domingo, 20 de março de 2011

O final de Ti-Ti-Ti ou entretidos até a morte


Durante muito tempo pensei que a vida fosse só complicada, mesmo que ao extremo. Um turbilhão de atos falhos e um mundo para carregar nas costas. O descanso de um homem cansando de correr na direção contrária quase sempre é só um: televisão. Deixar-se entreter pelo fim da novela Ti Ti Ti. Novelas terminam mesmo? Sempre achei que a televisão passasse uma grande e eterna novela, só trocando os integrantes, para que alguns pudessem descansar enquanto outros assumiam seus lugares na grande máquina de cuspir porcarias, alterando um pouco o roteiro de tempos em tempos, coisa tão imperceptível que ninguém se dá conta que o vilão de outrora agora é um bondoso galã, que a mocinha de sorriso branco total radiante que agora pode escolher entre dois formosos moços era aquela que fugiu para a Índia naquela outra vez pra se casar com o Ravi (era Ravi?).


Lixo cultural eis o que a televisão nos proporciona hoje. Todos os canais abertos abrem-se ao grande público, ou seria grande povo, e mostram o que ele quer ver, ou não sabia que queria ver. “A verdade de que nada são além de negócios lhes serve de ideologia. Esta deverá legitimar o lixo que produzem de propósito”. Grandes tecnologias desperdiçadas para criar entretenimento massivo e pouco reflexivo, para isso servem as novelas, além de vender, como ninguém, produtos e mais produtos que nem pensávamos em querer. Mas como viver agora sem o chapéu da Camila Pitanga? Como não implorar para o cabeleireiro que faça na minha cabeça uma chapinha urgente para que meu cabelo fique macio e sedoso como a maioria dos mocinhos e mocinhas das novelas? A lógica que triunfou na televisão é a do quanto pior melhor e quem viu o último capítulo de Ti Ti Ti sabe o que foi aquilo. Eu, estoicamente, agüentei até a hora que todos dançaram como numa Bollywood televisa ao Ilariê da Xuxa, nesse momento eu corri para o banheiro e vomitei mentalmente meus anos de profunda ojeriza contra as novelas brasileiras.

Será ainda possível nesse mar de lama encontrar uma saída? Se as novelas, conforme disse a Superinteressante foram responsáveis por manter a unidade do país, por favor, que preço se pagou não? Em qualquer cidade que se esteja emulando uma novela, interior, capital sobra para o grande público o clichê do clichê. Repisado ao extremo e regurgitado nas, agora, telas de LCD, última geração, com som e imagens perfeitos. A perfeição é uma ironia nesse caso. Torna os belos atores, mais belos mais atraentes, mais perfeitamente imitáveis. Todos os canais repisam a mesma fórmula, trocam know-how entre si, pagando altíssimos valores para contar com um ou outro desses canastrões, que se deixam passar em cores, por falsos vilões, boas moças, que tentam nos ludibriar e fazem com que milhões de pessoas sintam-se inseridos numa grande rede quando na verdade são enganados paulatinamente, pois as novelas brasileiras roubam do povo seu maior bem, o tempo. Tempo que talvez fosse mais útil para conversar com os filhos, praticar um esporte, ler um livro, desligar a televisão e se sentar na sala para pensar na vida.

A grandiosa assistência das novelas não percebe que foram abduzidas pela grandiosa consistência dos mecanismos de produção em massa, para alienar as massas. Como podem comer de um veneno feito conscientemente para intoxicar? Tudo é tão caricatural, o vexame temporário da mocinha e do bom-moço, as brigas, a rudeza do vilão, pormenores salpicados aqui e ali de uma falsa alegria, um grande esquema, seguido à risca e regurgitado. Tudo passando uma pretensa ideologia judaico-cristã repisada anos e anos. O bem o mal, o bem triunfa o mal sempre perde. É impressão minha ou o mal nem sempre perde na realidade?

“A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que estejam de novo em condições de enfrentá‐lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade, determinada integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento, que ele apenas pode captar as cópias e as reproduções do próprio processo de trabalho. O pretenso conteúdo é só uma pálida fachada; aquilo que se imprime é a sucessão automática de operações reguladas. Do processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode fugir adequando‐se a ele mesmo no ócio. Disso sofre incuravelmente toda diversão. O prazer congela-se no enfado, pois que, para permanecer prazer, não deve exigir esforço algum, daí que deva caminhar estreitamente no âmbito das associações habituais. O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve toda e qualquer reação: não pelo seu contexto objetivo — que desaparece tão logo se dirige à faculdade pensante — mas por meio de sinais. Toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada. Os desenvolvimentos devem irromper em qualquer parte possível da situação precedente, e não da idéia do todo. Não há enredo que resista ao zelo dos colaboradores em retirar de cada cena tudo aquilo que ela pode dar”. (ADORNO & HORKHEIMER)




s.e.s.

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