sábado, 28 de fevereiro de 2009

O eclético


Ao surgir a pergunta: "de que tipo de música você gosta?"; a resposta devastadora que humilha meu parco intelecto: "ah, eu gosto de tudo". Essa frase merecia uma tese sociológica para ser explicada. Quem sabe um daqueles textos de Nietzsche, curtos e tão contudentes que destrói convicções mais arraigadas. Como é possível alguém gostar de tudo?

Primeiro o 'ah', essa interjeição provisória, o on/off do cérebro da pessoa. Uma pausa, a mensagem viaja milhares de quilômetros pelos cerca de 86 bilhões de neurônios estimados (em novíssima recontagem) no sistema nervoso humano. Sabe lá o que é isso? Um corpo celular, em que os dendritos recebem sinais elétricos de outros neurônios e dos axônios, esses sinais chamados de sinapses são transpostadas por várias substâncias químicas chamadas neurotransmissores; esse bombardeio gera ondas de corrente elétrica, excitantes ou inibitórias, logo os neurônios caracterizam-se pelos processos que conduzem impulsos nervosos para o corpo e do corpo para a célula nervosa. Senhoras e senhores, tanto trabalho, para depois do "ah', sair um pífio 'eu gosto de tudo'. Como é possível esse espetáculo humano com nome de cérebro, capaz de decodificar milhões de informações por micro-segundos, se reduzir, na grande maioria, num patético e simplório 'tudo'. Como assim gosta de tudo, o que significa esse tudo.

A explicação vem fácil, como notícia ruim, eu gosto de um pouco de cada coisa. De axé, de sertanejo, de pagode, da morte da bezerra, de comida estragada. "Aquela música que toca na novela, como chama mesmo?". O complemento piora o soneto - se é que existe um soneto, algo tão delicado, nessa maçaroca que é 'o tudo, ou um pouco de tudo'. Talvez no cérebro dessas pessoas falte alguma peça, os hemisférios cerebrais, por exemplo, que são os responsáveis pela inteligência e pelo raciocínio, quiçá só um sentido ou uma vontade schopenhauriana mais apurada de definição. É como ter um telescópio em casa e olhar todas as estrelas sem reparar em nenhuma especificamente. Quem sabe o 'tudo' a que se referem seja só uma chamariz, uma ponte que aguarda do outro lado da conversa uma confirmação ou uma negação contra a hipotética resposta. Dependendo do receptor da mensagem, o assunto pode partir para caminhos mais amenos, como uma troca de listinha de as mil mais favoritas, ou uma ouvida do mp4 do novo companheiro de indefinição.

Sendo a resposta um cenho franzido, como que dizendo: "quê?"; o indefinido é obrigado a se definir, afinar sua resposta. "Bom, eu gosto mesmo é de ouvir sertanejo de raiz (aqui o 'raiz' é mais um disfarce para tentar enrolar o perguntador chato); ou, eu gosto é da Ivete (como que afirmando isso, a discussão estará encerrada, por ela ser uma pessoa que um em cada dois gostam). Não encerra, não se enrola, não pode existir ambigüidade numa questão tão simples. Que tipo de música você gosta?

Que merda é essa gosta de um pouco de tudo? Seu...seu...eclético? (aqui a conversa acaba, chamar uma pessoa de eclético é o pior dos xingamentos).



s.o.

Nenhum comentário: