quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Twain, Stevenson & cia.


Sempre fiquei intrigado da razão de não termos um autor com a competência de um Mark Twain ou de um Robert Louis Stevenson por aqui. Temos Ana Maria Machado, tivemos aquela seqüência incrível de livros infantis ou para adolescentes que quase todo mundo em algum momento da vida leu, era um tal de droga da obediência para cá e droga não sei do quê para lá e tantos outros que vendiam tanto que impressionavam. Mas nunca tivemos um livro como os do americano ou do inglês, que se até hoje são literatura de primeira qualidade, o mesmo não podemos falar dos nossos. Quando eu li As aventuras de Tom Sawyer eu fiquei hipnotizado, era algo entre belo e onipresente, sempre que posso presenteio parentes ou amigos com esse livro. As aventuras de Huckleberry Finn nos transporta para dentro da guerra civil americana e nós vivenciamos cada momento como se fosse uma aventura nossa. A Ilha do Tesouro é pura diversão e medo, e diversos outros contos dele são mágicos, como esquecer de O Médico e o Monstro? Para os muito interessados pode-se encontrar filmes para esses livros que são boas opções de entretenimento, claro que nunca vai substituir a leitura do livro, mas sim pode dar uma nova dimensão a tudo.

Mas nós não temos um clássico dessa magnitude, nenhum livro escrito para crianças e adolescentes conseguiu transpor a linha entre o bom e o sofrível, eram livros líveis e só. Vendiam muito pois as escolas os adotavam (tal qual as escolas de hoje compram livros com ideologia socialista). O incrível é que o Brasil produz muita literatura infantil e adolescente, nessa área não existe crise, só falta qualidade. Por isso Harry Potter domina as prateleiras, aqui e em todo o lugar, ninguém consegue combater nessa terra tombada pois falta escrever livros que não queiram passar só mensagens, livros que sejam de aventuras e só, quem sabe algo mágico, fantástico e fim. Todos aqui produzem pensando em serem lidos nas escolas, todos querem o melhor lugar nas prateleiras, alguns até conseguem (como a Ruth Rocha que é sempre saborosa de se ler), mas no fim ela tem pedigree, o que falta para quase o resto todo. Falta então aos pais de hoje deixarem o nacionalismo mequetrefe de lado e serem capazes de mergulhar numa aventura rumo ao infinito e além junto com os grandes escritores universais, que conseguiam contar uma aventura, passar uma mensagem sem serem chatos nem panfletários.


Mark Twain
As Aventuras de Tom Sawyer
As Aventuras de Huckleberry Finn
O Príncipe e o Mendigo

Robert Louis Stevenson
A Ilha do Tesouro
O Médico e o Monstro

Ernest Hemingway
O Velho e o Mar

Louise May Alcott
Mulherzinhas

Jack London
Caninos Brancos
O Chamado da Selva



Imagem: gravura Tom & Huck


s.o.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

De olhos bem fechados

Têm dias que sinto um torpor devastador, posso até dormir em pé no vai-e-vém dos ônibus. Abro livros e as palavras embaralham aos meus olhos, viram poemas dadaístas. Os dias passam por mim, nem me fazem cócegas, é como se eu fosse um outro ser, um arcabouço, uma pálida lembrança. Sensações espirituais à Fernando Pessoa me atravessam nesses momentos, vêm e vão, mas não deixam saudades.

Em outros dias estou elétrico, como que movido à guaraná com café, uma excitação por sobre a pele, parede completa de sentimentos reais. O mundo ganha cor, eu vejo tudo com olhos de poeta, febris e infantis. Os carros ganham asas, as carroças são conduzidas por lordes e os cavalos, surrados e fracos, unicórnios. Não gosto desses dias alegres demais, eles enganam meus sentidos, me conduzem ao erro.

