segunda-feira, 11 de abril de 2011

Os alquimistas estão chegando


Dentro de mim uma algaravia de sons e palavras. Textos e mais textos misturam-se aos meus pensamentos. Trechos de músicas chocam-se com pedaços de palavras. Estalidos de baterias roçam parágrafos aleatórios. Fragmentos de guitarras abraçam-se com pedaços de poemas; o grave sonido do contra-baixo corta frases inteiras. Da minha barriga sons emergem como uma sinfonia. Consigo pressentir as vogais deslizando por sobre a pele. As consoantes, essas não, aparecem dos lugares mais estranhos. Parece que elas se agarram e não querem subir para cumprir suas obrigações de formar palavras. Uma sinfonia de palavras, eis como me sinto. Cada passo que penso em dar corresponde a um som. Cada pensamento surge em meio a um vendaval de palavras embaladas por músicas alheias. Cada som que ouvi, cada palavra que li agora parecem ter se rebelado dentro de mim. Transpiro pontuações. Cuspo notas musicais. Vomito uma sopa de letras. Estou em meio a uma grande alucinação. Desespero-me. Tapo os ouvidos com protetores; vendo meus olhos; intento não pensar em nada. Uma palavra sobrevoa o cérebro. Disparo contra ela a ordem de que se cale, essa ordem ecoa e liga uma nota musical, de repente escuto uma breve e pontual música pop. Pop songs grudam como chicletes, sacudo a cabeça, percebo que algumas letras desabam sobre mim. Retiro a máscara, olho em volta, estou numa poça de letras mortas, restos de sons, interrogações mil. Busco uma calma que não tenho. Volto a ouvir, respiro profundamente e sinto mexer dentro de mim poemas antigos. Trechos de contos, partes de livros. Um piano insurge-se contra minha tentativa de silêncio. Fica martelando um Beach Boys, uma, duas, três vezes. Sinto um leve roçar de Sylvia Plath, meu dedo dói. "Cem anos de solidão" estraçalham minha mente. Sou um dos Buendía mas a trilha sonora é uma música do Teenage Fanclub. Não quero mais brincar. Cansei. Resolvo sair de casa. Visto-me, procuro a chave para sair desse apocalipse; nos bolsos da calça salta um aforismo de Nietzsche que jogo pela janela. No meu corpo há uma proliferação de palavras alheias. Parece que estou com uma doença de pele, olhando de perto percebo, com assombro, que tenho hematomas, as letras têm cores, como previu Rimbaud. O A é negro, o E é branco, o I vermelho, o O é amarelo-ouro , o U de um verde-árvore-nova que me assusta. Algumas consoantes rompem a pele para se mostrarem no seu esplendor, Kas agressivos, pelo pouco uso, ardem-me; repito mentalmente kriptonina, kriptonita, tentando acalmar sua fúria. Os arroxeados da minha pele são de um negro espartilho peludo de moscas em tumultos. Exala de mim um fedor cruel. Não sorrio, meus dentes perderam o branco leitoso e agora surgem como sangue cuspidos. Essa alquimia infernal só cede quando mudo de ideia e me decido por um banho gelado. As palavras e os sons vão me deixando. Olho fixamente para o chão, piso letras e notas. Afasto do meu cérebro os últimos resquícios de pensamentos confusos, vou ficando limpo. Volto a pensar em coisas simples, tenho fome, sinto a pele ardendo, acho que respirei indevidamente uma frase do capítulo sete do "Jogo da Amarelinha" do Cortázar. Cuspo um poema inteiro do Borges, minhas últimas leituras vão em abandonando, textos de Carpentier, Todorov, Lessing, Campos, um horrível da Cevasco, outro do Hall, e ainda um Bordini. Sinto-me como num conto do Poe, explicado pela modernidade de um Rosenfeld. As músicas perdem-se ralo adentro... lá se vão os novíssimos acordes do Midlake. vejo com alegria quando percebo que Bakthin e Cândido saem de mim misturados com letras de música do Luan Santana que eu não ouvi propositadamente. Estou purificado. Abro uma cerveja, como azeitonas, evito músicas e livros, resolvo dar banho no cachorro, retiro dela carrapatos e mais carrapatos, sinto que ela também está impregnada de males, sento-me no chão e vou meticulosamente limpando-a, meu cérebro está apaziguado, por hora.



s.e.s

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