sábado, 22 de setembro de 2007

Fingidores


“O poeta é um fingidor”. Todos nós somos fingidores, Fernando Pessoa. Todos nós vivemos procurando subterfúgios para fugir das mazelas. Ocultar nossas dores, ocultar dores alheias, como se não fossemos responsáveis também por elas. Forjamos indiferença, enquanto damos açoite na consciência. Forjamos compaixão enquanto quase não agüentamos de tanto arrependimento.

Vivemos da mentira. Seja a felicidade em altíssimo grau ou num mau humor constante como se o inferno realmente funcionasse em tempo integral. Cada um escolhe a fantasia que lhe convém. Há quem devore páginas sagradas e acha que já está salvo, e alguém muito poderoso vai chegar a qualquer momento, fazer uma seleção na qual com certeza ele já está inserido. Há quem é capaz de descrer até que está vivo, sai pela vida apedrejando profecias, julgando-se assim também dono da verdade, quando no fundo ninguém sabe de nada.

É só olhar o olhar cansado dos pedreiros que se equilibram em andaimes; o suor no rosto, a prosa constante, a autoconfiança de ser um eterno garanhão a cada psiu para cada menina que passa na rua. No fim o baile funk e a biblioteca parecem querer ter a mesma função, te tirar da realidade por horas a fio, dar a sensação de que o mundo é seu e depois te regurgitar para a crueldade onde um sempre acha que é melhor que outro e um procura sempre convencer o outro disso. É sempre a mesma farsa, que já começa antes dos passos; o choro calado no peito da mãe, é a velha incompetência de decifrar lamúrias, depois vêm carrinhos, bonecas, patinetes, bicicletas, internet, faculdade, máquinas programadas para mentir.

Há sempre um jeito de escapulir do terrível. A mãe até hoje não deixa filho lavar suas roupas e nem fazer muitos serviços domésticos, esse é seu mundo de fuga, ela escolheu, não se pode invadi-lo. Cortadores-de-cana morrem de trabalhar porque não querem trabalhar. Admitir a tristeza, a desgraça, é uma maneira de fugir delas, rir delas.

Pudera acreditar que uma nave fosse me abduzir, tomar tereré com alienígenas, querubins no bordel. Versos sangrentos sempre se estancam ao primeiro som, ninguém tem curativo, tem anedotas de gafanhotos.

O fim devora os papéis da parede. A dengue, o velho barrigudo, a luz de avenida, o que resta? Resta 1. Anulações no barulhinho, fila também para mentira. Quemfoiquem é mais importante. O enigma gracioso silábico, momentâneo, labial, constante. Exorcizar o verso. Palmas para o vazio. Chegarei com toda a certeza, com muita batalha, até o fim da rua. Um riso frouxo, noturno, sabadal. Leve o burrinho pra beber sal, só assim ele mata sede, não deixe os bezerrinhos com fome, espere o sol brotar, brota da terra, é ilusão, mas que se dane, iluda-se! Você só tem tudo a perder, mas perca tentando perder, assim você se sentirá vitorioso quando receber a medalha de honra a derrota.

Deixe as plantas com sede, extermine os cachorros, só assim poderemos espantar os mosquitos. Mas preserve as sanguessugas, elas sevem para tratamento medicinal, isso é comprovado cientificamente.

Lembra do primeiro discurso do primeiro homem a falar no primeiro microfone? Eu também não, eu estava surdo nesse dia.

Ok.

t.c.s.

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