Na segunda vez que cruzei com o Raduan, o livro era obrigatório noutro vestibular, agora o da minha filha, comprei. Para ajudar na compreensão dela, li primeiro. Mas conforme ia lendo, o resumão da professora chegava primeiro nas conclusões que não vim a ter. Lemos e não entendemos a essência, resultado? Peguei minhas anotações daquela aula que tive e emprestei para ela. Dois a zero para o livro. Onde moram esses resumos que circulam por aí? Qual a paternidade ou maternidade deles? É inconcebível que isso ainda ocorra, a facilidade de um filme ou de partes do livro no lugar da leitura, leitura essa que realmente fiz agora, pois lemos e LEMOS um livro.
Lavoura Arcaica transcende tudo o que se vê numa primeira olhada, culpa do autor, mestre em limar ásperezas da palavra. Se utilizando de um sinal de pontuação à beira da falência por falta de uso, o ponto e vírgula, ele muda o rumo da prosa, acrescenta inventividade e fruidez ao texto. É talvez o ritmo que falta para muita gente por aí. O livro que mais fala de sexo sem que ninguém fique exageradamente chocado. Zoofilia, incestos(?), masturbação e tudo dentro de uma arrumação do verbo; símbolos esperando serem decifrados.
Desagregação familiar é tema universal, perder a confiança em quem nos governa também, ser assaltado por desejos em alguma fase da vida acontece em todas as casas, choques de gerações, a descoberta do sexo. Mas é na surpresa que a história cresce. O filho pródigo não contou a razão de ter ido embora, e assim as parábolas cruzam errantes no lugar certo: a da semente em terra ruim, os porcos possuídos pelos demônios, etc. Em mãos menos laboriosas tudo iria se perder, Raduan faz o contrário, o interesse aumenta; ele esconde na ambigüidade das frases sentidos, direção. Alucina o ritmo vertiginoso com que tudo é contado, uma caixa de Pandora vazia.
"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo;"
s.o.