sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Roberto Carlos em detalhes sórdidos...


Nos dias atuais ler um livro proibido é como voltar à Idade Média. É se sentir como alguém que consegue burlar as leis do Index. É assim, com um gostinho de pecado que se manifesta a fluida leitura de uma biografia não autorizada.
Roberto Carlos em detalhes, detalhes na maioria das vezes sórdidos cabe ressaltar. A história do fã de carteirinha que decidiu pesquisar sobre o ídolo conforme consta na orelha do livro, não colou muito bem. Não passa de uma jogada comercial. Muito fácil escrever sobre a maior e mais reclusa celebridade do país, que há mais de quatro décadas arrasta uma legião de fãs. Paulo César de Araújo o tempo todo soube que sua obra venderia milhões e logo, logo seria retirada do mercado. Isto merecidamente, pois ele sabe o quanto apelou.
A narração começa trágica com o próprio autor recordando queixosamente, melancolicamente da vez quando criança não pode assistir ao show do Rei por precariedade financeira. Depois tudo fica tão ingênuo, com relatos idílicos de quando o cantor soltou pela primeira vez a voz numa rádio. Mas não demora muito, o escritor se revela um autêntico carniceiro, descrevendo sanguinariamente o suposto episódio do trem que atropelou Roberto Carlos e lhe arrancou a perna direita, no momento que este tinha apenas seis anos. “Providencialmente, Renato tirou seu paletó de linho branco e com ele deu um garrote na perna ferida do garoto, estancando a hemorragia.” As páginas que tratam do suposto acidente transbordam um sensacionalismo inútil, mais uma jogada de marketing que qualquer outra coisa. E assim a história vai prosseguindo, já nos anos de ouro da Jovem Guarda o momento é propício para falar dos até então obscuros acontecimentos sexuais do cantor e de toda a turma do iê-iê-iê. “Roberto Carlos era terrível! Principalmente antes se casar com Nice, ele era uma fera, um grande comedor. Aliás, ele e Erasmo faziam uma dupla infernal”. Estas são supostamente falas do hoje crente Wanderley Cardoso. Constatações irrelevantes, que por mais que sejam verdades, nada acrescentam à obra ou a vida de qualquer artista. Soam mais como uma tentativa de destruição de imagens intocáveis, consagradas pelo público. É uma tolice querer associar verdadeiros mitos indeléveis a um universo de promiscuidade. É como reduzir John Lenon ou Renato Russo a simples maconheiros. Mais do que isso no livro sobram encheções de lingüiça. O assunto do livro é simplesmente desviado justamente por falta de assunto. Chico Buarque, Caetano Veloso, Beatles, Claudete Soares, Tim Maia entre outros, que poderiam ganhar apenas modestas citações, recebem de presente páginas e mais páginas, há horas que até dá pra se esquecer quem de fato é o biografado. A estética também é terrível, a idéia de escrever em duas colunas foi péssima, sem falar nos capítulos que são desnecessariamente longuíssimos, cansativos, intragáveis na maior parte das vezes.
É obvio que carece também a credibilidade. O autor mesmo confessa já de início não ter tomado nenhum depoimento de Roberto Carlos e, no entanto são inúmeras as declarações do cantor. Não há muitas explicações para isso. “Numa entrevista nos anos 70”, “Num programa de TV” sem dizer qual jornal, qual programa de TV, o livro aparece todo aspado como se tivesse sido ditado ao autor pelo próprio Roberto Carlos.
Entretanto o autor sem limite alcança o ápice da sua falta de decoro, quando esmiúça os bastidores da enfermidade de Maria Rita. “Maria perdera os cabelos e havia emagrecido treze quilos. Além disso, sentia enjôos fortes e enxaquecas”. “Seu sistema neurológico ficou comprometido e a paciente começou a ter convulsões, tremores e espasmos de agitação. Nos raros momentos em que esboçava alguma lucidez reconhecia Roberto Carlos e os médicos, mas dizia coisas desconexas.” As descrições talvez nem seja tão dramáticas, porém para um Rei nada é pior do que alguém tocar no nome de sua rainha adorada. Se não fosse isso, talvez o livro nem tivesse sido proibido, é indubitável que foi isso o que mais chocou Roberto Carlos.
Mas entre mortos e feridos, a obra tem sua importância, pois mesmo com todos os enxertos evasivos, nunca houve um documento tão conciso de um dos artistas mais reservado e mais importante para o país. Pena que as intenções do autor foram muito mais comercias que documentais.

t.c.s.

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