segunda-feira, 30 de abril de 2012

Breve, num cinema perto de você

No cinema perto de casa, e no longe também, não passa nada que presta. Isso, desde sempre. Quando vão abrir cinemas para quem não gosta de super-mega-máxi-aventuras? Quando ficaremos embaixo daquela tela dos filmes que irão entrar em cartaz e salivaremos como quando diante de um cardápio maravilhoso?


Ver filmes hoje é escolher o menos ruim, ou não ir. Não ir significa não ter aquela sensação boa de ver um filme na telona, com som alto, os uhs e ahs da platéia. Ficar em casa significa que você terá que desligar sua televisão pois não passa nada que preste na tevê aberta; e ter tv a cabo pra quê se passo a maior parte do tempo fora de casa?

Tudo hoje no cinema é visto pelo viés da ação desenfreada, todos os filmes são missões impossíveis, em que impossível é não se agastar com meia hora de projeção. Tem filme hoje que quando termina é como se você tivesse corrido uma maratona. Tantas reviravoltas, cenas mirabolantes; chega a dar dor no grão dos olhos, como diria meu pai.

Por aqui fechou o cinecultura, pra nunca mais voltar, está morto e sepultado. Mas qual a razão de as salas de cinema como cinemark e cinépolis, as duas grandes redes que tem aqui, passarem nove filmes americanos e um brasileiro apenas? E o resto do cinema feito no mundo? Nada presta?

Sou contra reserva de mercado, mas nesse caso, se o cinema tem dez salas, deveria passar dois filmes brasileiros, dois europeus, dois latino-americanos, e dois do resto do mundo; para os americanos, os sanguessugas do cinema, que ficassem com as duas piores salas e lá se aboletassem quantos conseguissem entrar. Ou então que essas duas únicas salas fossem gigantes, pra colocar dentro quatrocentos tontos de uma só vez e pronto, ficariam felizes todos na sua ignorância.

É só ver os cartazes, tirando essa época em que ainda passam alguns indicados para o Oscar, festa tipicamente americana em que nós, resto do mundo, vivemos torcendo para termos um filminho qualquer nosso reconhecido, ainda passa um que outro filme razoável. Mas ninguém pode dizer que Piratas do Caribe 2, 3 e o 4 foram bons. Ninguém pode dizer que Imortais é um filme bom. Lixos que ainda são exibidos em 3D pra que o preço seja os olhos da cara.

Eu sei que numa sala em que estiver passando um filme iraniano não vai ter mais de vinte gatos pingados, mas esses gatos pingados não tem o direito de ver seus filmes favoritos no cinema? O “A pele que eu habito” do Almodóvar ficou em cartaz no cinépolis apenas por uma mísera semana, no dia que fui já era o último, e bye bye, no seu lugar entrou qualquer droga de hollywood.

Se reparar nem os desenhos animados escapam dessa lógica mercantilista: “Rango” é ou não um lixo? “Gato de Botas” é estranho ou não? O bom é que em matéria de desenhos animados alguns se salvam, como “Toy Story”, como “A Viagem de Chiriro”, ou “Persépolis”. Mas mesmo assim um filme como “Monstros S.A.” por exemplo é uma barafunda inacreditável, bonitinho, mas ordinário e caótico: parece treinamento pra quando as crianças crescerem.

O que rola é que cinema não é só comércio. Cinema é uma parte importante da lógica cultural de uma pessoa, de um país. É muito importante ver filmes, conhecer através deles, culturas diferentes da nossa. Hoje sabemos o quanto hollywood está impregnado em nossos hábitos. Achamos que adolescentes americanos se dividem em nerds e feios, jogadores de futebol americano e burros, meninas da torcida e gostosas, e as sonhadoras e inteligentes. Achamos que podemos topar com um serial killer a qualquer momento; que os mocinhos são implacáveis e lindos; que as mocinhas gritam e fazem sexo no meio do filme, qualquer que seja o filme. Achamos que iremos de uma hora pra outra salvar o mundo, virar de pobre sofredor a rico boa gente.

