terça-feira, 24 de maio de 2011

Os programa mais interessante não falou como se devia do assunto...

É impressionante que quando o assunto é Lingua Portuguesa todo mundo se acha no direito de meter o bedelho. Agora a polêmica é o livro do MEC. O eficiente CQC acaba de fazer uma reportagem sobre o tema. E adivinhem! Não entrevistou quem devia entrevistar: um linguista! E muito menos os autores do livro para explicarem o acontecido.
Linguista? Exatamente! Para quem não sabe, linguista é o profissional da Linguística. E Linguística por sua vez é a ciência que estuda a língua com todos os seus fenômenos, com todas as variantes. A Linguística faz um trabalho totalmente diferente da norma culta defendida pelas gramáticas normativas que procura julgar as sentenças em simplesmente certo ou errado. Para a norma culta, uma sentença como “nós foi” é simplesmente erro, acabou e pronto. Ao passo que para a Linguística existe todo um contexto por trás de cada sentença: em que ocasião ela foi proferida? Por quem ela foi preferida? Que grau de escolaridade essa pessoa tinha? Qual o meio social em que a pessoa vive? Quais as referências culturais culturais dessa pessoa? Quantos anos tem essa pessoa ? E toda uma série de questionamentos que faz com que o assunto seja bem mais complexo do que não parece ser.
É imbuído desses conceitos que o livro do MEC ( o qual confesso que ainda não vi) me parece ter sido feito. Surge todo um estardalhaço em torno disso. “É coisa do Lula”, “É a glorificação da ignorância”, “Querem deixar os pobres ainda mais burros!”. Não se trata de nada disso! E duvido muito que os ditadores da norma culta conheçam pelo menos todas as regras de crase. O que acontece com a nossa tão amada Língua Portuguesa? As pessoas passam anos nos bancos de escola. Vão para a faculdade. Vão para o mestrado. Vão para o doutorado. E um dia descobrem : “Meu Deus, eu não sei nada de Gramática!” e correm desesperadas para os cursinhos, para os manuais, para as aulas em vídeo. E tudo isso porque simplesmente acham que nunca aprenderam gramática na escola. Aí que está o ledo engano. Não é que não aprenderam, aprenderam gramática demais. Uma gramática descontextualizada da realidade do aluno. O aluno é a vida inteira levado a crer que a norma culta é a melhor forma de se falar. Que essa é uma linguagem de prestígio. Que essa linguagem lhe garantirá uma ascensão social. Até hoje só vi a norma culta dar ascensão social para o Pasquale Cipro Neto que faz mil palestras pelo país inteiro falando de uma reforma ortográfica que pode ser entendida com uma única página, para o Sérgio Nogueira que fica no caldeirão do hulck soletrando aquelas estúpidas palavras que nunca ninguém vai usar na vida e para o Cegalla que chegou ao cúmulo de dizer em seu livro que o sotaque do Mato Grosso do Sul não soa bem aos ouvidos. E são nesses seres de sapiência gramatical rentável e inatingível, para nós reles mortais, que a nossa sociedade se mira e outorga à norma culta o status de “correta”. Eu em minhas aulas jamais uso os termos “certo” e “errado”. Para mim, tudo é sempre adequado ou não dentro de um contexto. A norma culta é só uma variante. Uma das formas de falar. Ou alguém abre mão das gírias, do regionalismo, do jargão profissional, do coloquialismo ou mesmo da linguagem chula cada qual dentro do seu contexto? É evidente que não! É só isso que o livro vem propor. Uma maneira de falar para cada ocasião. A diferença entre linguagem escrita e falada. Ou alguém se lembra de regras gramaticais depois do quinto copo no barzinho sexta-feira à noite? Ou teremos mesmo que corrigir um senhorzinho que nunca soube ler e escrever quando ele nos dirigir a palavra? A ausência da visão ampla das variaçõoes linguísticas que faz com que as pessoas sempre tenham a sensação de que nada sabem da gramática. Exemplo: a professora passa uma manhã inteira enfiando na cabeça do aluno que ele deve dizer “vou assistir ao filme” e  não “vou assistir o filme”.  E no entanto, ele sai às ruas e ouve todo mundo dizer “vou assistir o filme”. Não seria mais fácil dizer para o aluno que a norma culta determina que o verbo assistir significando ver é transitivo indireto e pede a preposião “ao” e no que entanto a regra não vai ser aplicada a contextos informais apenas por uma questão de economia vocabular já que a língua é algo extremamente vivo e que está em constante mutação?
Tudo isso é simplesmente desconsiderado quando se defende a norma culta. As pessoas simplesmente esquecem que você já foi vós micê que já foi vossa mercê e agora tem sido só cê. Informalidade é uma coisa. Norma culta é outra. E os alunos precisam saber disso o quanto antes.
Se vamos queimar o livro do MEC, joguemos na fogueira Guimarães Rosa, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e as letras de Adoniran Barbosa, afinal temos que defender a norma culta. Ou simplesmente sigamos os conselhos que o Padre Ezequiel deu ao mesmo Manoel de Barros:

"Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática."
(Manoel de Barros)







t.c.s

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