sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Ensaio sobre a cegueira


A humanidade, tal qual a conhecemos, é uma eterna caixa de Pandora, um labirinto eternamente retornando a lugar nenhum, provocando sustos, terror, piedade, agonia. O ser humano – imagem e semelhança de seu Criador – de posse do seu livre-arbítrio – seja lá o que isso for -, segue sendo um mero caçador e coletor, só que um pouco mais refinado, séculos de filosofia ou de um darwinismo mal empregado depois. Rodando junto com as engrenagens do sistema, finge encontrar felicidade em latas de conserva; em carros velozes; em caixas residenciais. Perdeu-se a beleza simples de viver, morre-se por bem pouca coisa; vive-se em busca de conquistas efêmeras.

“Ensaio sobre a cegueira” do português José Saramago, brota dessas pequenas (in)certezas. Ateu de carteirinha, quiçá o último comunista a assim se autodenominar, foca seu radar no ser humano, percebe que ele está rodeado pelas facilidades da modernidade. Despe esse ser, tirando-lhe a visão e joga-o de volta à arena que é seu próprio mundo, numa crítica contundente a valores tão caros ao capitalismo. O Nobel de Literatura de 1998, quer mostrar o quão servil é o ser humano; que “o medo cega”; ele questiona a grande humanidade escrava de suas próprias maquinações.

Quanto vale a dignidade? O que estamos dispostos a fazer quando nos falta o mínimo? Saramago roça no homus modernus suas cascas dormentes; retira-lhes a liberdade; não derruba nenhum prédio, apenas insinuando as inutilidades das conquistas tão dispendiosas e prodigiosas da humanidade e por extensão do capital. Faz com que as pessoas percorram o caminho inverso que nos trouxe até aqui, desumaniza o ser pra provar que todos “estão cheios de medo e obedecem ordens”. E não conseguem perceber um palmo além das próprias narinas e maus sentimentos, pois vivem iludidos e presos a convicções alheias.

Chamado, ironicamente, de parábola, “Ensaio” é uma alegoria catastrófica – o que parece ser uma obsessão do autor. Para Saramago a humanidade só se dá conta da verdadeira realidade quando vive um momento extremo. Passa por uma série de experiências únicas, e assim o indivíduo pode se rever, se reabilitar, perceber o mundo que o cerca, sem máscaras ou “avaliações-de-fachada” como dizia Nietzsche. O novo ser humano, em Saramago, só pode ter o direito a viver novamente se busca o saber das origens, o retorno ao útero materno, uma descida na caverna da alma. Uma alma socialista, se isso é possível.

Provado a total inutilidade de sistemas, que somos todos “cegos de olhos e sentimentos”; que “os animais são como as pessoas, acabam por habituar-se a tudo”; que “dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”; resta enfim uma pergunta: a obra de José Saramago era ou é tão boa assim a ponto de merecer um Nobel? Abandonando o ufanismo da língua mátria, acho que não. Palmilho seus livros (sem muita convicção),venço conceitos arcaicos, ultrapasso pensamentos mofados caídos na lata do lixo da história, e não consigo entender tamanha honraria.

As trágicas fantasias elaboradas pelo português agradam, talvez, por serem “aliciadores de espírito”, causarem mal estar entre seus leitores – o que pode ser confundido com um momento realmente sublime – mas se nos aprofundamos em seus escritos, eventualmente, toparemos com idéias mórbidas e fossilizadas a respeito de tudo, de tudo o que não é socialista-marxista, divisível. Mas será que milhões de vidas desperdiçadas em ambos os lados da trincheira: a do capital, triunfalmente selvagem; e o do socialismo, notoriamente anti-democrático, já não bastaram? Ainda são realmente necessários livros como “Ensaio sobre a cegueira” pra sabermos que o mundo é vil, que o ser humano é pérfido e que estamos fadados, ou a um fracasso total ou um fim mentiroso? Creio que não, para mim cheira a falsa devoção ou só hipocrisia. Voltemos a Machado.
so

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