É isso, num cinema perto de você, se você não gostar de porcaria, não está passando nada que presta… e isso desde sempre…

5 discos da minha vida

Até os vinte anos, nenhum disco ficou na minha memória, tá, ficou, mas não formaram meu gosto musical, só mexem de quando em quando com minha memória afetiva. Morava na Nhecolândia, terra inóspita, imperava a música sertaneja. Se fosse escolher teria que ser algum disco do Milionário e José Rico; Tonico e Tinoco; mas não tinha discos deles em casa, se ouvia tudo pelo rádio. Depois nos mudamos pra Corumbá, lembro dos primeiros vinis que compraram, eram trilhas de novelas, acho que compravam quase todas. Tinha lá também o disco mais vendido do mundo na época, aquela trilha sonora dos Bee Gees para o filme do John Travolta; agora pensando nisso, me pergunto: como era possível que pessoas vindas da roça ouvissem Bee Gees? O improvável acontecia. Sabe outro disco que tinha? O primeiro disco solo de Freddie Mercury. Queen? Quem era Queen? Outra coisa que ouvíamos era Roberta Miranda e Sula Miranda; nos botequins mais trashs da cidade elas eram a senha pra que os bebuns de plantão pagassem mais cervejas quando a colocavam pra tocar. Mas tudo mudou. Na verdade eu me mudei, vim pra capital, que de diferente da roça e da cidade pequena não tinha nada, até hoje não tem: vide Luan Santana, Michel Teló. Aqui minha vida seria ouvir discos do Zé Correia se não surgisse na minha vida, meu primo. Também vindo do interior do estado, só que do outro lado. Na sua casa, minhas primeiras audições de música, só que agora sem ser só música ambiente, e sim, com orientação. Alguns discos da minha vida vêm dessa época, os outros derivaram do gosto que passei a ter, depois das tardes que nos juntávamos no apartamento do meu primo, uns cinco caras dentro de um quarto mínimo, e no três em um, rolando grandes discos:


Pink Floyd – The Wall: ninguém tinha um The Wall como o do meu primo. A capa branca, o muro, era assinada por todos que iam à casa dele e ouviam o disco. Quando eu cheguei já quase não tinha espaço pra assinar. Foi aquele disco o primeiro que ouvi lá? Acho que não, mas ouvir The Wall era uma celebração. Lembro de uma festa que do nada todos estávamos dançando Another Brick the Wall, nos jogando contra as paredes, tentando derrubar o salão de festas do condomínio, que de verdade nem nos prendiam, devia ser só fúria adolescente. Hoje, já faz tempo que não ouço The Wall, até tenho ele em mp3, só que as músicas não combinam com meu estado de espírito atual, mas passei o bastão para minhas filhas e elas aprenderam a escutar, a ver o filme do Alan Parker.

Led Zeppelin – II: se tinha um disco que meu primo curtia muito, esse era o dois do Led. Ele nunca cansava de explicar os detalhes da guitarra do Page, de repetir o quanto Bonham era o maior baterista do mundo, o quanto baixo do Jones era emblemático, e como Plant era o melhor vocalista. Ele teria sido um grande jornalista musical, se não tivesse se tornado carismático. Whole Lotta Love era o hit naquele quarto, explicado à exaustão, depois de um tempo, em que já conseguia definir o que era baixo, sacar o trabalho da guitarra do Page, aí ficávamos lá, curtindo o som.

U2 – The Unforgettable Fire: de todos os discos do U2, lá tinha esse. E foi com esse que todos fomos iniciados no império U2. Não era um disco fácil, tinha o hit: Pride; mas era um disco introspectivo e isso era motivo de contemplação por lá. Tudo o que U2 esgotaria depois estava ali em embrião, um disco que salvou a carreira do U2, dali eles iniciariam o seu domínio sobre o mundo, mas então não, era um disco lindo, pra se curtir apenas.

Led Zeppelin – I: bom, teve muitos outros discos na casa do meu primo, mas teve a hora que meu gosto estava consolidado. Se tinha um disco que sempre faltou lá, era esse, o primeiro do Led; hoje seria fácil, um download e pronto. Naquele tempo não. Mas eu vi a luz. Minha primeira filha tinha nascido, estava meio doido, queria comemorar fumando charutos, mas sem querer me vi nos corredores das lojas Americanas e na seção de discos, eu encontrei a mais ou menos, em valores de hoje, R$ 5,00, o Led I. Comprei vários, presenteei meu primo e alguns amigos, e aquele disco perfeito, é até hoje trilha sonora inesquecível.

Faith no More – The Real Thing: agora, pai de família, um moleque, imberbe, mas já pai. Essa fita cassete original assombrou minha casa sem móveis, era só três em um na sala, e ouvia deitado no chão, ou sentado, encostado na parede. O bebê brincava por ali, quietinha, e para ninguém incomodá-la na hora do soninho, dormia ao som de Epic, From out Nowhere, delícia.