A razão disso tudo é que sou humano demais, fui influenciado por muitas coisas, o clamor da Igreja ainda roça minha cabeça, a sarjeta ainda me chama para passar algumas horas com ela. A diversidade do mundo, as diferenças que me cercam, o arco-íris mentiroso que me alegra e desaparece. O pobre bêbado que canta com as mãos em forma de concha. A mendicante que espera cruzar com mil filhos de Maria, e ao fim do dia contabiliza a cachaça ou um pão amanhecido.

A Terra segue sua volta impecável em torno do Sol, as horas seguem desafiando o homem. Mães amamentam, cães cruzam, políticos planejam seus golpes, bandidos negociam cigarros dentro das cadeias, crianças correm, insetos nascem e se consomem, pessoas morrem no trânsito, em trânsito, em transe, no açougue animais pendurados, a vida segue, ou tudo não passa de um sonho de um Deus brincalhão e incerto?



s.o.

sábado, 17 de novembro de 2007

Carentes online...


Quem acompanha diariamente sua caixa de e-mail recebe cansavelmente todos os dias correntes e mais correntes. Orações, declarações de amor e amizade, alertas para as catástrofes mundiais, precauções para supostos vírus, piadas, críticas políticas, relatos de criancinhas terrivelmente adoentadas, poesias baratas, enfim. O que será tudo isso? Futilidade? Pieguice? Não! A internet se tornou um lugar de fracos e oprimidos. Num mundo sem ouvintes para as aflições alheias, a máquina se tornou a única pessoa aberta, disposta a diálogos. Nada mais justo que seja depositado nos PowerPoint’s da vida tudo aquilo que aflige a sentimentalidade dos mais solitários.
Não se trata de pequenez literária. De pessoas desocupadas que vivem a querer infernizar, lotando as caixas de e-mail. Trata-se de pessoas frágeis, imensamente sensíveis que gastam o tempo fabricando slides e/ou enviando-os a torto e direito. Os frios se irritam com tal fato e saem deletando tudo, para eles isto uma atitude sensata e realmente é, mas só porque estes encontram outras áureas dentro da própria internet. Definitivamente a internet não é um lugar para os felizes, é um lugar para os frustrados, para os tristes, para os querem ser ouvidos, para os querem ouvir. Quem exibe sorrisos de orelha a orelha jamais passa horas ininterruptas na frente do computador, talvez estas tenham presenças físicas que lhes compensem as horas estáticas.
Empestam-se os blogs, os diários públicos, as biografias incompletas. Quem taxa as correntes de piegas, talvez faça uma pieguice ainda maior. Na net cada um se defende como pode. Nas salas de bate-papo sonhadores reais encontram esposas e maridos. Os mais desavisados inconseqüentes recebem roubos, estupros e assassinatos. Os mais dramáticos se valem de companhias mais próximas, as do MSN. Neste algumas pessoas depositam um sentimento que simplesmente não existe. Acham que todos estão dispostos ao ouvi-las e realmente deveriam estar. Afinal essa não é também mais uma sala de bate-papo? O medonho status de ocupado já afugenta o pobre caçador de diálogos. “Estou saindo”, “Estou trabalhando”, “Estou indo dormir”, (claro que tudo isso foi traduzido do bom internetês),depois de alguns minutos de conversa, são sempre estas as respostas que se lê daquele que se dizia on-line. Entretanto na maioria das vezes isso é mentira, pessoas ocupadas o último lugar que procuram é o MSN, e se vão até ele é porque têm alguma dor, mas não querem se contaminar com as dores alheias, para fugir desse perigo, checam apenas os e-mails e saem correndo com os dedos apressados no teclado e mouse. Do outro lado alguém com a coluna torta na cadeira e a visão embaçada pela tela.
t.c.s.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Roberto Carlos em detalhes sórdidos...


