que o homem era capaz de ser vil e que sonhar com um mundo melhor era uma realidade.

Gatsby é antes de tudo um sonhador (a parábola do sonho americano), acreditou que o amor era possível de ser congelado no tempo, e acionado a qualquer momento. Gatsby parte em busca de realizar seus desejos, preterido por não ter dinheiro, corre atrás de conquistá-lo, para assim ser valorizado pela mulher que ele ama. Essa é a estrutura central do livro, esse pensamento bem caro aos americanos daquela época e que sobrevive hoje, o self-made man. Tudo o mais que é dito sobre o livro são mitos desse que foi considerado o segundo melhor livro em língua inglesa (numa pesquisa da “Modern Library”, perdendo só para Ulisses de Joyce. O Grande Gatsby tem que ser lido simplesmente porque é maravilhoso e genialmente bem escrito, e nos afeta em cheio toda a atmosfera de euforia e vazio, de festa perpétua que ele transmite. Clássicos são assim, surgem e seguem tendo vida própria, independente do que se fala a favor ou contra.


s.o.

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