O longo dia das tartarugas cidadãs

Desperta o celular, todo o trabalhador agora é regido pela ditatura do toque polifônico; da música mais estridente. Banho. Aquele único que ficaremos com ele o dia inteiro. Café preto, leite?, pão, manteiga, rua. As manhãs não são passarinhos. Dentro dos coletivos lotados uma parte da população que ainda não recebeu as benesses do governo petista (talvez por preguiça, quem sabe ignorância, ou falta de senso de oportunidade [isso é uma ironia]), essa parte se espreme dentro dos ônibus que cobram os olhos da cara para fazer esse favor, levar o gado para o abate.


Casas às costas; casas nos ombros. Mochilas cheias de tudo. Mudas de roupas, potes com comida, sacos com frutas, barras de cereais, garrafa com água, maquiagem, cremes corporais, absorventes, lenços, um casaco para o caso do tempo virar. Muitos ficam apreensivos, pensando que talvez a vasilha plástica em que está a comida, com o aperta-empurra, possa abrir e derrubar todo seu conteúdo. Muitos, portando seus ultra-mega-modernos celulares ching-lings, enfurnam-se dentro de si, e seguem para o matadouro ouvindo suas chansons sertanejas, suas musics de novela, seus rocks desvairados.

O aperta e solta está na alma das pessoas, o roça-roça é uma das cotas diárias de sofrimento que todos tem que sentir para quando chegarem ao serviço acharem que salários baixos, trabalhos em condições precárias, assédio moral, entre outros mimos do capital, são fichinhas perto do sofrimento já sentido. As tartarugas chegam enfim ao centro do poder, saem dos buracos dos metrôs, descem dos coletivos, correm para suas posições de trabalho, casas às costas, casas nos ombros. Vida longa às tartarugas.

Oficiam seus rituais, trabalham com precisão, zelo, atitude; na hora do almoço aquecem seus vasilhames em microondas (quando conseguem ter um por perto), comem vendo televisão (quando tem uma por perto), tentam descansar em qualquer lugar que encontrem. Uns aproveitam o horário do almoço para caminharem lentos pela cidade, pé ante pé, batem pernas, rodeiam vitrines, anseiam por coisas que não vão poder comprar. Retornam à labuta, labutam, labutam. No final do expediente, recolocam suas casas nas costas ou nos ombros e saem de encontro uns aos outros, na briga pelo melhor lugar para plantar os pés.

Os fins de tarde são de ônibus lotados, pessoas tentando ir para casa depois de mais um dia de trabalho. Voltam alquebrados, descompostos, amassados, amarfanhados. Entregam-se de corpo e alma aos coletivos. Tentam chegar em casa e assim concretizar o seu dia, pois como dizia Ésquilo, a ida é só metade da jornada. A visão é rude. Pessoas e mais pessoas carregando suas miniaturas de casas. Mochilas cheias de vazios. Mudas de roupas sujas, potes de comida - vazios, sacos de frutas sem frutas, cheiro de barras de cereais, garrafa sem água, maquiagem, cremes corporais, absorventes, lenços, um casaco para o caso do tempo virar. Somos tartarugas, nossas mochilas, nosso casco - nossa casa.

O mundo capitalista em que vivemos estende seus tentáculos, prende e solta. Fora desse universo, nada. Dentro, um tudo que é nada. Enquanto isso em salas climatizadas, os barões, rotchilds modernos, e ex-companheiros cretinos, contam moedas de Judas.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Alienados musicais


Percorro páginas e mais páginas atrás da melodia perfeita. Entro em uma, vejo as bandas, vou pra outra, sigo links e mais links. Descubro que existem bandas de rock no Ubesquistão. Percebo que a música faz parte de todo o mundo. Mas vou entendendo que esse universo é bem promíscuo e a música pop presta-se ao serviço mais boçal, o de alienar o ser humano.

Elas atacam em todas as frentes. Nada escapa ao organizado ataque das pop songs. Rebeldia? Trash metal. Revolta? Punk. Melancolia? Gothic. Alegria? Pop songs ensolaradas. Nerd? Power-pop. Elitizado? Música clássica. E por aí segue. Músicas para todos os gostos. Vocais adocicados. Vocais guturais. Vocais femininos. Vocais horrendos. Vocais gritalhados. Ninguém pode ficar de fora, todos tem que se encontrar musicalmente. Pois o capital comanda, e é necessário que todos recebam sua dose de alienação. Na veia, na fronte, direto no cérebro. As pessoas aprenderam a conversar ouvindo músicas.

