segunda-feira, 30 de abril de 2012

Breve, num cinema perto de você

No cinema perto de casa, e no longe também, não passa nada que presta. Isso, desde sempre. Quando vão abrir cinemas para quem não gosta de super-mega-máxi-aventuras? Quando ficaremos embaixo daquela tela dos filmes que irão entrar em cartaz e salivaremos como quando diante de um cardápio maravilhoso?


Ver filmes hoje é escolher o menos ruim, ou não ir. Não ir significa não ter aquela sensação boa de ver um filme na telona, com som alto, os uhs e ahs da platéia. Ficar em casa significa que você terá que desligar sua televisão pois não passa nada que preste na tevê aberta; e ter tv a cabo pra quê se passo a maior parte do tempo fora de casa?

Tudo hoje no cinema é visto pelo viés da ação desenfreada, todos os filmes são missões impossíveis, em que impossível é não se agastar com meia hora de projeção. Tem filme hoje que quando termina é como se você tivesse corrido uma maratona. Tantas reviravoltas, cenas mirabolantes; chega a dar dor no grão dos olhos, como diria meu pai.

Por aqui fechou o cinecultura, pra nunca mais voltar, está morto e sepultado. Mas qual a razão de as salas de cinema como cinemark e cinépolis, as duas grandes redes que tem aqui, passarem nove filmes americanos e um brasileiro apenas? E o resto do cinema feito no mundo? Nada presta?

Sou contra reserva de mercado, mas nesse caso, se o cinema tem dez salas, deveria passar dois filmes brasileiros, dois europeus, dois latino-americanos, e dois do resto do mundo; para os americanos, os sanguessugas do cinema, que ficassem com as duas piores salas e lá se aboletassem quantos conseguissem entrar. Ou então que essas duas únicas salas fossem gigantes, pra colocar dentro quatrocentos tontos de uma só vez e pronto, ficariam felizes todos na sua ignorância.

É só ver os cartazes, tirando essa época em que ainda passam alguns indicados para o Oscar, festa tipicamente americana em que nós, resto do mundo, vivemos torcendo para termos um filminho qualquer nosso reconhecido, ainda passa um que outro filme razoável. Mas ninguém pode dizer que Piratas do Caribe 2, 3 e o 4 foram bons. Ninguém pode dizer que Imortais é um filme bom. Lixos que ainda são exibidos em 3D pra que o preço seja os olhos da cara.

Eu sei que numa sala em que estiver passando um filme iraniano não vai ter mais de vinte gatos pingados, mas esses gatos pingados não tem o direito de ver seus filmes favoritos no cinema? O “A pele que eu habito” do Almodóvar ficou em cartaz no cinépolis apenas por uma mísera semana, no dia que fui já era o último, e bye bye, no seu lugar entrou qualquer droga de hollywood.

Se reparar nem os desenhos animados escapam dessa lógica mercantilista: “Rango” é ou não um lixo? “Gato de Botas” é estranho ou não? O bom é que em matéria de desenhos animados alguns se salvam, como “Toy Story”, como “A Viagem de Chiriro”, ou “Persépolis”. Mas mesmo assim um filme como “Monstros S.A.” por exemplo é uma barafunda inacreditável, bonitinho, mas ordinário e caótico: parece treinamento pra quando as crianças crescerem.

O que rola é que cinema não é só comércio. Cinema é uma parte importante da lógica cultural de uma pessoa, de um país. É muito importante ver filmes, conhecer através deles, culturas diferentes da nossa. Hoje sabemos o quanto hollywood está impregnado em nossos hábitos. Achamos que adolescentes americanos se dividem em nerds e feios, jogadores de futebol americano e burros, meninas da torcida e gostosas, e as sonhadoras e inteligentes. Achamos que podemos topar com um serial killer a qualquer momento; que os mocinhos são implacáveis e lindos; que as mocinhas gritam e fazem sexo no meio do filme, qualquer que seja o filme. Achamos que iremos de uma hora pra outra salvar o mundo, virar de pobre sofredor a rico boa gente.

