sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Poemas concebidos sem pecados"


Durante muito tempo concebiam a poesia olhando para fora de sua janela. Admiravam todos aqueles mágicos da palavra que contavam histórias, fabulavam, inventavam e os encantavam. Rosa, Ramos, Drummond, Bandeira, os Andrades, entre tantos outros. Morar na periferia do Brasil era complicado, mesmo assim tentava-se manter as virtudes, fugindo ao sofrimento do dia a dia, lendo. Ler sempre é um bom lenitivo para as doses diárias de complicações que por ventura possa-se ter. Mas nunca eles se encontravam naquela poesia. Essa visão de alteridade produzia neles uma falsa impressão de presença, na verdade não eram. Ainda não haviam conduzido as sensações para o reino de papel. Ficava apenas no quase. Queriam mais e o mais se fez. Foram apresentados ao "Cabeludinho" (primeiro poema do primeiro livro de Manoel de Barros) e um novo mundo se criou. Por mundo leia-se um horizonte olhado de dentro de casa.

O ser Manoel de Barros têm raízes pantaneiras, a pessoa Manoel de Barros viajou o mundo, o futuro poeta misturou quereres num tempo repleto de transformações, o poeta Manoel de Barros condensou suas influências e da sua pena brotaram singularidades. Nascido na periferia de um país gigante, foi como um estrangeiro dentro do seu próprio país que ele morou no Rio de Janeiro. Esse estrangeiro só estava em casa no seu chão e o seu habitat natural era puro e virginal. Como um ser mutante se enuncia depois de perceber as dores do mundo e não reconhecer no outro as características mais simples? Ser multicultural antes que ser multicultural se tornasse quase um palavrão ou uma obrigação politicamente correta. Por sermos periféricos todos somos multiculturais na nossa essência mesma. Nossa visão de mundo nunca será a mesma das pessoas que vivem nas grandes metrópoles. Os grandes vazios populacionais, os grandes silêncios dos lugares que vivemos contradizem frontalmente os das pólis que acabamos conhecendo pela televisão, por fotos de revistas. Um caboclo, mesmo sendo da elite dos caboclinhos, Manoel foi transformado pelas suas andanças.

O mundo fez o poeta? O poeta fez um mundo para si? Ou mundo e poeta se misturaram numa algaravia incontrolável? Quem poderia explicar? Sabe-se que Manoel bebeu na fonte modernista, sugou do tormento das vanguardas, liquidificou tudo e o que surge sempre é uma palavra renovada que cheira leite morno. Esse passo à frente que Manoel propiciou para a poesia teve um nascedouro e ele chama-se "Poemas concebidos sem pecados", e nele ainda percebe-se um tímido e vacilante eu-lírico quase auto-biográfico. "Poemas" é um livro mínimo quando comparado a tudo o que se produzia no país à época. Mas para esta região abandonada do país é como se um Homero tivesse brotado do chão. Compulsando a vida interiorana, retratando um povo sofrido, que luta, como "Maria-pelego-preto", seu "Zezinho-margens-plácidas", a "Negra Margarida e claro "Cabeludinho"; eis que surge uma quantidade impressionante de pessoas que vivem e sobrevivem às margens da grande sociedade.

Tornar a esse Manoel de Barros, agora com esse olhar de quem pode perceber a diferença é encher os olhos numa vasta fonte de informações culturais. Como fazer para compreender Manoel então? Utilizando-se das armas dos formalistas que diz que a resposta está no texto, nada pode estar fora dele? Fazer como os estudos culturais que dizem: olhem, busquem a diferença, o periférico, a informações extras? Fazer como os acadêmicos com suas monografias que se atracam às suas páginas e tiram de lá eros, tanatos, realismo mágico, pós-modernismo, niilismo, tudo de maneira tão correta quando confusa? Não sei. Não existe uma resposta para isso, ler, se as pessoas somente lessem os livros, isso já seria um grande avanço. E esse livro, que completará 75 anos no ano que vem, ainda é tão abandonado e desmerecido que qualquer que seja a leitura crítica que façam dele, já terá sido um avanço no reino das letras.



s.e.s.

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