quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Jogo de Cena

Numa sessão de pouco mais de uma pessoa, Jogo de Cena. Solidão na sala, solidão na tela. Num teatro de cadeiras vazias o diretor Eduardo Coutiinho ouve histórias de mulheres desconhecidas que contam histórias tão conhecidas que parecem nossas, ou de alguém muito próximo de nós.

Mais do que tudo o filme tem o papel de denunciar nossas friezas, nossas rudezas. Todos os dias milhares de pessoas passam por nós, nas ruas, nos ônibus, nos metrôs, nos shoppings, nos postos de saúde, nas filas. Enfim é uma infinidade de rostos desconhecidos. Não temos tempo para parar e olhar nos olhos de ninguém, o que dirá querer imaginar que histórias cada um tem para contar, que sonhos, que tristezas, que medos, que receios, que derrotas ou que felicidades tem para partilhar. Não temos tempo de ser sensíveis. Mas quando a insensibilidade se restringe apenas a desconhecidos, a nossa covardia até considera isso tolerável, agora quando a indiferença contamina quem está muito próximo, aí a coisa fica realmente grave. Como negar o perdão, o diálogo para o pai, a mãe, a esposa, o esposo, o filho, a filha, o namorado, a namorada? Somos cruéis e o escancarar dessa verdade é o que o filme tem de mais tocante.

Talvez ainda toda a emoção irradiada aconteça porque traz a ótica feminina protagonizando tudo, se fossem homens não sei se a poética seria tão fluida. Então casos banais passam a ser banhados a ouro. A jovem negra que sonhava em ser paquita descobre seu lugar no grupo “Nós do morro” na favela do Vidigal. A mulher que perde o filho que reagiu a um assalto e o encontra anos depois em sonho, onde ele ajuda-a superar a dor. A adolescente que tem seus sonhos inibidos devido a uma gravidez precoce. A mãe que sonhou com um bebê e o perde após o parto. Outra mãe que diz a que filha esfriou a relação das duas apenas porque levou um tapa da mãe. São acontecimentos prosaicos que se tornam sublimes, ainda mais quando excelentes atrizes encenam os fatos. Basta fixar os olhos nas expressões faciais de Fernando Torres, Andréa Beltrão e Marília Pêra, que depois da interpretação contam suas próprias impressões diante do que acabaram de fazer ou que causa no espectador a impressão de que ele também faz parte da produção do filme.

Perdoem-me a indiscrição, mas preciso revelar a última imagem do filme. No palco do Teatro onde tudo foi gravado aparece apenas a cadeira vazia (na qual todas sentaram) num intenso escuro. A cena é como se deixasse certas perguntas no ar: de que adiantou essas mulheres contarem suas histórias? Será que elas resolveram suas aflições? Seus problemas? E você caro espectador o que fará de agora em diante com que estiver ao teu lado? Vai ouvir mais as pessoas de agora em diante? Bem, se foi essa mesma a intenção, confesso com muito pesar que ainda não comecei a pôr nada em prática. Deixei que se fosse embora sem ouvir nenhuma palavra minha a única pessoa que dividiu a sessão comigo, uma senhora que partiu silenciosamente para quem eu não dirigi um mísero boa noite, e nem teci um comentário sem graça ou uma piadinha qualquer sobre a sessão vazia que acabávamos de assistir. Daí então penso que a cadeira vazia apenas prenunciasse nossas próximas atitudes perante ao próximo: nada.


t.c.s.

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