É isso, num cinema perto de você, se você não gostar de porcaria, não está passando nada que presta… e isso desde sempre…

5 discos da minha vida

Até os vinte anos, nenhum disco ficou na minha memória, tá, ficou, mas não formaram meu gosto musical, só mexem de quando em quando com minha memória afetiva. Morava na Nhecolândia, terra inóspita, imperava a música sertaneja. Se fosse escolher teria que ser algum disco do Milionário e José Rico; Tonico e Tinoco; mas não tinha discos deles em casa, se ouvia tudo pelo rádio. Depois nos mudamos pra Corumbá, lembro dos primeiros vinis que compraram, eram trilhas de novelas, acho que compravam quase todas. Tinha lá também o disco mais vendido do mundo na época, aquela trilha sonora dos Bee Gees para o filme do John Travolta; agora pensando nisso, me pergunto: como era possível que pessoas vindas da roça ouvissem Bee Gees? O improvável acontecia. Sabe outro disco que tinha? O primeiro disco solo de Freddie Mercury. Queen? Quem era Queen? Outra coisa que ouvíamos era Roberta Miranda e Sula Miranda; nos botequins mais trashs da cidade elas eram a senha pra que os bebuns de plantão pagassem mais cervejas quando a colocavam pra tocar. Mas tudo mudou. Na verdade eu me mudei, vim pra capital, que de diferente da roça e da cidade pequena não tinha nada, até hoje não tem: vide Luan Santana, Michel Teló. Aqui minha vida seria ouvir discos do Zé Correia se não surgisse na minha vida, meu primo. Também vindo do interior do estado, só que do outro lado. Na sua casa, minhas primeiras audições de música, só que agora sem ser só música ambiente, e sim, com orientação. Alguns discos da minha vida vêm dessa época, os outros derivaram do gosto que passei a ter, depois das tardes que nos juntávamos no apartamento do meu primo, uns cinco caras dentro de um quarto mínimo, e no três em um, rolando grandes discos:


Pink Floyd – The Wall: ninguém tinha um The Wall como o do meu primo. A capa branca, o muro, era assinada por todos que iam à casa dele e ouviam o disco. Quando eu cheguei já quase não tinha espaço pra assinar. Foi aquele disco o primeiro que ouvi lá? Acho que não, mas ouvir The Wall era uma celebração. Lembro de uma festa que do nada todos estávamos dançando Another Brick the Wall, nos jogando contra as paredes, tentando derrubar o salão de festas do condomínio, que de verdade nem nos prendiam, devia ser só fúria adolescente. Hoje, já faz tempo que não ouço The Wall, até tenho ele em mp3, só que as músicas não combinam com meu estado de espírito atual, mas passei o bastão para minhas filhas e elas aprenderam a escutar, a ver o filme do Alan Parker.

Led Zeppelin – II: se tinha um disco que meu primo curtia muito, esse era o dois do Led. Ele nunca cansava de explicar os detalhes da guitarra do Page, de repetir o quanto Bonham era o maior baterista do mundo, o quanto baixo do Jones era emblemático, e como Plant era o melhor vocalista. Ele teria sido um grande jornalista musical, se não tivesse se tornado carismático. Whole Lotta Love era o hit naquele quarto, explicado à exaustão, depois de um tempo, em que já conseguia definir o que era baixo, sacar o trabalho da guitarra do Page, aí ficávamos lá, curtindo o som.

U2 – The Unforgettable Fire: de todos os discos do U2, lá tinha esse. E foi com esse que todos fomos iniciados no império U2. Não era um disco fácil, tinha o hit: Pride; mas era um disco introspectivo e isso era motivo de contemplação por lá. Tudo o que U2 esgotaria depois estava ali em embrião, um disco que salvou a carreira do U2, dali eles iniciariam o seu domínio sobre o mundo, mas então não, era um disco lindo, pra se curtir apenas.

Led Zeppelin – I: bom, teve muitos outros discos na casa do meu primo, mas teve a hora que meu gosto estava consolidado. Se tinha um disco que sempre faltou lá, era esse, o primeiro do Led; hoje seria fácil, um download e pronto. Naquele tempo não. Mas eu vi a luz. Minha primeira filha tinha nascido, estava meio doido, queria comemorar fumando charutos, mas sem querer me vi nos corredores das lojas Americanas e na seção de discos, eu encontrei a mais ou menos, em valores de hoje, R$ 5,00, o Led I. Comprei vários, presenteei meu primo e alguns amigos, e aquele disco perfeito, é até hoje trilha sonora inesquecível.

