quinta-feira, 17 de março de 2011

Um silêncio provisório 2


Invariavelmente eles adotavam o silêncio. Em nenhum momento debatiam se, o silêncio, seria a solução dos seus, não poucos, problemas. Era um acordo de olhares preguiçosos. De backspace apagando frases inteiras. Talvez achassem que para não discutirem o melhor a fazer era pensar em coisas amenas, talvez nem pensar. Melhor o 'tergiversatio'. Acreditar que o desconhecido é um companheiro tão fiel quanto um cão. E eles se esmeravam em imaginar-se longe das crises por eles mesmos inventadas. Até faziam planos. Pensavam o futuro como se o passado não tivesse existido. Como se fosse possível que feridas tão recentes, milagrosamente, desaparecessem. Ah, os milagres, esses feitos gloriosos que sumiram da face da terra. Ninguém mais escapou vivo das covas dos leões, esquecemos o idioma deles e eles o nosso. Eles até conseguiam conviver com o preconceito, tentavam desesperadamente seguir a vida com a indiferença de quem se acha com razão, e sim, eles tinha razão. Andavam sempre juntos, roçavam-se num carinho camuflado. Iam a bares lúgubres, onde nas sombras podiam sucumbir ao desejo que brotava da verdadeira face de ambos. E os dias corriam por vielas até alegres, ás vezes. Passavam por alguns momentos que eles mesmos não acreditavam ser mais possíveis. Em alguns instantes até acreditavam que eles, enfim, os aceitavam como eram. Portas novas se abrindo. E as outras, as portas de antigas dores, será que podiam ser trancadas à sete, extraviadas, chaves? Mas todos sabemos como são essas coisas, quando tudo parece ir bem, quando baixamos a guarda, é que as coisas acontecem. Fica sempre um rancor armado no espírito... facas sendo afiadas... armas de destruição em massa compradas no mercado paralelo... a próxima batalha sempre vinha mais forte e eles não suportavam mais tantos olhares quando andavam abraçados dentro do ônibus. Alguns fingiam não vê-los. Outros disfarçavam o pavor da cena simples. Mas em todos uma mal disfarçada vontade de desfazer o enlace, de estapear as faces jovens, de separar o inseparável. Eles tentavam com todas as forças sobreviver ao tempo, à falta de dinheiro que a tudo perdoa e faz aceitar. Ser gay e pobre ainda é sofrimento dobrado. Aos gays endinheirados, o mundo abre as portas, o mercado tem a oferecer produtos especiais, e o preconceito é mais mental. Aos gays pobres, resta esconder-se em si, negar-se a si, fingir para si. Eles não queriam mais isso e aquele abraço cerrado dentro do coletivo era mais que um vontade de ser, era uma necessidade de que todos vissem e comprovassem que eles assumindo-se como eram, não eram em nada diferentes de todos os outros, casais ditos normais. Quando desciam de mais uma curta viagem dentro de sua própria cidade, saltavam aliviados por sobreviverem, enquanto dentro do ônibus, muitos suspiravam também aliviados pela ausência deles. O preconceito é o pior dos males, por ser o mais fingido e omitido de todos.


 
s.e.s.

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