Nos dias atuais ler um livro proibido é como voltar à Idade Média. É se sentir como alguém que consegue burlar as leis do Index. É assim, com um gostinho de pecado que se manifesta a fluida leitura de uma biografia não autorizada.
Roberto Carlos em detalhes, detalhes na maioria das vezes sórdidos cabe ressaltar. A história do fã de carteirinha que decidiu pesquisar sobre o ídolo conforme consta na orelha do livro, não colou muito bem. Não passa de uma jogada comercial. Muito fácil escrever sobre a maior e mais reclusa celebridade do país, que há mais de quatro décadas arrasta uma legião de fãs. Paulo César de Araújo o tempo todo soube que sua obra venderia milhões e logo, logo seria retirada do mercado. Isto merecidamente, pois ele sabe o quanto apelou.
A narração começa trágica com o próprio autor recordando queixosamente, melancolicamente da vez quando criança não pode assistir ao show do Rei por precariedade financeira. Depois tudo fica tão ingênuo, com relatos idílicos de quando o cantor soltou pela primeira vez a voz numa rádio. Mas não demora muito, o escritor se revela um autêntico carniceiro, descrevendo sanguinariamente o suposto episódio do trem que atropelou Roberto Carlos e lhe arrancou a perna direita, no momento que este tinha apenas seis anos. “Providencialmente, Renato tirou seu paletó de linho branco e com ele deu um garrote na perna ferida do garoto, estancando a hemorragia.” As páginas que tratam do suposto acidente transbordam um sensacionalismo inútil, mais uma jogada de marketing que qualquer outra coisa. E assim a história vai prosseguindo, já nos anos de ouro da Jovem Guarda o momento é propício para falar dos até então obscuros acontecimentos sexuais do cantor e de toda a turma do iê-iê-iê. “Roberto Carlos era terrível! Principalmente antes se casar com Nice, ele era uma fera, um grande comedor. Aliás, ele e Erasmo faziam uma dupla infernal”. Estas são supostamente falas do hoje crente Wanderley Cardoso. Constatações irrelevantes, que por mais que sejam verdades, nada acrescentam à obra ou a vida de qualquer artista. Soam mais como uma tentativa de destruição de imagens intocáveis, consagradas pelo público. É uma tolice querer associar verdadeiros mitos indeléveis a um universo de promiscuidade. É como reduzir John Lenon ou Renato Russo a simples maconheiros. Mais do que isso no livro sobram encheções de lingüiça. O assunto do livro é simplesmente desviado justamente por falta de assunto. Chico Buarque, Caetano Veloso, Beatles, Claudete Soares, Tim Maia entre outros, que poderiam ganhar apenas modestas citações, recebem de presente páginas e mais páginas, há horas que até dá pra se esquecer quem de fato é o biografado. A estética também é terrível, a idéia de escrever em duas colunas foi péssima, sem falar nos capítulos que são desnecessariamente longuíssimos, cansativos, intragáveis na maior parte das vezes.
É obvio que carece também a credibilidade. O autor mesmo confessa já de início não ter tomado nenhum depoimento de Roberto Carlos e, no entanto são inúmeras as declarações do cantor. Não há muitas explicações para isso. “Numa entrevista nos anos 70”, “Num programa de TV” sem dizer qual jornal, qual programa de TV, o livro aparece todo aspado como se tivesse sido ditado ao autor pelo próprio Roberto Carlos.
Entretanto o autor sem limite alcança o ápice da sua falta de decoro, quando esmiúça os bastidores da enfermidade de Maria Rita. “Maria perdera os cabelos e havia emagrecido treze quilos. Além disso, sentia enjôos fortes e enxaquecas”. “Seu sistema neurológico ficou comprometido e a paciente começou a ter convulsões, tremores e espasmos de agitação. Nos raros momentos em que esboçava alguma lucidez reconhecia Roberto Carlos e os médicos, mas dizia coisas desconexas.” As descrições talvez nem seja tão dramáticas, porém para um Rei nada é pior do que alguém tocar no nome de sua rainha adorada. Se não fosse isso, talvez o livro nem tivesse sido proibido, é indubitável que foi isso o que mais chocou Roberto Carlos.
Mas entre mortos e feridos, a obra tem sua importância, pois mesmo com todos os enxertos evasivos, nunca houve um documento tão conciso de um dos artistas mais reservado e mais importante para o país. Pena que as intenções do autor foram muito mais comercias que documentais.

t.c.s.