Faith no More – The Real Thing: agora, pai de família, um moleque, imberbe, mas já pai. Essa fita cassete original assombrou minha casa sem móveis, era só três em um na sala, e ouvia deitado no chão, ou sentado, encostado na parede. O bebê brincava por ali, quietinha, e para ninguém incomodá-la na hora do soninho, dormia ao som de Epic, From out Nowhere, delícia.

O longo dia das tartarugas cidadãs

Desperta o celular, todo o trabalhador agora é regido pela ditatura do toque polifônico; da música mais estridente. Banho. Aquele único que ficaremos com ele o dia inteiro. Café preto, leite?, pão, manteiga, rua. As manhãs não são passarinhos. Dentro dos coletivos lotados uma parte da população que ainda não recebeu as benesses do governo petista (talvez por preguiça, quem sabe ignorância, ou falta de senso de oportunidade [isso é uma ironia]), essa parte se espreme dentro dos ônibus que cobram os olhos da cara para fazer esse favor, levar o gado para o abate.


Casas às costas; casas nos ombros. Mochilas cheias de tudo. Mudas de roupas, potes com comida, sacos com frutas, barras de cereais, garrafa com água, maquiagem, cremes corporais, absorventes, lenços, um casaco para o caso do tempo virar. Muitos ficam apreensivos, pensando que talvez a vasilha plástica em que está a comida, com o aperta-empurra, possa abrir e derrubar todo seu conteúdo. Muitos, portando seus ultra-mega-modernos celulares ching-lings, enfurnam-se dentro de si, e seguem para o matadouro ouvindo suas chansons sertanejas, suas musics de novela, seus rocks desvairados.

O aperta e solta está na alma das pessoas, o roça-roça é uma das cotas diárias de sofrimento que todos tem que sentir para quando chegarem ao serviço acharem que salários baixos, trabalhos em condições precárias, assédio moral, entre outros mimos do capital, são fichinhas perto do sofrimento já sentido. As tartarugas chegam enfim ao centro do poder, saem dos buracos dos metrôs, descem dos coletivos, correm para suas posições de trabalho, casas às costas, casas nos ombros. Vida longa às tartarugas.

Oficiam seus rituais, trabalham com precisão, zelo, atitude; na hora do almoço aquecem seus vasilhames em microondas (quando conseguem ter um por perto), comem vendo televisão (quando tem uma por perto), tentam descansar em qualquer lugar que encontrem. Uns aproveitam o horário do almoço para caminharem lentos pela cidade, pé ante pé, batem pernas, rodeiam vitrines, anseiam por coisas que não vão poder comprar. Retornam à labuta, labutam, labutam. No final do expediente, recolocam suas casas nas costas ou nos ombros e saem de encontro uns aos outros, na briga pelo melhor lugar para plantar os pés.

Os fins de tarde são de ônibus lotados, pessoas tentando ir para casa depois de mais um dia de trabalho. Voltam alquebrados, descompostos, amassados, amarfanhados. Entregam-se de corpo e alma aos coletivos. Tentam chegar em casa e assim concretizar o seu dia, pois como dizia Ésquilo, a ida é só metade da jornada. A visão é rude. Pessoas e mais pessoas carregando suas miniaturas de casas. Mochilas cheias de vazios. Mudas de roupas sujas, potes de comida - vazios, sacos de frutas sem frutas, cheiro de barras de cereais, garrafa sem água, maquiagem, cremes corporais, absorventes, lenços, um casaco para o caso do tempo virar. Somos tartarugas, nossas mochilas, nosso casco - nossa casa.

O mundo capitalista em que vivemos estende seus tentáculos, prende e solta. Fora desse universo, nada. Dentro, um tudo que é nada. Enquanto isso em salas climatizadas, os barões, rotchilds modernos, e ex-companheiros cretinos, contam moedas de Judas.