É que a música está em tudo e não está em lugar nenhum. A música acalma. Faz com que os pensamentos desviem-se das dores do mundo. Um bom ouvinte sabe as metáforas mais refinadas e as mais toscas. Um bom ouvinte sabe que o mundo é uma merda, que o dinheiro está em tudo e comanda todas as relações. Essa verdade pura e simples é a que queremos evitar. Por isso ao invés de, nos momentos de folga, pensarmos o mundo a nossa volta, nesses breves momentos o mundo é que invade a nossa casa. E ouvimos o novíssimo cd de uma grandiosa banda irlandesa e ela nos pede que sejamos bons, que fiquemos bem, que pensemos nos outros. E os Beatles nos diziam que a revolução estava por se fazer e isso era só uma metáfora. The Clash era só revolta e ódio. Amy Winehouse quer se reabilitar. Britney quer ser feliz. Whitney precisa de grana para manter o seu vício. Cazuza falava que a morte estava viva. Raul pregava uma sociedade alternativa. Os sertanejos falam de tudo, de mulheres, pescarias, de paixões desenfreadas (sertanejo também faz parte do universo pop).

Todos indistintamente servem (alguns sem o saber, é claro) ao demônio do dinheiro. Músicas alienam, de um samba a um rap. Se os morangos do Criolo só são bons com a preta do lado, e se ele sabe que não existe amor em SP, ele descobre isso cantando versos que encantam e imobilizam. É óbvio que não existe amor em lugar nenhum, mas é preciso que sambas digam isso para que a gente fique por dentro, mas imóvel. Os sambas fornecem sua parte de alienação, vendem isso com melodias leves, com cara de frugais, mas mesmo assim prestam-se ao serviço do demônio do deixe estar. Todos os gostos musicais são abarcados para que ninguém escape à divagação. Quem vai numa rave sente o bate-estaca dentro da cabeça, dentro do corpo e começam a se movimentar. É que desde sempre a música faz parte da vida do ser humano. As músicas dos tambores foram as primeiras, depois a sofisticação foi aumentando; orquestras sinfônicas já se prestaram ao serviço de, mostrando um belo complexo, enganar o cérebro humano, fazendo-o se quedar inerte, feliz e inútil.

O que a maioria não sabe é que a música é mais uma arma do sistema - esse ente silencioso e invisível - o verdadeiro Deus de quem todos aguardam a volta num tropel alucinado de cavalos voadores. O sistema quer que todos sintam-se bem. Para isso existem pagodes simplistas, axés desvairados, sertanejos insensatos, sambas cabeças, sambas simples, rocks nervosos, punks generosos, músicas clássicas sensitivas, gospels enlevados: todos querem a mesma coisa, que as pessoas se alienem e se entreguem ao leve e doce abandono do deixar a vida o levar. Ah, a insensatez diária das pessoas, que seguem pra cima e para baixo com seus indefectíveis fones de ouvidos, alheios ao mundo, comprados que estão ao demônio financeiro. Alienem-se todos, a música como mais um dos objetos de consumo de massa está aí fazendo seu serviço para o bem e para o mal.



w.a.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Os programa mais interessante não falou como se devia do assunto...

