terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sensações olímpicas

A vida só é vida se cumpre sua cota de surpresas maquiavélicas. Quando menos esperamos estamos sentados confortavelmente em nosso melhor sofá, deixando esvair a alegria de estar. Já não faltamos mais a nenhum compromisso, não molhamos os pés, majestosamente, em poças de chuva. Nos fechamos em nós e só abrimos pequenas frestas. Como isso tudo ocorre e nem percebemos? Qual o instante que nos trancamos em nossa carapaça e perdemos o apetite do olhar? Quando o beijo doce no rosto não arrepia mais? A alegria de viver, perdida em meios aos embrulhos da trapaça. Virtudes desperdiçadas quitando contas que já nem sabemos a razão de tê-las feito. Sacrifícios pueris pra não desagradar ninguém, pois, de resto, só devotamos nossa parca felicidade aos nossos eleitos de sempre. A eles tudo. Como é ardiloso o cálice da ilusão: somos enganados pelo tempo que se esvai; pelos companheiros que não aparecem pra dizer olá, pelo simples prazer de dizer olá; pelas possibilidades que não se cumprem. Desejos indesejáveis. Compromissos inadiáveis. Nos importamos demais. A seriedade é roupa que compramos em brechó, que não cabe bem nas vezes que tentamos vesti-la. Deixar tudo de lado um pouco, nos abandonar à suave beatitude de não nos levarmos tão a sério sempre. Não somos relógios, por isso não precisamos ser tão amargos. Desejo de tocar as estrelas, de sorrir para o idoso, atravessar a rua enfrentando carros mau-humorados, cumprimentar o invisível gari, chegar atrasado ao trabalho pelo simples prazer de ver o dia acontecer numa hora diferente. Estamos cegos, perdidos em meio a uma corrida de obstáculos em que no final, mesmo conseguindo chegar, não ganharemos nada senão o cansaço característico de toda maratona. Mas sempre há de ser tempo, ("Está na hora de saber! Está na hora da pedra começar a florescer, de um coração golpear a inquietude. Está na hora de ser hora. Está na hora” - Paul Celan), pra abandonarmos nossas impenetráveis construções, pelo menos um pouco, e nos vestirmos com as cores da infância, e assim nos abandonarmos às delícias do mundo, pois sim, elas existem, nós é que já não as conseguimos divisar mais em meio ao nevoeiro do dia-a-dia infernal.










s.o.

Nenhum comentário: