segunda-feira, 30 de abril de 2012

O longo dia das tartarugas cidadãs

Desperta o celular, todo o trabalhador agora é regido pela ditatura do toque polifônico; da música mais estridente. Banho. Aquele único que ficaremos com ele o dia inteiro. Café preto, leite?, pão, manteiga, rua. As manhãs não são passarinhos. Dentro dos coletivos lotados uma parte da população que ainda não recebeu as benesses do governo petista (talvez por preguiça, quem sabe ignorância, ou falta de senso de oportunidade [isso é uma ironia]), essa parte se espreme dentro dos ônibus que cobram os olhos da cara para fazer esse favor, levar o gado para o abate.


Casas às costas; casas nos ombros. Mochilas cheias de tudo. Mudas de roupas, potes com comida, sacos com frutas, barras de cereais, garrafa com água, maquiagem, cremes corporais, absorventes, lenços, um casaco para o caso do tempo virar. Muitos ficam apreensivos, pensando que talvez a vasilha plástica em que está a comida, com o aperta-empurra, possa abrir e derrubar todo seu conteúdo. Muitos, portando seus ultra-mega-modernos celulares ching-lings, enfurnam-se dentro de si, e seguem para o matadouro ouvindo suas chansons sertanejas, suas musics de novela, seus rocks desvairados.

O aperta e solta está na alma das pessoas, o roça-roça é uma das cotas diárias de sofrimento que todos tem que sentir para quando chegarem ao serviço acharem que salários baixos, trabalhos em condições precárias, assédio moral, entre outros mimos do capital, são fichinhas perto do sofrimento já sentido. As tartarugas chegam enfim ao centro do poder, saem dos buracos dos metrôs, descem dos coletivos, correm para suas posições de trabalho, casas às costas, casas nos ombros. Vida longa às tartarugas.

Oficiam seus rituais, trabalham com precisão, zelo, atitude; na hora do almoço aquecem seus vasilhames em microondas (quando conseguem ter um por perto), comem vendo televisão (quando tem uma por perto), tentam descansar em qualquer lugar que encontrem. Uns aproveitam o horário do almoço para caminharem lentos pela cidade, pé ante pé, batem pernas, rodeiam vitrines, anseiam por coisas que não vão poder comprar. Retornam à labuta, labutam, labutam. No final do expediente, recolocam suas casas nas costas ou nos ombros e saem de encontro uns aos outros, na briga pelo melhor lugar para plantar os pés.

Os fins de tarde são de ônibus lotados, pessoas tentando ir para casa depois de mais um dia de trabalho. Voltam alquebrados, descompostos, amassados, amarfanhados. Entregam-se de corpo e alma aos coletivos. Tentam chegar em casa e assim concretizar o seu dia, pois como dizia Ésquilo, a ida é só metade da jornada. A visão é rude. Pessoas e mais pessoas carregando suas miniaturas de casas. Mochilas cheias de vazios. Mudas de roupas sujas, potes de comida - vazios, sacos de frutas sem frutas, cheiro de barras de cereais, garrafa sem água, maquiagem, cremes corporais, absorventes, lenços, um casaco para o caso do tempo virar. Somos tartarugas, nossas mochilas, nosso casco - nossa casa.

O mundo capitalista em que vivemos estende seus tentáculos, prende e solta. Fora desse universo, nada. Dentro, um tudo que é nada. Enquanto isso em salas climatizadas, os barões, rotchilds modernos, e ex-companheiros cretinos, contam moedas de Judas.

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