quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Redux


Revi Apocalipse Now do Francis Ford Coppola, dessa feita foi a versão Redux, ou seja, a versão integral do diretor sem os cortes necessários feitos quando da época do lançamento, que do contrário espantariam o público. A obra continua sensacional, e ainda tem um valor histórico fora do comum. Tendo como base o livro do Conrad, Coração das Trevas, sai o Congo belga e entra o Vietnã, sai o imperialismo entra em cena o capitalismo selvagem na luta para evitar que o comunismo se espalhasse pelo globo afora. Saem os negros entram os amarelos. Efetuando todas as trocas, fica no fim das contas, a mesma maldade humana. Se no livro tudo é insinuado e vislumbrado, como as cabeças presas nas lanças observadas de longe, no filme a idéia é que tudo transborde e que a obra seja um libelo contra a guerra, consegue.

Tanto em um quanto em outro predomina a presença de Kurtz, no filme Cel. Kurtz. Se alguém podia ser tão transbordante quase sem aparecer na tela, esse alguém era Marlon Brando, mas enquanto aguardamos a cereja do bolo, vamos digerindo as loucuras da guerra. E que guerra. Entra em cena um bestiário de personagens malucos, vivendo cada um sua própria batalha particular, enlouquecendo devagar e sempre, nesse ponto, Lance o surfista é um dos emblemas do filme, como se consumisse ácido o tempo inteiro ele vai deixando de lado sua sanidade e se pintando com as cores escuras da loucura. O comandante vivido por Robert Durvall é outro que aproveita a guerra como pode: "seus soldados o acham um homem bom", o mesmo que cobra respeito pelos feridos da guerra, mas que na hora de dar de beber a um deles e ficar frente a frente com alguém importante (no caso o surfista Lance) deixa o doente lá com sua sede de vida.

O caminho do barco rio acima é bem parecido com o livro, contra ventos e marés, se embrenhando loucura adentro, e tudo só vai piorando, as coelhinhas da Playboy são só mais um exemplo, não o pior. Dentro da lancha o capitão Willard (acho que no único papel em que eu gostei do Martin Sheen) vai lendo e revendo as informações sigilosas sobre o Kurtz, e ao mesmo tempo achando que se de louco todo mundo tem um pouco, Kurtz é na verdade o mais lúcido de todos que por ali circulam. No livro as informações sobre o Kurtz se resumem ao que um ou outro contam e a um texto escrito por ele, no filme isso tudo é um dossiê. Matar Kurtz é a missão, nela até o futuro Morpheu de Matrix aqui ainda chamado de Larry Fishbune, e os outros companheiros de missão seguem como se fossem oferendas a um Deus brincalhão.

Quando enfim surge Kurtz, prepare-se para, acho eu, a única vez que alguém trabalha tão pouco, mas com tanta qualidade. Gordo, sim, Marlon Brando está a meio caminho de ser aquele obeso do fim da vida, ainda é aquele que Truman Capote entrevistou, uns bons quilos acima. Careca (por sugestão própria), em tomadas que assustam e engrandecem o cinema. Minha sequência favorita dele é a segunda vez em que ele aparece, com o rosto pintado, magnífico, falar sobre isso é chover no molhado. Livro e filme são obras distintas, acabei de ler o livro e revi o filme, ambos tem o seu valor e eles merecem nossa atenção. No final sobram, no livro e no filme, a decadência humana em forma de palavras: O HORROR! O HORROR!



s.o.

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