sexta-feira, 13 de maio de 2011

O processo

A vida sabe a mistério. Passamos por ela, uns mais que outros. Alguns parecem sempre prontos para deixar sua marca gravada. Ocupam o centro do palco, regozijam-se com os holofotes, que parecem só seus. Para outros, viver é uma dificuldade infinita. Satisfazem-se com pouca coisa. Sorriem por cada dia que conseguem sobreviver. Uma categoria à parte é a dos quase. Poderiam ser o que quisessem, e não conseguem fazer a transição entre o nada e o ser. Travam batalhas insones e miseráveis; até são glorificados por alcançarem alguns momentos sublimes e só. Terminam sendo um alguém sem graça ou um ninguém sem sal. Não fazem falta ao concluírem ou mesmo se abreviam sua jornada. Desaparecem entre uma nuvem de "ohs, como era um brilhante... um brilhante...". É, como era. Como podia ter sido. Comos sem fim.


O fim, eis a grande verdade que não gostamos de enxergar. O fim chega pra todos sem misericórdia. Logo a vida, no fim, é uma corrida em que do nascer ao findar só fazemos é estar na estrada, correndo atrás de tudo aquilo que pensamos nos levar à tão propagada felicidade. Felicidade que nos cega quando alcançada em alguns breves e apoteóticos instantes. Tão intensos e mínimos quanto um orgasmo. Orgasmo de viver que passamos a vida atrás. Queremos os orgasmos que a vida sempre está a nos dever. O que me faz feliz hoje, necessariamente não será o que me fará feliz amanhã - num hipotético futuro. O que garantia minha felicidade ontem, hoje nem sequer é lembrado. Sei o que quero da vida, procuro ordenar minha vida numa rota possível em que eu acabe por cruzar com a alegria de viver. Tudo bem, sou mais melancólico do que esperançoso. Mas sei cultivar sorrisos. Sei o valor que ele tem quando brota límpido e faceiro num rosto de criança. A vida sabe a mistério.

Tentamos de tudo para sobreviver a ela então. Terapias drogas vagabundices acupuntura suicídio yoga danças de salão natação astrologia patins marxismo literaturas candomblé rock n'roll boate gay internet ecologia, mesmo assim sobra só esse nó no peito, e agora faço o quê? O que fazer se na contabilidade da vida, nunca o resto é zero? Sempre o saldo é um nó, que embola os sentidos, que nos traduz, nós os perfeitos imperfeitos. O nó da alegria, o nó da tristeza, o nó da raiva, o nó de um momento que perdemos. Atados a esses nós seguimos. Embolados em cordas imaginárias. Grilhões que nos retém perto do chão. Como anjos caídos, podam nossas asas, nos sonham Ícaros sem desejo de se lançar. A revolta enfim se perde em meio as chances que estão ao alcance de todos. Ser feliz parece apenas uma questão de tentar. Não precisamos mais ouvir o barulho das ruas. Não necessitamos vasculhar as atitudes alheias. Podemos viver num mundo à parte, de ilusão e reflexão. De vazio e distanciamento. O mundo ao nosso redor nem sente a nossa falta. Nós os raivosos, os melancólicos, os arrogantes, os irritantemente metidos a besta, nós que somos uns monstros por não dispararmos daqui pra lá e de lá pra cá "ohs e ahs' de satisfação por pouca coisa. Querem que sejamos ordeiros, quietos, comedidos, beatos, castos, calmos. Nos querem a todos de cangas no pescoço e nenhuma ideia na cabeça, só o leve seguir das ondas corretas que atravessam o dique do mundo perfeito e ilusório que construiram pra nós.

Que se rompa os grilhões da igualdade da fraternidade da liberdade. Quando todos estão para o mesmo lado de um navio, a possibilidade dele afundar é maior. Fujamos para um paraíso imperfeito que iremos construir à força do pensamento. Tragaremos a fumaça da discórdia. Repararemos na dor do desencanto. Chutaremos uns baldes de falsas felicidades. Deixaremos entrever a coxa saborosa da falsidade, que está ali, embaixo do popeline, encobrindo os eczemas e iludindo os novos velhos habitantes do planeta que um dia foi azul. Tudo isso pra que? Façamos de tudo para não nos perdermos em meio às paisagens que nos ofertam de graça, como drogas para um iniciante. Alguém precisa reter nas mãos a chama da revolta, nem que seja pra ter a autonomia de desligar a tv. Ter coragem de fechar as revistas. Afastar os olhos da unanimidade. Não se deixar levar pelos medíocres bandos para um banquete em que são servidos almas frágeis e bebido sangue em copos de massa de tomates. Não nos iludamos com os gritos que nos atravessam, eles não podem nos derrubar. São apenas impropérios sem fundamentos, nem direção. Se nos afetam é que estamos frágeis pra enfrentar de brisas a tornados. Sejamos fortes, dignos e verdadeiros. Só somos nós mesmos quando temos nas mãos o leme a bússola e os mapas todos da rota que pretendemos tomar ou quando vagamos de peito aberto, como um Dom Quixote insone, por mundos de sonhos e reais sem nunca fugir de uma boa briga.

 
 
s.e.s.

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