É impressionante que quando o assunto é Lingua Portuguesa todo mundo se acha no direito de meter o bedelho. Agora a polêmica é o livro do MEC. O eficiente CQC acaba de fazer uma reportagem sobre o tema. E adivinhem! Não entrevistou quem devia entrevistar: um linguista! E muito menos os autores do livro para explicarem o acontecido.
Linguista? Exatamente! Para quem não sabe, linguista é o profissional da Linguística. E Linguística por sua vez é a ciência que estuda a língua com todos os seus fenômenos, com todas as variantes. A Linguística faz um trabalho totalmente diferente da norma culta defendida pelas gramáticas normativas que procura julgar as sentenças em simplesmente certo ou errado. Para a norma culta, uma sentença como “nós foi” é simplesmente erro, acabou e pronto. Ao passo que para a Linguística existe todo um contexto por trás de cada sentença: em que ocasião ela foi proferida? Por quem ela foi preferida? Que grau de escolaridade essa pessoa tinha? Qual o meio social em que a pessoa vive? Quais as referências culturais culturais dessa pessoa? Quantos anos tem essa pessoa ? E toda uma série de questionamentos que faz com que o assunto seja bem mais complexo do que não parece ser.
É imbuído desses conceitos que o livro do MEC ( o qual confesso que ainda não vi) me parece ter sido feito. Surge todo um estardalhaço em torno disso. “É coisa do Lula”, “É a glorificação da ignorância”, “Querem deixar os pobres ainda mais burros!”. Não se trata de nada disso! E duvido muito que os ditadores da norma culta conheçam pelo menos todas as regras de crase. O que acontece com a nossa tão amada Língua Portuguesa? As pessoas passam anos nos bancos de escola. Vão para a faculdade. Vão para o mestrado. Vão para o doutorado. E um dia descobrem : “Meu Deus, eu não sei nada de Gramática!” e correm desesperadas para os cursinhos, para os manuais, para as aulas em vídeo. E tudo isso porque simplesmente acham que nunca aprenderam gramática na escola. Aí que está o ledo engano. Não é que não aprenderam, aprenderam gramática demais. Uma gramática descontextualizada da realidade do aluno. O aluno é a vida inteira levado a crer que a norma culta é a melhor forma de se falar. Que essa é uma linguagem de prestígio. Que essa linguagem lhe garantirá uma ascensão social. Até hoje só vi a norma culta dar ascensão social para o Pasquale Cipro Neto que faz mil palestras pelo país inteiro falando de uma reforma ortográfica que pode ser entendida com uma única página, para o Sérgio Nogueira que fica no caldeirão do hulck soletrando aquelas estúpidas palavras que nunca ninguém vai usar na vida e para o Cegalla que chegou ao cúmulo de dizer em seu livro que o sotaque do Mato Grosso do Sul não soa bem aos ouvidos. E são nesses seres de sapiência gramatical rentável e inatingível, para nós reles mortais, que a nossa sociedade se mira e outorga à norma culta o status de “correta”. Eu em minhas aulas jamais uso os termos “certo” e “errado”. Para mim, tudo é sempre adequado ou não dentro de um contexto. A norma culta é só uma variante. Uma das formas de falar. Ou alguém abre mão das gírias, do regionalismo, do jargão profissional, do coloquialismo ou mesmo da linguagem chula cada qual dentro do seu contexto? É evidente que não! É só isso que o livro vem propor. Uma maneira de falar para cada ocasião. A diferença entre linguagem escrita e falada. Ou alguém se lembra de regras gramaticais depois do quinto copo no barzinho sexta-feira à noite? Ou teremos mesmo que corrigir um senhorzinho que nunca soube ler e escrever quando ele nos dirigir a palavra? A ausência da visão ampla das variaçõoes linguísticas que faz com que as pessoas sempre tenham a sensação de que nada sabem da gramática. Exemplo: a professora passa uma manhã inteira enfiando na cabeça do aluno que ele deve dizer “vou assistir ao filme” e  não “vou assistir o filme”.  E no entanto, ele sai às ruas e ouve todo mundo dizer “vou assistir o filme”. Não seria mais fácil dizer para o aluno que a norma culta determina que o verbo assistir significando ver é transitivo indireto e pede a preposião “ao” e no que entanto a regra não vai ser aplicada a contextos informais apenas por uma questão de economia vocabular já que a língua é algo extremamente vivo e que está em constante mutação?
Tudo isso é simplesmente desconsiderado quando se defende a norma culta. As pessoas simplesmente esquecem que você já foi vós micê que já foi vossa mercê e agora tem sido só cê. Informalidade é uma coisa. Norma culta é outra. E os alunos precisam saber disso o quanto antes.
Se vamos queimar o livro do MEC, joguemos na fogueira Guimarães Rosa, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e as letras de Adoniran Barbosa, afinal temos que defender a norma culta. Ou simplesmente sigamos os conselhos que o Padre Ezequiel deu ao mesmo Manoel de Barros:

"Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática."
(Manoel de Barros)







t.c.s

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O processo

A vida sabe a mistério. Passamos por ela, uns mais que outros. Alguns parecem sempre prontos para deixar sua marca gravada. Ocupam o centro do palco, regozijam-se com os holofotes, que parecem só seus. Para outros, viver é uma dificuldade infinita. Satisfazem-se com pouca coisa. Sorriem por cada dia que conseguem sobreviver. Uma categoria à parte é a dos quase. Poderiam ser o que quisessem, e não conseguem fazer a transição entre o nada e o ser. Travam batalhas insones e miseráveis; até são glorificados por alcançarem alguns momentos sublimes e só. Terminam sendo um alguém sem graça ou um ninguém sem sal. Não fazem falta ao concluírem ou mesmo se abreviam sua jornada. Desaparecem entre uma nuvem de "ohs, como era um brilhante... um brilhante...". É, como era. Como podia ter sido. Comos sem fim.


