sexta-feira, 23 de novembro de 2007

De olhos bem fechados

Têm dias que sinto um torpor devastador, posso até dormir em pé no vai-e-vém dos ônibus. Abro livros e as palavras embaralham aos meus olhos, viram poemas dadaístas. Os dias passam por mim, nem me fazem cócegas, é como se eu fosse um outro ser, um arcabouço, uma pálida lembrança. Sensações espirituais à Fernando Pessoa me atravessam nesses momentos, vêm e vão, mas não deixam saudades.

Em outros dias estou elétrico, como que movido à guaraná com café, uma excitação por sobre a pele, parede completa de sentimentos reais. O mundo ganha cor, eu vejo tudo com olhos de poeta, febris e infantis. Os carros ganham asas, as carroças são conduzidas por lordes e os cavalos, surrados e fracos, unicórnios. Não gosto desses dias alegres demais, eles enganam meus sentidos, me conduzem ao erro.

A razão disso tudo é que sou humano demais, fui influenciado por muitas coisas, o clamor da Igreja ainda roça minha cabeça, a sarjeta ainda me chama para passar algumas horas com ela. A diversidade do mundo, as diferenças que me cercam, o arco-íris mentiroso que me alegra e desaparece. O pobre bêbado que canta com as mãos em forma de concha. A mendicante que espera cruzar com mil filhos de Maria, e ao fim do dia contabiliza a cachaça ou um pão amanhecido.

A Terra segue sua volta impecável em torno do Sol, as horas seguem desafiando o homem. Mães amamentam, cães cruzam, políticos planejam seus golpes, bandidos negociam cigarros dentro das cadeias, crianças correm, insetos nascem e se consomem, pessoas morrem no trânsito, em trânsito, em transe, no açougue animais pendurados, a vida segue, ou tudo não passa de um sonho de um Deus brincalhão e incerto?



s.o.

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