segunda-feira, 28 de março de 2011

Manual do crente: a guerra entre-mundos


O maior desejo dos crentes é o de se separarem do mundo dos não-crentes. E as estratégias são variadas e metódicas. Há uma obrigação na interação, crentes precisam trabalhar, assim como os não-crentes. Crentes precisam de todas as coisas que os não-crentes. É uma concessão apenas. Conviver no mundano universo dos não-crentes é para eles pesaroso e complicado, para descomplicar eles erguem catedrais babélicas, organizam festas gospel, montam bandas gospel, adoram até o heavy metal dos não-crentes, mas o chamam de white metal. Em suma, como diz Borges criam uma cópia do espelho que chamam mundo e nele se regozijam. Há justiça aí? É óbvio que para todos cabe a possibilidade de escolher entre um dos mundos e nele tentar da melhor maneira se sentir bem. Mas existirá um tempo em que os mercados, os açougues, as padarias, o tio do churros, todos serão crentes e nesse dia espero que pelo menos as lojas de conveniências escapem desse surto, senão compraremos cerveja sem álcool e o troco será cartela de adesivo do smilingüido.


O grande problema é que se contrapor ao mundo não evita que tenham que viver no mundo. Não há concessão possível que evite o mundo. Crentes e não-crentes precisam do maior dos pesadelos do mundo: o dinheiro. Crentes e não-crentes são moídos pela grande máquina do mundo indistintamente. As empresas não perguntam sua religião, pelo contrário, para que os funcionários sintam-se bem dentro da empresa, toleram as grandes reuniões em que não se discute trabalho, os famigerados grupos de oração ecumênicos, enquanto isso acendem, os proprietários, vela para qualquer deus que faça que ao fim do dia, do mês e do ano, com que os cofres da empresa estejam mais abarrotados.

Nada melhor para exemplificar esse embate sangrento entre crentes e não-crentes do que o universo da música religiosa. Padres, pastores, ex-drogados, ex-atrizes, ex-sambista do diabo, ex-cantor de axé do capeta, 'ex-tudos' se misturam nessa algaravia chamada música gospel. Erguem as mãos, dão glória a Deus, fazem o mais refinado pagode do senhor, fazem o mais dramático rock n'roll, fazem até o bonde do senhor ou o 'gospelnejo' universitário. Segregam-se para melhor poderem viver a sua fé, sem que os outros, os não-crentes venham se misturar ao bando, não que não possam, mas para isso é necessário a conversão. Vivem no fim, num mundo de mentira em que imitam todos os conceitos criados pelos não-crentes e ainda acham que são melhores, pois, aparentemente, não bebem, não fumam, não fazem sexo indiscriminadamente, como se no mundo dos não-crentes fosse feito só isso, o tempo inteiro.

Os crentes se subdividem em crentes moderninhos e crentes arcaicos. Os moderninhos estão à frente ou misturado a toda gama de novidades implantadas nas igrejas, templos e outros. Deles emana os padres pop-stars; os bispos que pregam através de curas milagrosas, os exorcismos ao vivo. Esses são minorias dentro do seu próprio universo, essa vontade de ser moderno, atual, faz com que transformem e ampliem o sentido de crença, angariando novos crentes, tão crentes quanto os crentes arcaicos, que são aqueles tradicionais. Por eles missa voltaria a ser em latim, padre seria só padre e em cultos não haveria tantos gritos catárticos. Uma verdadeira babel entre os crentes, que mesmo que não se entendam entre si mesmo, preferem olhar para o outro lado e apontar o dedo para os não-crentes e dizer apontando esse mesmo dedo para o céu que “Ele vai voltar”. Os não-crentes, independente da volta D'ele, seguem sua rotina de beber, fumar, fazer sexo, e pactos com o capeta, que é o que os crentes acham que os não-crentes fazem o tempo inteiro, enquanto o mundo segue moendo os dois, separados, grupos.



a.p.

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