O fim, eis a grande verdade que não gostamos de enxergar. O fim chega pra todos sem misericórdia. Logo a vida, no fim, é uma corrida em que do nascer ao findar só fazemos é estar na estrada, correndo atrás de tudo aquilo que pensamos nos levar à tão propagada felicidade. Felicidade que nos cega quando alcançada em alguns breves e apoteóticos instantes. Tão intensos e mínimos quanto um orgasmo. Orgasmo de viver que passamos a vida atrás. Queremos os orgasmos que a vida sempre está a nos dever. O que me faz feliz hoje, necessariamente não será o que me fará feliz amanhã - num hipotético futuro. O que garantia minha felicidade ontem, hoje nem sequer é lembrado. Sei o que quero da vida, procuro ordenar minha vida numa rota possível em que eu acabe por cruzar com a alegria de viver. Tudo bem, sou mais melancólico do que esperançoso. Mas sei cultivar sorrisos. Sei o valor que ele tem quando brota límpido e faceiro num rosto de criança. A vida sabe a mistério.

Tentamos de tudo para sobreviver a ela então. Terapias drogas vagabundices acupuntura suicídio yoga danças de salão natação astrologia patins marxismo literaturas candomblé rock n'roll boate gay internet ecologia, mesmo assim sobra só esse nó no peito, e agora faço o quê? O que fazer se na contabilidade da vida, nunca o resto é zero? Sempre o saldo é um nó, que embola os sentidos, que nos traduz, nós os perfeitos imperfeitos. O nó da alegria, o nó da tristeza, o nó da raiva, o nó de um momento que perdemos. Atados a esses nós seguimos. Embolados em cordas imaginárias. Grilhões que nos retém perto do chão. Como anjos caídos, podam nossas asas, nos sonham Ícaros sem desejo de se lançar. A revolta enfim se perde em meio as chances que estão ao alcance de todos. Ser feliz parece apenas uma questão de tentar. Não precisamos mais ouvir o barulho das ruas. Não necessitamos vasculhar as atitudes alheias. Podemos viver num mundo à parte, de ilusão e reflexão. De vazio e distanciamento. O mundo ao nosso redor nem sente a nossa falta. Nós os raivosos, os melancólicos, os arrogantes, os irritantemente metidos a besta, nós que somos uns monstros por não dispararmos daqui pra lá e de lá pra cá "ohs e ahs' de satisfação por pouca coisa. Querem que sejamos ordeiros, quietos, comedidos, beatos, castos, calmos. Nos querem a todos de cangas no pescoço e nenhuma ideia na cabeça, só o leve seguir das ondas corretas que atravessam o dique do mundo perfeito e ilusório que construiram pra nós.

Que se rompa os grilhões da igualdade da fraternidade da liberdade. Quando todos estão para o mesmo lado de um navio, a possibilidade dele afundar é maior. Fujamos para um paraíso imperfeito que iremos construir à força do pensamento. Tragaremos a fumaça da discórdia. Repararemos na dor do desencanto. Chutaremos uns baldes de falsas felicidades. Deixaremos entrever a coxa saborosa da falsidade, que está ali, embaixo do popeline, encobrindo os eczemas e iludindo os novos velhos habitantes do planeta que um dia foi azul. Tudo isso pra que? Façamos de tudo para não nos perdermos em meio às paisagens que nos ofertam de graça, como drogas para um iniciante. Alguém precisa reter nas mãos a chama da revolta, nem que seja pra ter a autonomia de desligar a tv. Ter coragem de fechar as revistas. Afastar os olhos da unanimidade. Não se deixar levar pelos medíocres bandos para um banquete em que são servidos almas frágeis e bebido sangue em copos de massa de tomates. Não nos iludamos com os gritos que nos atravessam, eles não podem nos derrubar. São apenas impropérios sem fundamentos, nem direção. Se nos afetam é que estamos frágeis pra enfrentar de brisas a tornados. Sejamos fortes, dignos e verdadeiros. Só somos nós mesmos quando temos nas mãos o leme a bússola e os mapas todos da rota que pretendemos tomar ou quando vagamos de peito aberto, como um Dom Quixote insone, por mundos de sonhos e reais sem nunca fugir de uma boa briga.

 
 
s.e.s.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Trilhas: Dois - Legião Urbana


Se teve um disco (aqui é disco mesmo) que eu ouvi milhares de vezes, esse foi o Dois da Legião. Singularmente ele fez parte da minha vida, e ainda, em alguns momentos - como agora, em que estou escrevendo - volto a ele e encontro coisas para me encantar. Hoje em dia conheço pessoas que nunca ouviram ou não se ligam no que Renato Russo fazia. Se estão certos não sei, eu mesmo os escuto pouco agora, mas eu ouvia e isso era tão importante pra mim, que não se pode deixar de falar nisso.


***

Daniel na cova dos leões: uma rádio sendo sintonizado, metalinguagem? o que toca ao fundo é a própria banda. Biblicamente é dado partida na viagem. Dizem, os 'expertos', que a letra fala da homossexualidade latente do vocalista. Que a música é cheia de pistas como a tão citada parte: "teu corpo é o meu espelho e em ti navego" ou "aquele gosto amargo do teu corpo, ficou na minha boca por mais tempo". Nem é caso de discutir o indiscutível, pois Russo era mesmo gay (só assumiu muito tempo depois). Mas o que temos aqui, também, é uma pérola da insegurança adolescente. Nunca sabemos de verdade o que queremos, como faremos as coisas, e se o que pretendemos fazer é o certo ou errado. Ser gay era um princípio em forma de Esfinge para Renato, talvez por isso tanta ambiguidade.

Quase sem querer: violões, a bateria raquítica de Bonfá, o baixo mudo de Renato Rocha, nada disso atrapalha aqui. Uma das letras mais belas de Renato, e o universo se descortina. Solidão, indecisão, confusão, Renato, se tem a dúvida com a sua sexualidade, agora tem uma banda e ele sempre sonhou com isso. Sua força vem da alegria de ser como seus ídolos, Morrisey, Curtis etc. E ele pode se entregar a criar canções tão encantadoras. O que tem demais nessa música? Quase nada, vejo hoje, mas era melodiosa, fácil de cantarolar - até pra mim sujeito que não acerta uma letra. O rock descomplicado, simples e assobiável: "o infinito é realmente um dos deuses mais lindos"; e lá íamos nós, pra onde? Lugar nenhum, mas pelo menos tínhamos agora uma turma que gostava da mesma coisa, e tíhamas algumas canções para cantarmos perto do fogo, pois de tão indigentes qualquer um aprendia a tocar no violão; melhor que sertaneja.

Acrilic on canvas: eu acho essa a melhor do disco (é disco mesmo). Adoro pela excelente letra - quer dizer, eu acho excelente. Mas é um jogo virtual, e não existia nada virtual naqueles tempos. É uma música cubista, um universo se descortina lentamente, como num jogo de armar. Letra, música e a imaginação de cada ouvinte. Quantos quadros não pintei mentalmente, quantas pessoas diferentes não surgiram. Quantas camas não desmontei? E tantos pedaços de cabelos diferentes, lisos, crespos não usei? Tudo era tridimensional, talvez ninguém tenha entendido assim, mas era. Uma poesia em que podíamos ver surgir um quadro com diversas partes montadas, com inúmeros ângulos e possibilidades. A música quebrada, com um baixo passeando, uma guitarra deslizando, a bateria marcando uma cadência simples, o vocal despejando ações, fatos. Podemos ver Renato pintando, trocamos de lugar com ele, e logo estamos todos perdidamentes mesmerizados.

Eduardo e Mônica: nunca aprendi essa letra inteira, nunca. Eu acho isso o máximo, é inacreditável, pois minhas filhas não eram nem projetos, nasceram, cresceram e...aprenderam, eu não, quando a canto, até hoje erro. Não gosto dela, tocova demais, todos a amavam, alguns, estúpidos, trocavam os nomes. Seria hoje um bom post, num blog qualquer desses milhares que tem por aí. Mas é um dos mega-hits do disco, e fazer o quê né? Ouvia-se, cantarolava-se, balançava-se o dedinho no ar...etc.

Central do Brasil: gosto dela, instrumental que brota do nada, comprova toda a parquíssima 'catigoria' da banda em termos musicais, mas apresenta a sensibilidade da banda, e isso é tudo.

Tempo perdido: Legião Urbana no Globo de Ouro, era toda sexta feira, e eles passaram ums semanas indo lá. Era tosquíssimo, ridículo, mas mesmo assim ver Russo sacudindo os braços naquela dança esquisita e xamânica, era belíssimo. É, para mim, o grande hit do disco, letra e música dessa vez estão no mesmo nível. No show (yeah, eu fui num show deles) essa música era como chamar todos para um ritual de gritos e danças pessoais amalucadas (bom, na verdade, o público da legião era bem chatinho de tão fiel) e lá ficavam (alguns de olhos fechados até) "temos todo tempo do mundo" (não tínhamos). E, podemos perceber hoje, que sim, tudo foi um tempo perdido, e continuará sendo. Pelo menos naquela época, perdíamos tempo com Legião e não com um espúrio NX-0. Cada geração perde seu tempo com a banda que lhe apetece, ou que consegue entender.

Metrópole: "é sangue mesmo, não é mertiolate", sim, um punkinho para ouvidos desatentos. O que era legal na Legião passava por você não estar levando só uma banda pra casa, tinha todas aquelas entrevistas em que o Renato Russo despejava sobre seus fãs suas manias, seus gostos musicais, literários, cinematográficos. Quantos não gostam de The Cure, The Smiths, Joy Division e outras bandas mais, pois ouviram Renato falar o quanto gostava delas? Metrópole é isso, uma música urbana nº 1.

Plantas debaixo do aquário: todo disco tem que ter aquela música não tão tocável na rádio, nem apresentável em programas de televisão. A desse disco é essa, uma maluquice pós-moderna, de letra absurda e estúpida, até isso é 'legio omnia vincit', em alguns momentos era amar ou odiar. Aqui falava das paranóias da vida moderna, e a possibilidade de guerra atômica era uma delas, como era também a falta de confiança nas pessoas.

Música urbana 2: essa tem uma simplicidade total. Cássia Eller e a própria Legião gravaram outras versões melhores que essa, a da Legião está no "Músicas para acampamento", lá é mais bluesy, mais encorpada. A da Cássia está em um dos discos ao vivo dela, e é fodástica, como muitas das versões que ela fazia. Mas essa música vale aqui pra perceber mais uma das influências da banda: blues.

Andrea Doria: um barco italiano que naufragou com 1705 pessoas dentro, intertextualidade pra falar de fim de relacionamento. Renato era mesmo um excelente letrista, nunca criaria estupidez como essa que embala milhões de brasileiros hoje em dia: "Com esperança me sinto vivo/A bola é pra frente, o pensamento é positivo" (pausa para um vômito). El Russo falava de amor assim: "Às vezes parecia/Que era só improvisar/E o mundo então seria/Um livro aberto...", não dá pra comparar.

Fábrica: um panfleto do eterno punk Renato Russo. "Quem guarda os portões da fábrica"; "o céu já foi azul demais, agora é cinza, e o que era verde aqui, já não existe mais". Rimbaud e seu poema das cores chegam ao terceiro mundo (hoje só pode falar em países em desenvolvimento). Fala de um tempo em que se sofria muito por aqui; tempos em que “a esperança ainda não havia vencido o medo”; era uma terra inóspita, e sobreviver um 'pega pra capar'. Não mudou muito, troca-se uma peça aqui, outra ali, mas ainda e sempre, serão necessárias pessoas limpando o chão sujo da fábrica. Nunca teremos educação de verdade para todos, excelentes empregos pra todos, alguns sobrarão, naqueles ou nesse governo.

Índios: a letra dos nadadores ou atletas. Para acompanhar Renato era necessário fôlego. "Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo ouro que entreguei a quem...", e segue, num aranzel infinito. Letra feita no estúdio, antes da gravação do disco (assim reza a lenda), jogo rápido. Aqui um pianinho segue a letra, pontuando e animando para não acabar o ânimo. Mais um hit, agora as rádios e programas de televisão começavam a entender que as coisas tinham mudado definitivamente, ninguém iria mais cantar “sonhos de Ìcaros”, ou “whiskies a go-gos”, era o fim para todos. Depois que essa música se tornou a mais pedida, estava aberto o caminho para o triunfo do rock brazuca: “tentei chorar mas não consegui”.

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Hoje, vivemos num universo completamente diferente. As mídias estão por toda a parte, televisão, rádio, computadores, música sem invólucros, bandas que sobrevivem sem uma grande gravadora; a venda de cds quase no chão; a maior banda de rock'n'roll é formada por emos e agora por adolescentes coloridos que choram ao invés de cantarem. Tudo esboroou-se tiranicamente num muro de idéias rarefeitas. Titãs, Paralamas, Engenheiros sobrevivem e são nossos dinossauros; não foram destronados, apenas aposentados com elegância. Temos o triunfo do axé, Ivete Sangalo é "best of the best"; a música sertaneja continua firme e forte; nenhuma novidade no front musical, apenas Luan Santana, que é apenas uma reciclagem de idéias; um pensamento tipicamente anos 00. Amor, fraternidade, letras que falam de nada, que não reclamam de nada, que não querem nada, apenas chororos de pessoas que querem ser amadas, abraçadas e chega pois estou quase em vias de derramar um generoso vômito. Qual a importância da Legião Urbana nisso tudo? Com eles, nós éramos mais rebeldes. E viva Renato Russo, o nosso Simon Bolívar, o libertador que nos salvou das músicas bregas tocadas nas FMs e Cassinos e abriu a porta de uma nova dimensão, mesmo que hoje gostemos muito de música brega pois elas agora soam tão singulares aos nossos ouvidos. Coisas do tempo.







s.e.s.